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Commodities e escassez de insumos puxam inflação e desafiam Banco Central

Copom intensificou a alta da taxa Selic para tentar frear o avanço da inflação

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Rio de Janeiro

O aumento da taxa básica de juros (Selic) ajuda, mas não deve controlar por si só a escalada da inflação no Brasil, avaliam economistas.

A Selic mais alta é a arma do Banco Central para tentar conter o excesso de procura que pressiona os preços para cima, além de frear o câmbio. A questão é que, durante a pandemia, surgiram novos desafios no cenário, que fogem da alçada da autoridade monetária.

O avanço da inflação no país, em um cenário de desemprego em alta e retomada incipiente da economia, reflete a combinação entre commodities mais caras e escassez de insumos, sem indicar ainda uma demanda aquecida por serviços.

Exemplos disso são a disputa internacional por commodities e a desarticulação de cadeias produtivas globais. Somados, os fatores tendem a reduzir estoques, elevando os valores de bens diversos.

Na quarta-feira (4), o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) aumentou a Selic em 1 ponto percentual, para 5,25% ao ano. Foi a maior alta em 18 anos.

“Temos uma inflação de oferta, e não de demanda, no país. O aumento nos juros não tem efeito para conter o efeito da quebra de safra, que impacta produtos agrícolas, por exemplo. Mas o que a autoridade monetária quer é conter o espalhamento da inflação pelos serviços”, analisa o economista André Braz, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

“O movimento dos juros demora para bater na atividade econômica. Vai começar a valer em um horizonte de seis a nove meses após a decisão”, completa.

Estudo produzido pelo Itaú Unibanco traça um perfil da inflação durante a pandemia. Segundo o levantamento, a alta de preços no mundo vem sendo puxada por commodities e gargalos de produção, que provocam escassez de insumos especialmente na indústria automobilística.

O Itaú sinaliza que, até o momento, a pressão nos preços causada pela reabertura da economia é sentida com maior força em países que saíram na frente no processo de vacinação contra a Covid-19. O destaque, nesse caso, fica com os Estados Unidos.

Para elaborar as conclusões, o banco fez uma decomposição das fontes de inflação em quatro grupos. São os seguintes: commodities, gargalos nas cadeias produtivas (veículos e eletroeletrônicos), reabertura de atividades (restaurantes, turismo e vestuário) e núcleo (itens diversos).

No acumulado de 12 meses até junho, a inflação das commodities brasileiras saltou 23,2%. Em seguida, veio o impacto dos gargalos de oferta. Nas atividades afetadas pela escassez de componentes, a os preços subiram 9,2%.

Enquanto isso, a alta de itens que dependem mais da reabertura das atividades foi menor, de 4%.

“Do lado da demanda, as famílias substituíram consumo de serviços presenciais, como refeições em restaurantes e viagens, pelo consumo de diversos bens, como alimentos, automóveis e itens para casa como móveis e eletroeletrônicos”, indica o estudo.

“Nesse ambiente, dado o choque inicial de fechamento das fábricas, o estoque de bens recuou fortemente e gargalos de oferta apareceram nas mais diversas indústrias (alta no custo de insumos, aumento do tempo para frete/entrega e escassez de peças são alguns dos exemplos). Somado a este ponto, o preço de commodities também passou por forte correção”, completa o texto.

A economista do Itaú Unibanco Júlia Passabom, uma das responsáveis pelo estudo, avalia que os choques das matérias-primas e a desarticulação de cadeias produtivas tendem a ser temporários, mas provocam grande impacto nos preços porque atuam de maneira conjunta.

“A partir da segunda metade do ano passado, vimos uma aceleração da taxa de inflação. Vários componentes são temporários, mas estão juntos, e com uma persistência maior”, afirma.

O economista Fábio Astrauskas, professor do Insper e sócio-diretor da Siegen Consultoria, concorda com a leitura de que a inflação mais alta reflete a valorização das commodities e os desequilíbrios produtivos até o momento.

Na visão do analista, o choque nos preços tende a ser mais longo do que o previsto inicialmente e deve se estender até meados de 2022.

“O BC tem consciência do processo inflacionário, mas não tem todas as ferramentas para controlá-lo agora”, afirma.

Astrauskas lembra que a trégua da inflação também depende de melhores condições climáticas. A falta de chuvas, por exemplo, já encareceu o custo de geração de energia elétrica e afetou plantações no país.

A produção de alimentos, aliás, voltou a ser prejudicada no mês de julho, com a ocorrência de geadas em regiões brasileiras.

Além disso, diz Astrauskas, ruídos políticos e incertezas fiscais adicionam dúvidas no cenário, o que pode pressionar o câmbio e, consequentemente, a inflação.

“A pressão nos preços deve seguir pelo menos até a metade do ano que vem”, comenta.

Passabom, do Itaú, também frisa que, além da Selic mais alta, a trégua da inflação depende da melhora climática e da normalização das cadeias produtivas globais. O Itaú Unibanco revisou sua projeção para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) no acumulado de 2021, de 6,1% para 6,9%.

Ou seja, o indicador tende a fechar o ano acima do teto da meta de inflação perseguida pelo BC. O teto é de 5,25% em 2021. O centro é de 3,75%.

Ao divulgar o resultado do IPCA de junho, no começo de julho, o IBGE (Instituto Braasileiro de Geografia e Estatística) sinalizou que a inflação ainda não mostrava reflexos da demanda aquecida.

“Quando a gente fala de demanda, geralmente olha para inflação de serviços, que ainda está abaixo do índice geral. Não dá para afirmar categoricamente que temos uma inflação de demanda. É óbvio que a retomada da economia e a melhora no contexto da pandemia podem influenciar [nos próximos meses]”, relatou na ocasião André Filipe Guedes Almeida, analista da pesquisa do IBGE.

Em 12 meses até junho, o IPCA subiu 8,35%.

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