Descrição de chapéu

Touro de Ouro não é o que faz falta ao centro de São Paulo

Para requalificar região, empresas deveriam investir em ações talvez menos visíveis, mas mais perenes

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Francesca Angiolillo

Repórter especial, com ênfase em arquitetura e urbanismo. Foi editora-adjunta da Ilustrada e da Ilustríssima.

São Paulo

Menos de dez dias depois de sua colocação, o "Touro de Ouro" da B3 acabou removido de seu posto à rua 15 de novembro, no centro da capital paulista.

O grande bicho dourado ficou na rua tempo suficiente para ser alvo de protesto, virar meme e aparecer no jornal quase todos os dias desde a sua instalação. Acabou cumprindo o papel de uma ação de marketing bem-sucedida, não importando se essa era a intenção original.

Para Guilherme Benchimol, fundador da XP, a remoção foi "um dos maiores absurdos" que ele já viu. "A tristeza é ainda maior porque o centro de SP precisava de alguma coisa que pudesse atrair as pessoas para reaquecer o comércio local e retomar a economia", escreveu ainda ele.

Homem de boné vermelho e bermuda jeans observa enquanto a estátua toda embrulhada em plástico é içada por um guindaste, deixando de fora suas patas douradas
A B3 retirou na noite desta terça-feira (23) o "Touro de Ouro" da frente de sua sede, na rua 15 de Novembro - Foto TV Globo/Reprodução

De boas intenções, o touro está cercado.

Segundo seu criador, o artista e arquiteto Rafael Brancatelli, o própósito da obra era fomentar o turismo.

Para Pablo Spyer, sócio da XP e apresentador do programa Minuto Touro de Ouro, que bancou a peça, a ideia era promover a educação financeira e a importância dos investimentos.

A B3, por fim, afirmou em nota que a escultura "homenageia a força e a coragem do brasileiro, além de ser um presente para a cidade de São Paulo, visando à revitalização do centro histórico da cidade".

A própria noção de revitalização é questionável, do ponto de vista de urbanistas como Regina Prosperi Meyer.

Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, com uma longa trajetória de pensar a região central da cidade, Meyer combate o termo, que vê como preconceituoso porque, como afirmou em diferentes ocasiões, o centro é cheio de vida, justamente por sua pluralidade.

Se a região se tornou um espaço residual, defende ela, é porque os despossuídos se apropriaram da brecha deixada pela saída de empresas da área central.

Para Meyer, é mais adequado falar em requalificação. Dar uso ao centro em diferentes horários, com atividades variadas que considerem a diversidade de pessoas que o ocupam, é um dos caminhos para essa requalificação.

Todos sabemos que a atividade comercial, como lembra Benchimol, foi ferida de morte na pandemia. No caso do comércio popular, de rua, como é o do centro, os danos são presumivelmente maiores, dependendo da passagem de pessoas.

Uma estátua dourada, que evoca um símbolo de Nova York —meca e meta de muitos paulistanos—, com certeza atrai a atenção dos passantes. Mas é quase certo que qualquer novidade instagramável o faria.

Porém, se investidores como Benchimol ou Spyer se dispuserem, podem agir de maneira mais duradoura para requalificar o centro.

A XP poderia ter uma sede nas imediações da B3 —curiosamente, motivada pelas benesses do home office, anunciou na pandemia uma nova sede no interior do estado.

Poderiam, também, formar fundos para a manutenção de bens tombados ou não, ou investir diretamente em comércios tradicionais que tenham sido afetados pela crise.

Seguramente, poderiam colocar seu nome nesses locais como apoiadores sem enfrentar problemas com a Lei Cidade Limpa. Arte por arte, o centro está cheio dela, basta saber olhar. Existem passeios guiados que também poderiam ser adotados por marcas.

Por que não um Tour XP Tourinho, mostrando não só a igreja do largo de São Bento, ali do lado, com direito a compras na padaria dos monges e café no Girondino, mas passando também pela Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, cuja fachada é obra do artífice escravizado Joaquim Pinto de Oliveira Tebas (1721-1811)?

No caminho entre uma e outra, dá para comer uma das melhores empadinhas da cidade, na Casa Godinho, e subir ao terraço do belíssimo Martinelli, primeiro arranha-céu da cidade.

Ações menos reluzentes, mas mais perenes, exigem planejamento, mobilização e investimento contínuo. Dão mais trabalho, representam mais custos e exigem uma coragem robusta —taurina, pode-se dizer.

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