Na pandemia, brechós viram fonte de renda para jovens das periferias

Novas gerações têm menos restrições com roupas de terceiros e valorizam peças usadas

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Lucas Veloso
São Paulo | Agência Mural

“Mulher preta, independente e no corre”. É assim que se define Larissa Cristiny Ramos, 24, dona do Brechó do Barulho, construído na laje da mãe na Vila Isolina Mazzei, periferia da zona norte de São Paulo.

Mãe de Isis, 3, ela lembra que criou o negócio para complemento de renda em 2015. “Comecei vendendo alguns desapegos e depois comecei a ir para eventos, expandir e levar mais a sério o corre”, diz.

Com o movimento do brechó, abandonou o emprego formal e investiu em criar algo que unisse vestuário de qualidade com acesso a quem tinha pouco dinheiro.

No local, vende peças a partir de R$ 5 e faz “super promoções”, como ela mesmo diz. O valor de cada peça depende de quanto pagou por ela, qualidade, estética e a raridade. Mas também considera quanto as clientes podem pagar.

“Vivo isso real, minha renda mesmo”, comenta. Nos “meses incríveis”, como ela diz, chega a renda bruta de R$ 3.500.

Faz parte do trabalho dela o garimpo [a busca por roupas] em bazares de igrejas e centros espíritas, além de outros brechós nas periferias. Na pandemia, passou a enviar peças por correio a clientes distantes, em vez de entregá-las em catracas de trens e metrôs da capital paulista.

Larissa criou seu brechó antes da pandemia, mas negócios como o dela, comandados por jovens sem perspectiva de trabalho, começaram a aparecer com mais frequência nas periferias da região metropolitana de São Paulo após a crise econômica provocada pelo coronavírus.

O agravamento social da pandemia contribuiu para o aumento destes negócios, de acordo com pesquisa publicada em dezembro pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Dos entrevistados, 40,5% já adquiriram “itens usados” de vestuário ao menos uma vez; outros 32,6% fazem isso com frequência.

“É uma coisa que gera muita renda. As pessoas se veem com roupa em casa e colocam para vender na frente de casa mesmo”, comenta Ivan Tadeu Telles, dono do Brechó do Monkey no Grajaú, zona sul da cidade.

Um dos desafios encontrados por quem tem brechó nas periferias é o preconceito de quem ve as roupas como “peças de defunto”. “A gente vem reeducando que são roupas boas. Não é roupa velha, rasgada”, pontua Telles.

Thamires Borges da Silva, 26, criou o Brechó da Bolada, em Vila Lopes (Rio Grande da Serra, na Grande São Paulo) para vender roupas vintage, principalmente dos anos 1980 e 1990, depois que se tornou mãe e precisava de trabalho.

Com cerca de 200 peças comercializadas por mês, consegue renda bruta entre R$ 3.000 e R$ 6.000.

"O brechó faz girar a minha economia, a da minha filha e a da minha família”, comenta. “Acredito que o empreendedorismo como um todo vem da dor e da necessidade da sobrevivência das pessoas que, em sua grande maioria, estão na base da pirâmide social”.

Essa roda tem girado também com o uso das redes sociais. Carla Daniely Alves Otaviano, 32, costuma fazer ensaios com as peças do b77brecho, no Parque Edu Chaves, zona norte de São Paulo. Ela tem 23 mil seguidores no Instagram.

O novo negócio ajudou também a resolver um problema. “Como mulher preta, periférica, mãe e nordestina, me possibilitou sair de um relacionamento abusivo e conseguir me sustentar com meu filho, ajudar um pouco minha mãe lá no Ceará”, comenta.

“Não tenho noção de quantas peças [vendo] porque não tenho organização financeira, mas consigo custear o aluguel de R$ 600, água, luz, internet e guardar um pouco de dinheiro numa poupança para alguma eventualidade com meu filho ou caso eu precise voltar para Fortaleza”.

No Parque Viana, em Barueri, Thais Lima Santana, 26, e o marido criaram em 2017 o BRECHOK. Com venda média de 50 peças por mês, conseguem em torno de R$ 3.000 –a renda quase dobrou na pandemia.

Um dos diferenciais do brechó, segundo Thais, são as peças em tamanhos maiores, itens pouco encontrados no mercado. “Quando falamos de peças vintage, todo mundo sabe a dificuldade de encontrar tamanhos grandes”, afirma.

“Na quebrada ainda é tabu falar disso. Quem é pobre sempre consumiu coisa de segunda mão, por necessidade mesmo, mas quando tinha grana comprava roupa nova”, diz. A ideia dela é ressignificar isso e mostrar que é possível ter roupa de qualidade, de boa marca e com menos gastos.

Doutora em Comunicação e professora do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) no Rio de Janeiro, Jorgiana Brennand pesquisa brechós há cerca de três anos.

Ela diz que percebeu aumento de brechós na pandemia, sobretudo no ecommerce. O perfil de quem compra e vende é diverso, mas há a protagonismo juvenil, com perspectivas mais sustentáveis, afirma.

“Os mais jovens não têm preconceito com as roupas de brechó. Ainda é roupa de defunto para muita gente, mas os jovens têm consciência e comportamento de consumo mais consciente”.

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