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Rever Lei das Estatais é retrocesso no combate à corrupção, diz IBGC

Legislação reduziu risco de captura das estatais por interesses político-partidários, diz instituto de governança corporativa

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São Paulo

​As idas e vindas nas indicações para a diretoria da Petrobras nos últimos dias tendem a provocar um aumento na percepção de risco dos investidores acerca dos rumos que serão dados à empresa em um ano eleitoral.

Se uma deterioração aguda nas perspectivas para o negócio não ocorreu, isso se deve, na avaliação de especialistas, aos aprimoramentos na governança da empresa trazidos especialmente pela Lei das Estatais.

Na terça-feira (5), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu a revisão da Lei das Estatais, após o empresário Adriano Pires desistir de assumir a presidência da petrolífera.

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Logo da Petrobras em tanques de armazenamento na refinaria de Paulínia (SP) - Paulo Whitaker - 1.jul.2017/Reuters

Ingerência política nas indicações

Segundo Pedro Melo, diretor-geral do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), a Lei das Estatais, que entrou em vigor em 2016, representa um marco na evolução das práticas de governança de empresas públicas e sociedades de economia mista.

Um dos maiores avanços da legislação, diz Melo, foi reduzir o risco de captura da empresa estatal por interesses político-partidários, fator responsável por casos notórios de corrupção, de ineficiência de alocação de recursos públicos e de atendimento a objetivos eleitorais e pessoais, em detrimento dos objetivos da companhia.

Após declarações que defendem a revisão na lei, o IBGC diz que não se devem admitir pressões por alterações de requisitos e vedações legais para facilitar a indicação de pessoas com atuação político-partidária ou em conflito de interesses para cargos da administração e do conselho fiscal de empresas regidas pela Lei 13.303/2016.

"Além de ir na contramão das boas práticas, tal flexibilização resultaria em retrocesso na governança das empresas públicas e sociedades de economia mista brasileiras e na agenda de integridade e de combate à corrupção".

Na noite de quarta (6), o Ministério das Minas e Energia apresentou os nomes de José Mauro Ferreira Coelho para presidir a Petrobras e de Márcio Andrade Weber para comandar o Conselho de Administração da estatal.

Caminho para a OCDE

O diretor do IBGC lembra que o artigo 17 da Lei das Estatais estabelece requisitos e vedações para a ocupação dos cargos de membros do conselho de administração, da diretoria e do conselho fiscal. Esses requisitos, acrescenta, elevam a qualificação necessária para a ocupação desses cargos e mitigam o risco de conflito de interesses entre a companhia e os profissionais contratados.

"A Lei das Estatais foi reconhecida internacionalmente, sendo um dos pilares essenciais para o credenciamento do Brasil na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]", diz Melo.

Uma fonte próxima a investidores minoritários estrangeiros que prefere não se identificar diz que o risco de ingerência política não afeta somente a visão do mercado em relação à Petrobras, mas tem um impacto mais amplo sobre a percepção quanto à segurança institucional para fazer negócios no país.

Com as trocas no comando da empresa e o vai e vem de indicados, a mensagem que se passa para os bolsos internacionais, diz essa fonte, é a de uma desorganização e de um distanciamento em relação à base de investidores.

Lucro aos acionistas x preocupação social

Segundo Augusto Sales, professor da FGV Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas), quando se discute o tema da governança de uma forma mais ampla no mercado brasileiro, um questionamento cada vez mais recorrente diz respeito a qual o objetivo final que uma empresa deve perseguir.

"O foco deve ser mais restrito a maximizar o lucro ao acionista? Ou, além da geração de lucro, focar outros elementos relevantes para a sociedade de forma mais ampla? É uma discussão em voga não só no setor público, mas também no privado, com o avanço das discussões sobre investimentos responsáveis sob uma ótica social, ambiental e de governança", diz o professor da FGV Ebape.

Na avaliação do especialista, existe espaço inclusive previsto no estatuto da empresa para que a atuação no mercado não seja focada exclusivamente em gerar retorno aos acionistas, tendo também uma preocupação social. "O que não pode acontecer é o Estado abusar desse papel. É preciso que o direcionamento esteja dentro da estratégia de negócio da empresa", afirma Sales.

Para Sérgio Lazzarini, professor do Insper, o debate sobre o papel social de uma estatal do porte da Petrobras é legítimo. Mesmo porque, se o objetivo for unicamente o lucro, a privatização pode ser mesmo o melhor caminho, diz o especialista.

"O que o Executivo tem de fazer é não entrar em um auto-engano, de achar que dá para coexistir uma Petrobras financeiramente saudável que também controle os preços da gasolina. Isso não existe", diz o professor do Insper.

Uma saída, afirma, poderia ser por meio de mecanismos de subvenção aos moldes do que foi feito pelo governo Temer, via recursos direcionados do Tesouro, de modo a evitar que a estatal assuma eventual prejuízo. "O legislador precisa saber que não tem almoço grátis", afirma Lazzarini.

Segundo ele, parece haver certa "falta de entendimento" dos políticos em Brasília de uma forma geral sobre qual o papel a ser exercido por uma estatal dentro da economia do país sob a ótica das melhores práticas de governança.

As declarações do deputado Arthur Lira sobre revisitar a Lei das Estatais são "bastante preocupantes, até porque é ela quem está ajudando a evitar interferências mais descaradas", diz Lazzarini.

Caminhos para blindar as estatais de interferências externas

Para o professor da FGV Ebape, uma saída para preservar a independência da Petrobras de interferências políticas poderia ocorrer se o conselho de administração assumisse mais liderança na escolha dos novos indicados.

"O processo de sucessão não deveria ser algo polêmico ou chamar a atenção, deveria ser natural como acontece em várias outras organizações. Até porque, quando se têm incertezas relacionadas a uma organização, aumenta a percepção de risco do mercado", diz Sales, acrescentando que, assim como foi aprovada a independência do BC (Banco Central), deveriam também as estatais terem a mesma prerrogativa de adotar as estratégias que entenderem as mais adequadas a depender da conjuntura econômica de momento.

"Vale o registro de que mesmo havendo previsões estabelecidas [no estatuto da Petrobras] de eventual uso das empresas para atendimento a interesses públicos, esse caminho aumenta consideravelmente a percepção de risco do mercado e compromete planos de investimento previstos. Nessas situações, no entanto, a União não pode se esquivar de sua responsabilidade, como acionista controladora, de ressarcir todos os prejuízos que serão suportados pela companhia", diz posicionamento divulgado no mês passado pela Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais).

De toda forma, apesar das mudanças recentes conduzidas pelo governo Bolsonaro de maneira atabalhoada, analistas de mercado avaliam que a nova diretoria da Petrobras não deve promover alterações na política de preços da companhia.

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