Descrição de chapéu Folhajus

Polícia Federal mira blindagem patrimonial de grandes devedores da União

Corporação dará prioridade a apurações que visam identificar ocultação de bens e valores para fuga de obrigações tributárias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

A Polícia Federal traçou como uma de suas prioridades investigações para identificar patrimônio oculto de grandes devedores da União. A investida é fruto de uma estratégia focada em definir os principais crimes e alvos a serem perseguidos.

A dívida ativa com a União é hoje superior a R$ 2,6 trilhões. No ano passado, o governo federal divulgou a estimativa de recuperar cerca de R$ 485 bilhões nos próximos 15 anos.

A ideia da corporação é, em parceria com outros órgãos fiscalizadores, rastrear indícios de blindagem patrimonial: o uso ilícito de uma estrutura para proteger patrimônios.

Dois policiais uniformizados estão ao lado de uma van preta da Polícia Federal, na entrada de um prédio
Operação da Polícia Federal em São Paulo - Zanone Fraissat - 30.set.2021/Folhapress

Dentro da lei, empresas ou pessoas físicas podem lançar mão de mecanismos para proteger bens e direitos de eventuais riscos futuros. Uma estrutura que separe o patrimônio dos proprietários é um exemplo muito comum.

A ferramenta, porém, se torna ilegal se usada para fraudar credores ou impedir o pagamento de obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas.

Uma forma de blindagem patrimonial, termo usado pelos investigadores, é a abertura de CNPJs paralelos, com sócios aparentes, para receber bens e valores de empresas devedoras.

Os crimes fazendários são responsabilidade de área vinculada à Dicor (Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção).

Caso relevante de abordagem nessa seara, apontou à Folha um integrante do comando da PF, foi a ação que mirou grupo empresarial de Pernambuco acusado de dever mais de R$ 8,6 bilhões em tributos aos cofres públicos, além de R$ 55 milhões em passivos trabalhistas.

A Operação Background, deflagrada em 2021 contra o Grupo João Santos, é considerada pela cúpula da corporação um modelo a ser reproduzido em todo o país.

O trabalho, segundo a PF, resultou na apreensão e sequestro de bens e valores que somados superam R$ 1 bilhão.

A pesquisa levantou 216 imóveis e 1.300 automóveis vinculados aos investigados. Carros de luxo, embarcações, obras de arte, joias e relógios foram apreendidos.

O advogado Taney Farias, responsável pela defesa do Grupo João Santos, afirmou que as empresas investigadas negociam com a União uma solução para o passivo fiscal federal e que tal providência já vinha sendo tomada antes mesmo da ação policial.

"Tanto que, de 2018 a 2021, mais de R$ 300 milhões foram pagos só de [obrigações] trabalhistas", afirmou Farias, em nota enviada à reportagem.

De acordo com ele, os diretores das empresas investigadas estranharam a deflagração da operação sem pedido de esclarecimento anterior e que, desde então, a posição do grupo tem sido a de demonstrar a inexistência de crimes com a juntada de documentos e depoimentos.

Relatório inédito da apuração obtido pela Folha mostra como os policiais destrincharam o emaranhado de conexões societárias criado, segundo eles, para esconder imóveis e dinheiro do conglomerado pernambucano e de seus sócios.

Dono da Cimento Nassau e que chegou a englobar quase 50 empresas, o grupo foi alvo de mandados de busca e apreensão em Pernambuco, São Paulo, Amazonas e no Distrito Federal.

A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) atuou em parceria com a polícia e levantou suspeitas de que o grupo estaria por trás de irregularidades para escapar do Fisco.

A Divisão de Acompanhamento de Grandes Devedores da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional em Pernambuco apontou indícios de fraudes à execução de dívidas e "circulação milionária de recursos financeiros entre empresas da rede societária sem justificativa econômica".

De acordo com o relatório policial, o grupo e seus responsáveis praticaram crimes de apropriação indébita tributária, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e fraudes a execuções trabalhistas, "tudo isso de forma estruturada e com divisão de tarefas (organização criminosa)".

Em 2017, com os negócios em declínio e após perder uma causa trabalhista, segundo os autos da apuração, alguns bens do grupo foram bloqueados pela Justiça e leiloados. Porém, não em valor suficiente para a quitação integral de dívidas com funcionários.

A partir de então, afirmaram os policiais, os sócios promoveram o esvaziamento patrimonial para escapar das obrigações não só trabalhistas, mas também com o Fisco, bancos e fornecedores.

Para isso, apontou o inquérito, empresas do grupo e seus responsáveis recorreram a pagamentos de pró-labores milionários, saques vultosos em espécie, superfaturamento de importações e transações fictícias superfaturadas.

Quanto à blindagem patrimonial, a apuração apontou que uma série de empresas paralelas ao conglomerado foi criada com a utilização de familiares e laranjas como sócios.

No total, a polícia apontou o envolvimento de 104 pessoas físicas (39) e jurídicas (65), alvo dos mandados de busca e apreensão autorizados pela Justiça Federal. Uma única empresa contava com 89 filiais.

Segundo a PF, algumas filiais eram sediadas no mesmo endereço das matrizes e sem indícios de atividade empresarial e laboral. Portanto, "outro canal para pulverização de bens e valores".

"A dinâmica é complexa. Os sócios proprietários estabelecem diversas pessoas jurídicas e estas com diversas filiais", segundo trecho do relatório.

O documento apontou que contas bancárias abertas em nome de filiais foram usadas para a realização de operações de câmbio com o objetivo de fazer remessa de valores a paraísos fiscais.

"A maioria das contas bancárias utilizadas para as operações de câmbio são titularizadas por filiais das empresas do Grupo João Santos e apresentam como representantes apenas funcionários do conglomerado", afirmou a PF.

"Muitas dessas filiais apresentam como sede locais que servem de sede para outras empresas, indicando que são empresas criadas apenas para a abertura de contas bancárias para os fins de remessa de valores."

O cerco policial a empresas com passivo tributário ganhou um reforço no final de 2019 quando o STF (Supremo Tribunal Federal), ao julgar um caso pontual, entendeu que o não recolhimento intencional de ICMS poderia ser enquadrado como crime de sonegação fiscal.

Antes, para a configuração do delito, era preciso apontar fraudes específicas, como fornecer dados falsos ou omitir informações ao Fisco.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.