Pizza consome mais a renda das periferias de São Paulo

Pesquisa mostra quanto o item pesa no bolso de cada bairro da capital paulista

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Jessica Bernardo Cleberson Santos
São Paulo | Agência Mural

A pizza de mozarela mais barata de São Paulo é encontrada no Capão Redondo. Em média, ela sai no bairro da zona sul por R$ 27 —mas isso não quer dizer que ela é barata para quem mora na região.

É o que mostra o "Índice Mozarela", que calcula quanto a pizza consome da renda familiar. O levantamento, feito por pesquisadores da Fatec Sebrae com 2.715 pizzarias, comparou o preço médio da opção de mozarela nos 96 distritos de São Paulo e cruzou com a renda média dos moradores.

José da Silva Santos, 48, pizzaiolo e dono da Pizzaria PMJ, prepara uma pizza na cozinha de seu restaurante - Mathilde Missioneiro - 2.fev.2022/Folhapress

Segundo o índice, apesar de as periferias terem o menor preço nos cardápios, as pizzas consomem uma fatia maior da renda das famílias do que nos bairros nobres da cidade.

A diferença no poder de compra entre os distritos é de 170%.​

Levando-se em conta o Índice Mozarela de cada região, a pizza mais em conta deixa de ser a do Capão Redondo e passa a ser a da Vila Sônia, que consome 0,44% da renda dos moradores. Na região, a renda média é de R$ 8.028 e o preço da opção mais simples do cardápio é de R$ 35,6.

Já no Capão, a pizza de mozarela abocanha 0,7% da renda familiar e sai proporcionalmente mais cara para as famílias —renda média de R$ 3.855 e gasto de R$ 27.

Para o motoboy Fábio Alcantara, 33, as opções disponíveis na região não deixam a desejar quando comparadas às de outros bairros da cidade. "É uma pizza boa e, quanto mais recheada, melhor."

As pizzas mais caras da cidade, em termos absolutos, estão no Jardim Paulista (preço médio de R$ 59,2), Consolação (R$ 54,6) e Vila Andrade (R$ 54) —regiões onde a renda média varia de R$ 8.000 a R$ 10 mil.

"Quanto mais rico se fica, menos se paga proporcionalmente", explica Rodolfo Ribeiro, doutor em administração e um dos coordenadores da pesquisa.

Em toda a cidade, a pizza mais cara proporcionalmente é a de Perus, na zona norte. No bairro, uma pizza representa 1,20% da renda familiar.

O analista de mercado Diego Acedo, 32, mora na região e lança uma hipótese para o peso da pizza no bolso: a dificuldade de acesso.

Como o distrito fica geograficamente mais afastado dos demais bairros, os entregadores de outros lugares não chegam até o local. "O cara tem que vir pelo Rodoanel. Se ele vem de Caieiras, que é a cidade mais próxima, ele tem que vir pela estrada. É mais difícil comer opções de fora do bairro", diz.

Em outras regiões, pizzarias de um bairro acabam atendendo também a vizinhança. É o caso, por exemplo, da pizzaria PMJ, no Jardim São Luís, zona sul da capital, que faz delivery para bairros como Campo Limpo e Morumbi.

"Muitos clientes são aqui da região, mas muitos são de fora também. A gente entrega na estrada de Itapecerica, na Giovanni Gronchi", conta o dono do espaço, José da Silva Santos, 48, citando algumas das principais vias dos bairros vizinhos.

O preço da pizza de mozarela, que sai por R$ 32 na PMJ, aumenta para os clientes de outras localidades, que precisam pagar uma taxa maior de entrega.

Mesmo assim, as pizzas cruzam até 9 km para encontrar consumidores fiéis já na altura do Estádio do Morumbi.

"Quando a gente entrega uma pizza na [avenida] Giovanni Gronchi, a gente cobra uma taxa de entrega bem mais alta porque a distância é maior. E o cliente não reclama, porque ele já sabe que é uma pizza com qualidade. Até porque é um bairro de uma classe um pouquinho mais alta."

O programador Daniel Douglas, 25, é um dos clientes da PMJ. Hoje morador da Vila Andrade, onde a renda média das famílias é de R$ 8.025, ele conheceu a pizzaria quando morava no Jardim São Luís e segue até hoje comprando a opção do bairro antigo.

Ele conta que logo que se mudou percebeu a diferença no valor cobrado na região. "A gente pagava R$ 25 [no Jardim São Luís] e quando a gente se mudou era R$ 60 [o preço]".

Inflação pressiona donos de pizzarias

O dono do restaurante, que está aberto há 15 anos, explica que a crise econômica fez com que os valores subissem nos últimos tempos. "Não tem como você pagar R$ 30 no quilo da mozarela e cobrar menos de R$ 30 na pizza. Há uns dois anos eu estava cobrando R$ 26,90."

Mesmo com os ajustes no cardápio, ele diz que não consegue cobrar muito além do que cobra hoje. "A gente tem que cobrar desse valor para baixo. Se a gente cobrar mais, o pessoal vai reclamar do preço." Recentemente, José conta que precisou demitir dois funcionários e hoje é o único pizzaiolo do restaurante.

Dono de uma pizzaria no Jardim Jangadeiro, na região do Capão Redondo, Alex Garcia, 40, também precisou mexer nos preços para equilibrar as contas. "Infelizmente tivemos que acompanhar um pouco [a alta dos ingredientes], se não o orçamento não equilibra".

Ele comanda a Pizzaria Família Tony junto com o pai. O estabelecimento está aberto há quase 22 anos e hoje conta com aplicativo próprio para atender os clientes. A pizza de mozarela sai por R$ 38.

"Nossa empresa é legalizada, pago todos os impostos e tenho oito funcionários registrados, com direitos devidos também. Você não cobra só o produto que vai nela, você cobra o agregado, em um todo", afirma Alex.

Na zona leste, a pizza vendida em distritos como São Lucas e Guaianases também pesa para a renda familiar dos moradores. O Índice Mozarela em São Lucas é o quarto maior da cidade: 1,02%. Em Guaianases, o percentual é de 0,99%.

Moradora de São Lucas, a pedagoga Kelly Nascimento, 45, pede pizza de uma a duas vezes por mês. Ela conta que notou uma mudança no valor dos produtos com a crise.

"Percebi um pequeno aumento nos dois últimos meses, mas, mesmo assim, o valor ainda é menor do que as demais pizzarias." Por lá, o produto sai por R$ 36,9.

Se o valor pago na pizza em São Lucas consumisse a mesma proporção da renda familiar que da Vila Sônia, onde o Índice Mozarela é de 0,44%, Kelly e a família pagariam R$ 15,92, menos da metade do valor atual.

E se quem vive na Vila Sônia pagasse proporcionalmente o mesmo que os moradores de São Lucas pagam, o valor final da pizza no bairro subiria de R$ 35,6 para R$ 82,53.

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