Descrição de chapéu

Críticas empresariais mostram como risco Bolsonaro virou mau negócio

Entre medo de Lula e percepção de colapso, banqueiros e empresários conversam sobre alternativas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A percepção de que o risco político associado ao governo de Jair Bolsonaro tornou-se indissociável das perspectivas negativas na economia tem movido setores sempre simpáticos ao governo a buscar alternativas para a campanha presidencial de 2022.

O desembarque pouco tem de ideológico: é a consolidação da noção de descontrole do governo federal que guia conversas dos grandes empresários remanescentes no Brasil, dos setores financeiro e de serviços.

Cartazes criticando Paulo Guedes e Bolsonaro na avenida Faria Lima, Meca bolsonarista em 2018
Cartazes criticando Paulo Guedes e Bolsonaro na avenida Faria Lima, Meca bolsonarista em 2018 - Bruno Santos - 29.ago.2021 /Folhapress

A crise instalada na Febraban (Federação Brasileira de Bancos) é só o sinal externo mais claro do processo, que vem se desenrolando há meses em discretos almoços e jantares no eixo São Paulo-Brasília.

O apoio da entidade à ideia de uma nota ora suspensa da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) exortando compromisso democrático dos Poderes, um recado claro ao golpismo esposado pelo presidente, é algo inusual em sua história.

A imediata reação das grandes instituições públicas, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, mostra que o governo sentiu o golpe, além de aceitar o rótulo de intervencionista —para o horror de investidores estrangeiros.

Um movimento como o da Febraban não cai do céu, até porque usualmente os grandes bancos privados sejam econômicos em críticas a quaisquer governos. A confusão subsequente, com recuos e acusações mútuas, só mostra a temperatura da situação.

O assunto ganha ainda mais nuance com o afastamento de um núcleo bolsonarista por excelência do Planalto: o mundo dos bancos de investimento, a proverbial Faria Lima.

Lá o temor da deterioração decorrente do histrionismo autoritário presidencial, que deverá ter sua apoteose nas manifestações marcadas para o 7 de Setembro, cancele os ganhos que o setor teve desde meados dos anos 2010.

Historicamente, o mercado acionário brasileiro precisou de estímulos de liquidez oriundos do setor estatal, com as operações de grandes empresas como a Petrobras, dos grandes fundos associados a elas e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

A crise sistêmica que atingiu o núcleo estatais-empreiteiras-BNDES a partir das revelações da Operação Lava Jato, a partir de 2014, afetou essa dinâmica, que por sua vez colocou na berlinda também bancos privados que davam garantias a operações.

A derrubada de juros a partir do governo Michel Temer (MDB, 2016-18) completou a equação, levando o investidor individual de aplicações tradicionais para uma maior experimentação na Bolsa. Os ditos rentistas migraram para o mercado acionário, que viu um aquecimento enorme por meio de ofertas iniciais de empresas.

Agora, juros terão de subir para conter a espiral inflacionária, que tem no horizonte um anabolizante perigoso: a crise energética já contratada. Em apresentação na semana passada a senadores, um grande banco vaticinou que a inflação sairá do controle se nada for feito em 90 dias.

Isso é visto como receita para uma volta ao conservadorismo dessa nova classe investidora.

Os inúmeros sinais de que o governo está pronto para rasgar a responsabilidade fiscal em nome da tentativa de se manter competitivo para a disputa eleitoral de 2022, fora a certeza de que Paulo Guedes (Economia) não é garantia de nada no sentido contrário, ampliam o cenário de crispação.

Aí, claro, é oportunismo natural, além da identificação ideológica ou não: desde 2018 Guedes era incensado como um farol liberal inabalável porque isso era, ao fim, bom para os negócios. Mercado vive de expectativa e de venda de expectativas.

Com a instabilidade política às raias da apoplexia, o foco se desloca à busca de alternativas. O atual líder nas pesquisas para o Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), continua sendo visto com reservas.

Isso ficou evidente em conversas num jantar na semana passada na casa do banqueiro José Olympio Pereira (Crédit Suisse) em homenagem a Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados que virou secretário de Projetos e Ações Estratégicas do governo de João Doria (PSDB-SP).

O ex-ministro da Defesa de Lula Nelson Jobim estava no encontro, assim como seu sócio André Esteves, dono do BTG Pactual. A dupla anda sabatinando eventuais candidatos a presidente e conversando com atores políticos importantes, de empresários a militares.

Segundo a Folha ouviu de pessoas que participam dessa e de outras conversas, a busca por uma alternativa na centro-direita ainda é a prioridade, apesar do fato de que o primeiro mandato do petista foi basicamente liberal na economia.

Suas recentes falas acerca de regular a imprensa e com críticas a militares chamaram a atenção desses observadores. Para eles, há o risco de Lula, empoderado nas urnas, tornar-se mais próximo do populista à esquerda que elegeu e legou o governo Dilma Rousseff (PT) ao país do que aquele que beijara a cruz do mercado em 2002.

Até aqui, nesses círculos o nome que é ventilado como o mais próximo do perfil procurado é o do governador paulista, que ainda busca se viabiliza no PSDB e por ora patina nos 5% de intenção de voto país afora —com grandes vazios eleitorais em locais como o populoso Nordeste.

Restará, portanto, a Doria convencer esses interessados em apoiá-lo daquilo que seus aliados pregam: que poderá repetir 2016, quando entrou na política para disputar a prefeitura paulistana, e sair do nada para a vitória.

Outros nomes são balbuciados aqui e ali, como o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que deverá migrar para o PSD de Gilberto Kassab para entrar no jogo de 2022.

Um ministro de Bolsonaro diz ainda acreditar que um controle da situação econômica trará de volta a Faria Lima para o colo do chefe, mas admite que a tarefa é difícil quando a agenda do governo é determinada pela próxima crise destinada a manter viva a base do bolsonarismo raiz.

No cálculo do presidente, se há um, a ideia é que na disputa com Lula no ano que vem, invariavelmente ele terá o apoio das franjas que hoje se afastaram dele —o antipetismo seria mais forte do que o antibolsonarismo, segundo essa leitura.

Mas para chegar a 2022, precisa desse núcleo duro a apoiá-lo nas ruas enquanto o centrão, bem alimentado com verbas e cargos, o sustenta no Congresso. O problema é que sem mercado, esse suporte político tende a liquefazer-se rapidamente.

E a insistência de Bolsonaro em ameaçar com uma ruptura institucional, ainda que encontre freios e contrapesos no sistema, parece ter deixado de ser vista apenas como retórica. É ruim para os negócios, afinal.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.