Rede D'Or e SulAmérica vão trocar informações sobre usuários, mas há limites éticos

Estrutura verticalizada busca reduzir custos, como fez Prevent Senior, alvo da CPI da Covid

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São Paulo

A compra do terceiro maior plano de saúde do país, em receita, pela maior rede privada de hospitais do Brasil movimentou o mercado de saúde suplementar. O anúncio da aquisição da SulAmérica pela Rede D’Or, feito nesta quarta-feira (23), aprofunda a tendência de verticalização no setor de saúde no Brasil: quando instituições passam a ser donas de todas as frentes de atendimento médico, como clínicas, laboratórios e hospitais.

No caso da Rede D’Or, a empresa já tinha acumulado 16 aquisições só em 2021, com um investimento de cerca de R$ 3 bilhões, especialmente em hospitais. Mas agora, com a SulAmérica –que soma cerca de 4,4 milhões de clientes, entre usuários de planos de saúde e odontológicos –, ela desembarca de vez no mercado de planos de saúde, tendo acesso direto ao público que até hoje frequentou seus hospitais e clínicas oncológicas por meio de outros planos.

A Rede D’Or já é a principal acionista da Qualicorp, maior administradora de planos de saúde por adesão, que nos últimos anos construiu uma plataforma de planos que reúne mais de cem operadoras. Cerca de 230 mil planos de saúde da SulAmérica, por sua vez, são da modalidade adesão (que atendem categorias profissionais e são contratados por meio de sindicatos ou associações, por exemplo).

placa cinza em que se lê D'Or em dourado e azul
Placa da Rede D'Or São Luiz em frente a hospital da companhia. - REUTERS/Ricardo Moraes

"Até agora, as movimentações da Rede D’Or estavam mais voltadas para a compra de pequenos hospitais para ampliar a sua rede de atendimento. Mas com a SulAmérica e a Qualicorp, a empresa passa a focar também na ampliação dos serviços e se torna mais competitiva frente a outras do setor, como a fusão entre Grupo Notre Dame Intermédica (GNDI) e a Hapvida", diz Fernanda Rodrigues, analista da Lafis Consultoria.

Em um mercado como o brasileiro, que vai ficando cada vez mais velho, com alta na expectativa de vida da população, os custos dos planos de saúde aumentam: os usuários mais jovens, que em tese usam menos o plano e "pagam a conta" dos usuários idosos, vão diminuindo em proporção. Para equilibrar o orçamento, os planos precisam economizar em todas as frentes. Pagar menos por consultas e exames é uma delas.

Em uma estrutura verticalizada, o plano pode controlar a ‘canetada’ do médico, no que se refere à quantidade de exames solicitados por clínicas e especialistas. O hospital, por sua vez, pode controlar o número de internações ou tratamentos solicitados pela rede credenciada.

"A partir do compartilhamento de informações, com a integração da base de clientes, é possível oferecer serviços personalizados, o que é uma tendência no setor de saúde", diz Fernanda. "Ao prestar atendimento adequado às necessidades de cada usuário, o prestador pode atuar de forma preventiva e mais eficiente, o que gera redução de custos hospitalares, por exemplo."

Embora os especialistas indiquem que a consolidação do setor, a partir de fusões e aquisições, e a verticalização dos serviços aumentem a competitividade das empresas, a prática precisa ser acompanhada de perto por órgãos reguladores, especialmente a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), como mostrou o episódio recente da Prevent Senior, porque há limites éticos neste compartilhamento de informação.

Com foco no público idoso, a Prevent Senior protagonizou um dos maiores escândalos apontados pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid no ano passado. A empresa ganhou espaço com a venda de planos a preços competitivos (mensalidades a R$ 800). Mas viu sua imagem desmoronar com as denúncias de administração do "kit Covid" (remédios sem eficácia comprovada para controle da doença) nos pacientes, sem consentimento das famílias, além de fraudes nos registros de óbitos.

fachada de prédio espelhado onde se lê Prevent Senior em cinza
Fachada de hospital da Prevent Senior, em São Paulo. - Amanda Perobelli/REUTERS

A CPI entendeu que em uma estrutura verticalizada, que controla todo o processo, a transparência das operações se torna mais difícil: no caso da Prevent, a busca por reduzir custos a partir do menor tempo de internação, por exemplo, esteve à frente do bem-estar do usuário.

Fernanda Rodrigues destaca que, pelo comunicado enviado ao mercado nesta quarta, Rede D’Or e SulAmérica seguem independentes. "Deve haver mais uma sinergia dos serviços, do que uma mudança estrutural nas empresas", afirma.

"A Rede D’Or deve acessar a base de atendimento da SulAmérica, não só para ampliar sua receita, mas para conhecer o mercado de planos de saúde. Mas ela vai manter a relação comercial com as demais operadoras, que fazem uso da sua rede de hospitais."

Para Denis Morante, sócio-diretor da Fortezza Partners, consultoria de investimentos especializada em fusões e aquisições, a transação praticamente anula a possibilidade de a Rede D’Or vir a comprar a carteira de planos empresariais da Amil, como estava sendo especulado pelo mercado. A carteira de planos individuais e familiares da Amil, por sua vez, estava sendo negociada para a Fiord Capital –mas a operação foi suspensa pela ANS.

"Fico curioso para saber qual será a avaliação do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] a respeito da operação, porque o grupo terá um pedaço importante do mercado, além da maior rede hospitalar do país", diz ele. "Acredito que para os planos de saúde de menor parte será cada vez mais desafiador se manter no páreo", afirma o consultor, ressaltando que a operação deve gerar muito valor para os acionistas.

Os dez maiores planos de saúde do Brasil em receita

Levantamento da Lafis Consultoria

  1. Bradesco Saúde

  2. Amil

  3. SulAmérica

  4. Grupo Notre Dame Intermédica (GNDI)

  5. Hapvida

  6. Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil

  7. Central Nacional Unimed

  8. Prevent Senior

  9. Unimed Belo Horizonte

  10. Geap

No pregão desta quinta-feira (24), as ações da SulAmérica dispararam com a maior alta do dia, enquanto as da Rede D’Or registraram a segunda maior queda, depois de Qualicorp. SulAmérica encerrou a R$ 35,64, com alta de 15,19%, enquanto Qualicorp caiu 14,77%, para R$ 13,85, e Rede D’Or recuou 7,66%, para R$ 51,25.

A queda nas ações da Qualicorp pode ser explicada a partir da resolução normativa da ANS, que determina que administradores de benefícios e operadoras de planos de saúde não podem fazer parte do mesmo grupo. Mas como a Rede D'Or é minoritária na Qualicorp (ainda que seja a maior acionista), não se sabe qual será a posição da agência a respeito.

"Para a SulAmérica, o negócio com uma rede renomada como a Rede D'Or dá mais atratividade aos seus planos de saúde, além de potencialmente reduzir sua sinistralidade", diz o analista Leo Monteiro, da Ativa Investimentos.

Já os analistas Rafael Barros e Larissa Pérez, da XP Investimentos, afirmam que a aquisição permitirá à Rede D’Or ampliar sua presença em toda a cadeia de valor da saúde, podendo atuar de forma mais integrada, oferecer novos produtos e aumentar o número de planos de saúde.

"No entanto, vemos um alto risco de que esse negócio prejudique o relacionamento com as demais operadoras de planos de saúde responsáveis pela maior parte das receitas da Rede D’Or", afirmam.

Em relatório, os analistas Eduardo Nishio, Guilherme Vianna e Bruno Bandiera, da Genial Investimentos, afirmam que, "para a SulAmérica, a transação acelera em muito sua estratégia de crescimento inorgânico que a seguradora havia ficado para trás na disputa da consolidação do setor". Segundo eles, com pequenas aquisições, a empresa iria demorar para ganhar corpo –em dezembro, a SulAmérica havia anunciado a compra da Sompo. Para eles, o conglomerado Rede D’Or-SulAmérica tem tamanho mais que suficiente para fazer frente ao novo grupo Hapvida-GNDI.

"Resta ainda a Amil, que se concluída a venda dos deficitários planos individuais, pode ser a próxima joia da vez nesse processo de consolidação que vem transformando o setor se saúde no Brasil", afirmam.

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