Descrição de chapéu Pix Banco Central

Limite ao uso do Pix é custo de segurança pública pago pela sociedade, diz diretor do BC

Pinho de Mello avalia como positivo o primeiro ano do sistema de pagamentos instantâneos e atribui fraudes à retomada

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Brasília

Responsável pela implementação do Pix, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, disse em entrevista à Folha que avalia como positivo o primeiro ano do sistema de pagamentos instantâneos brasileiro.

Para ele, o desenho da nova ferramenta permitiu uma adesão rápida por parte da população.

Sobre as polêmicas que envolvem segurança, ele garante que o sistema é seguro, mas atribui o aumento de fraudes, golpes e outros crimes envolvendo o Pix à reabertura da economia.

O diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, foi o responsável por implementar o Pix
O diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, foi o responsável por implementar o Pix - Raphael Ribeiro - 27.fev.19/BCB

Contudo, Pinho de Mello ressalta que, apesar de ser um problema de segurança pública, é também responsabilidade do regulador fazer regras que reduzam esse risco.

Recentemente, o BC anunciou novas regras para tentar conter a ação de criminosos, como o limite de R$ 1.000 à noite. "É a sociedade mais uma vez pagando o custo de segurança pública", diz o diretor.

Segundo ele, a autoridade monetária tentou por anos fazer com que o próprio sistema financeiro desenvolvesse uma solução instantânea de pagamento, mas decidiu tomar a iniciativa de implementar o modelo.

"Temos uma indústria de cartão de crédito e débito muito bem-sucedida, alocar tempo para fazer outra solução exige muita coordenação. Se aparecesse uma solução privada seria ótimo, mas havia dificuldades de coordenação, por isso o BC tomou a decisão de fazer de forma centralizada", diz.

Pinho de Mello afirma ainda que a pandemia de Covid-19 teve papel importante na digitalização dos meios de pagamento e, como consequência, na adesão rápida da população ao Pix.

O Pix teve um primeiro ano intenso, com adesão muito rápida e polêmicas de segurança. Qual é a sua avaliação sobre esse período? O balanço é muito mais positivo do que qualquer um poderia antecipar.

Havia muita segurança de que a adesão seria forte e muita confiança na qualidade do desenho e na atratividade do meio de pagamento, pela instantaneidade, pela disponibilidade e pelo custo baixo.

Antes do lançamento, o BC previa que a ferramenta teria esse alcance? Não tinha uma previsão, mas, se você pegar os primeiros anos em outros países que implantaram sistemas de pagamentos instantâneos, há muita diferença de velocidade de embarque.

O que teve maior velocidade foi o Chile, que no primeiro ano teve nove transações por habitante. Se a gente alcançasse o Chile seria, sob qualquer métrica, um sucesso absoluto. Hoje o Pix tem 30 [transações por habitante].

Tínhamos a expectativa de que o embarque seria profundo mesmo, porque existe uma grande fração da população para a qual esse meio de pagamento faltava.

A que pode ser atribuído o crescimento meteórico do Pix no primeiro ano? São vários fatores. Primeiro e primordialmente o desenho foi muito bem-feito porque foi realizado em colaboração com os atores de mercado, sejam eles instituições que prestam serviços de pagamentos [como bancos, cooperativas e fintechs], sejam prestadores de serviço de tecnologia.

Sempre escutamos aqueles que vão prestar o serviço para os clientes finais, mas com um comando forte do BC, que é quem decide.

Essa combinação foi muito única. Foi algo que construímos na governança do Pix que vai ficar para os próximos países que forem implementar pagamentos instantâneos.

Por que o BC decidiu tomar a iniciativa de criar o sistema de pagamentos instantâneos? Em outros países o próprio mercado iniciou o movimento. Havia quatro ou cinco anos que o BC tentava estimular e induzir que aparecesse uma solução privada. Ela teria de ser dessas que todo mundo pode participar e que fosse interoperável. O mundo privado tem essas soluções, mas existia um problema de coordenação.

Temos uma indústria de cartão de crédito e débito muito bem-sucedida. Alocar tempo para fazer outra solução exige muita coordenação. Se aparecesse uma solução privada seria ótimo, mas havia essas dificuldades e por isso o BC tomou a decisão de fazer de forma centralizada.

É importante frisar que não oferecemos o serviço diretamente, são as instituições.

O BC tem três papéis: a estrutura de liquidação financeira, que é o encanamento em que o dinheiro passa; a estrutura de informação, que é a base de dados que identifica usuários como recebedores de Pix; e a regulação, que são as regras do jogo.

A pandemia acelerou a digitalização de pagamentos, isso contribuiu para a adesão rápida do Pix no primeiro ano? É inegável. Houve um movimento de digitalização de meios de pagamento e da vida de modo geral. A maneira como as pessoas se relacionam com o comércio mudou e já vinha mudando, era uma tendência, mas com a pandemia explodiu.

Não só o Pix, mas cartões de crédito e de débito cresceram por causa das novas necessidades que a crise sanitária impôs. Vai ser difícil dizer o quanto [a pandemia] contribuiu quantitativamente.

Então a pandemia acelerou a necessidade de se criar um meio de pagamento instantâneo? Do ponto de vista do BC, a pandemia não mudou o cronograma, que já estava estabelecido antes da crise sanitária. Se fizesse diferença, seria para atrasar, porque outras pautas urgentes entraram e ocuparam a diretoria.

A despeito disso, seguimos com o que tinha sido estabelecido lá atrás, em 2019, com abertura restrita em 1° de novembro e abertura plena em 16 de novembro.

Por que a adesão entre pessoas físicas foi mais rápida que entre empresas? A gente esperava isso, porque a pessoa física em certo sentido não precisa fazer nada, só precisa saber que existe [o meio de pagamento] e se familiarizar.

Um estabelecimento comercial precisa se adaptar. Um restaurante de bairro, por exemplo, tem um sistema montado para receber dinheiro e cartões de crédito, débito e vale-refeição. A maquininha está conectada com o sistema do restaurante, a confirmação [do pagamento] é recebida na hora.

O Pix não vem com isso automaticamente, vem com toda a infraestrutura para alguém prestar o serviço.

Cada vez mais esses estabelecimentos começam a embarcar em sistemas que fazem isso automaticamente, mas isso custa. É um investimento.

Recentemente houve o primeiro caso de vazamento de dados, no Banese, com 395 mil chaves expostas. Há chances de ocorrer em outras instituições? O BC aprimorou o monitoramento? Qualquer um que disser que não há chance de ataque cibernético ou é irrealistamente otimista ou não é totalmente honesto.

Qualquer vazamento de dados pode causar dano para o usuário e tem de ser levado muito a sério.

O principal aprendizado não só para o BC e para o Banese, mas para qualquer empresa nesse movimento de digitalização, é ser totalmente transparente e ver quais são as potenciais novas vulnerabilidades.

Estamos estudando sempre aprimoramentos.

O Pix acabou facilitando a ação de golpistas e criminosos, que agora conseguem obter o dinheiro de forma instantânea e pulverizar entre outras contas rapidamente. Essas questões de segurança foram subestimadas pelo BC? O Pix foi construído com uma governança coparticipativa, em que fez parte um dos maiores especialistas em segurança de meios de pagamentos do país. Houve diálogos com autoridades policiais e antecipava-se que poderia ter algo em relação à instantaneidade.

O sistema foi construído para ser super-seguro. Mas tivemos a reabertura da economia com outra estrutura de meios de pagamentos, com as pessoas usando muito mais meios digitais.

Essas intervenções todas [novas regras do BC para aumentar a segurança] diminuem a usabilidade dos meios de pagamentos. Lá atrás, o BC limitou a R$ 500 o saque no caixa eletrônico aos fins de semana.

Isso é uma inconveniência para as pessoas, feita com um balanço entre custo e benefício. Vamos impor uma inconveniência à sociedade, que no fundo é só mais uma maneira de medir um custo da segurança pública. Mas eu tenho o benefício de desestímulo de um tipo de crime e de proteção do cidadão.

Esses casos aconteceram não por causa do Pix, mas pela volta da mobilidade social no contexto de muito maior uso de meios de pagamentos digitais.

É importante salientar que as intervenções que foram feitas [pelo BC] não foram só no Pix, mas em meios de pagamentos digitais, valem também para TED, para arranjos de transferência por rede social e para transações de cartão de débito.

O BC previa o aumento de golpes e outros crimes com Pix? É difícil prever todas as reações possíveis não só dos bandidos, mas dos usuários de meios de pagamentos. Mas tínhamos, sim, uma ideia, tanto é que a gente previu os mecanismos de marcação antifraude e o de devolução.

Para evitar crimes, esses mecanismos não deveriam ter sido implementados no início das operações com Pix? Quase todo desenvolvimento é custoso para o sistema financeiro e isso vai ser pago pelos usuários em última instância, não tem como escapar.

Esse conjunto de funcionalidades estava ali, a necessidade e a velocidade foi ajustada ao longo do tempo. Na verdade, o mecanismo de devolução é só mais uma maneira de fazer o Pix mais seguro que os outros meios.

O BC está estudando outras medidas de segurança? O BC sempre está atento e monitorando. Colocamos um conjunto bastante amplo de medidas há seis semanas, então é preciso acompanhar e monitorar os movimentos de segurança pública.

As regras foram colocadas porque acreditamos que elas são suficientes e efetivas.

Foi feita a avaliação de que a imposição de um limite de R$ 1.000 para transações com Pix entre 20h e 6h valia a pena porque você economizaria do ponto de vista de segurança pública, porque a maioria dos sequestros são nesse horário.

Mas em alguns casos limita o uso. É um limitador, limita mesmo. É a sociedade mais uma vez pagando o custo de segurança pública.


Raio-X | João Manoel Pinho de Mello, 48
Diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, é bacharel em administração pública pela FGV, tem mestrado em economia pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro e Ph.D em economia pela Stanford University (EUA). Antes de assumir o cargo na autoridade monetária, foi secretário de Política Econômica e, antes, da Produtividade e Promoção da Concorrência do Ministério da Fazenda. É também professor do Insper

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