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Sob desconfiança, dona da 99 prepara IPO em NY

Empresa planeja arrecadar US$ 3,9 bilhões em uma das maiores ofertas públicas iniciais de ações estrangeiras desde 2014

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Christian Shepherd
Pequim | Financial Times

O aplicativo de serviços de transporte chinês Didi vai estrear na Bolsa de Valores de Nova York depois de derrotar a Uber e se tornar dominante nas ruas das maiores cidades da China, mas há preocupações quanto a crescimento e regulamentação no horizonte.

Sob o nome de sua holding, Xiaoju Kuaizhi, a Didi planeja arrecadar US$ 3,9 bilhões (R$ 19,5 bilhões) em capital em uma das maiores ofertas públicas iniciais de ações estrangeiras desde a abertura do capital da Alibaba em 2014, com uma avaliação de US$ 64,7 bilhões (R$ 323,6 bilhões) para o valor de mercado da empresa, ao preço médio de oferta.

A meta é semelhante à avaliação de US$ 65 bilhões (R$ 325,1 bilhões) que a empresa atingiu em uma rodada de capitalização em 2018, quando investidores privados injetaram capital na companhia, o que talvez reflita como o interesse dos investidores pelos apps de serviço de transporte caiu, depois da oferta pública inicial decepcionante da rival Uber em 2019.

Entregadores de aplicativos de delivery usam mochila amarela. Todos estão de costas
Entregadores do aplicativo 99Food - Divulgação/99Food

Ao contrário da Uber, a Didi pode alardear lucratividade em seu negócio primário de transporte, desde 2019, com base em ebitda [receita anterior aos juros, impostos, depreciação e amortização] ajustada. Esse negócio primário respondeu por 94% da receita de 142 bilhões de yuan (R$ 110 bilhões) registrada pela Didi em 2020.

É uma proporção muito maior da receita do que a registrada pela Uber ou Grab, que dependem de entregas de comida, que estão em crescimento mas são deficitárias, para 35% e 49% de seu faturamento, respectivamente. Na China, a Didi está excluída dos serviços de entrega pelas rivais Meituan e Ele.me, duas rivais de porte muito grande.

Mas embora o negócio primário da Didi seja lucrativo, a margem de lucro que ela contabiliza em cada corrida é muito inferior à de rivais internacionais, cerca de 3% ante os 20% da Uber.

Os lockdowns causados pelo coronavírus fizeram com que o número de corridas da Didi caísse em um terço no primeiro trimestre do ano passado, mas as medidas severas e em geral bem-sucedidas que a China adotou para conter o vírus significaram que os negócios da empresa cresceram, em termos anualizados, no segundo semestre de 2020, e a queda de receita foi de apenas 4,8% no ano.

No primeiro trimestre de 2021 a Didi registrou receita líquida positiva pela primeira vez, em grande parte graças à “desconsolidação” da Chengxin Technology, sua operação de compras em grupo, em valor de 9,1 bilhões de yuan (US$ 1,4 bilhão).

Mas alguns analistas acreditam que a Didi pode estar atingindo a saturação nas maiores cidades da China, como Pequim e Xangai, que respondem por metade de suas corridas, e não estão certos de que a empresa conseguirá estimular seu crescimento por meio de novos negócios.

“A principal questão para a Didi é se os seus serviços primários de mobilidade na China são capazes de gerar poder financeiro suficiente para bancar seus novos negócios emergentes, como os carros autoguiados”, escreveram analistas da corretora Bernstein em uma nota de pesquisa recente.

O administrador da área de mercados de capitais de um banco americano em Hong Kong afirmou que uma meta inicial de avaliação de US$ 100 bilhões para a abertura de capital da empresa “jamais foi um ponto de partida razoável”, devido às limitações do mercado da Didi.

“A grande questão para eles é que não podem se expandir facilmente para além dos serviços de transporte, como fez a Uber. O equivalente da Uber Eats e dos serviços logísticos da Uber são mercados já ocupados, e por rivais com recursos abundantes, na China”, disse a pessoa.

No exterior, a Didi se expandiu em grandes países em desenvolvimento, como o Brasil, mas seus negócios fora da China respondem por apenas 2% de suas receitas.

No entanto, o domínio da empresa na China é inquestionável. Desde que adquiriu as operações chinesas da Uber em 2016, a Didi cresceu e atendeu a 90% dos pedidos de serviços de carros no país em 2020, cerca de dois terços dos quais acontecem nas maiores cidades.

A companhia enfrenta alguma concorrência nas cidades médias e pequenas, e há mais de 200 rivais em operação no país. A T3, rival que conta com apoio da Alibaba, Tencent e de três montadoras de automóveis chinesas, vem conquistando sucesso na expansão de sua fatia de mercado em Nanquim e Chongqing, devido aos seus preços baixos e ao fato de que é dona dos veículos que opera.

“No momento o lucro é alto, mas à medida que a competição crescer nas cidades pequenas eles terão de baixar os preços”, disse Cherry Leung, analista da Bernstein.

Mas os investidores da Didi argumentam que sua lucratividade pode ser ampliada porque é improvável que os concorrentes se envolvam em uma guerra de preços como a disputa tripla entre a Didi, a rival chinesa Kuaidi Dache e a Uber, da qual Cheng Wei, o fundador da Didi, saiu vitorioso em 2016.

Cheng e Jean Liu, ex-executiva do Goldman Sachs que se tornou presidente da Didi em 2015, até agora evitaram ter de desembolsar subsídios dispendiosos para resistir aos avanços de rivais.

“É uma questão muito simples: se você quer fazer o mesmo que a Didi, está disposto a gastar US$ 20 bilhões para atrair usuários?”, disse Kevin Wang, sócio fundador da Ameba Capital e um dos primeiros investidores na Kuaidi Dache, que se fundiu com a Didi em 2015.

Depois de admitir a derrota para a Didi, a Uber reteve uma fatia considerável do capital da empresa, hoje equivalente a 12,8%. Outros grandes investidores incluem o Vision Fund do SoftBank, com 21,5%, e a Tencent, com 6,8%.

Mais premente que a competição é a questão de se a Didi conseguirá escapar ao aperto regulatório de Pequim, que está pressionando os grupos de tecnologia, que o governo considera que ganharam poder demais, rápido demais.

A companhia está sob ataque por diversas questões, de falhas em garantir a segurança dos passageiros a preocupações com concorrência desleal e baixa remuneração aos motoristas.

No começo do mês, uma publicação financeira da agência oficial de notícias chinesa Xinhua informou que investigações antitruste pendiam “como uma espada” sobre a oferta pública inicial da Didi, mencionando preocupações sobre manipulação de preços e uma investigação sobre o acordo da companhia para adquirir os negócios chineses da Uber, sobre o qual poucos detalhes foram revelados.

Em maio, executivos da Didi, e de mais de 30 outras companhias de serviços de transporte por app, foram convocados pelo Ministério do Transporte chinês para discutir preocupações sobre a remuneração dos motoristas, depois de queixas de que a Didi estava recebendo comissões de 30% sobre o valor de determinadas corridas.

A companhia disse que isso só se aplicava a menos de 3% das corridas e prometeu fazer mais para garantir pagamento justo aos motoristas.

Mesmo assim, a companhia recebeu uma advertência clara das autoridades: “Se a Didi não retificar seu comportamento imediatamente, pode haver uma escalada das ações regulatórias”, disse Angela Zhang, estudiosa de leis antitruste chinesas na Universidade de Hong Kong.

Para o futuro, a Didi continua a considerar que os carros autoguiados são promissores, e espera poder dispensar o uso de motoristas pagos, que respondem por 50% dos custos da empresa.

Mas a Didi adotou uma abordagem mais cautelosa do que rivais como a Baidu e AutoX, uma startup apoiada pela Alibaba, que começaram a retirar os motoristas de segurança de seus veículos. A companhia obteve uma licença para transportar passageiros em carros autoguiados em Xangai no ano passado, mas revelou poucas informações sobre seus testes.

Zhang Xiang, um analista independente do setor automotivo chinês, disse que o investimento da Didi em carros autoguiados é uma forma de distinguir a companhia da Uber, depois que a companhia americana abandonou os carros autoguiados no final de 2020, e de buscar de uma potencial avaliação elevada para seu negócio de carros autoguiados.

“Não faz sentido algum lançar um serviço puro de táxis robôs autoguiados”, disse um dos investidores iniciais da Didi. “Terá de ser um híbrido construído com base nos negócios de mobilidade da Didi, que teve muitos anos para construir uma plataforma de tecnologia de back-end”.

Tradução de Paulo Migliacci

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