Brasil precisa de mais polos industriais, diz CEO do grupo Stellantis

Empresa representa as marcas Citroën, Fiat, Jeep e Peugeot no país

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Ribeirão Preto

No fim de abril, Antonio Filosa dedicou um dia inteiro de sua agenda à Agrishow, feira realizada em Ribeirão Preto (interior de São Paulo). O presidente do grupo Stellantis na América do Sul disse que o agronegócio representa 20% de tudo o que a empresa fatura no país.

A conta feita pelo executivo inclui, por exemplo, os veículos usados por veterinários no atendimento à pecuária e as picapes RAM de R$ 500 mil que são símbolo de status no Brasil profundo. A empresa representa ainda as marcas Citroën, Fiat, Jeep e Peugeot no Brasil.

rosto de homem branco de cabelos pretos e terno escuro
Antonio Filosa, presidente do grupo Stellantis, quando ocupava o posto de diretor de operações da Fiat Chrysler na América Latina, durante entrevista em São Paulo - Paulo Whitaker - 25.jun.2018/Reuters

Mas a prosperidade do campo não é suficiente para a sobrevivência da indústria automotiva nacional. O italiano Filosa busca liderar um movimento de descentralização dos negócios, com a criação de novos polos industriais para além do Sudeste.

Em entrevista à Folha, o executivo italiano fala ainda sobre lançamentos futuros —a Stellantis vai investir no etanol combinado à eletricidade— e do que espera do Brasil após as eleições.

Ao mesmo tempo que a indústria automotiva projeta crescimento, as vendas neste ano ainda não decolaram e o fornecimento de peças continua problemático. O que se espera para o segundo semestre? Havia uma visão do gargalo técnico, que era a capacidade das fabricantes de semicondutores, e esperava-se uma solução no segundo semestre. Mas surgiram fatos novos, como a guerra, infelizmente, e a nova onda de Covid-19 em Xangai. A melhoria vai acontecer, sou otimista e vejo sinais em médio prazo e para 2023. Mas esses fatos novos não estavam no radar de ninguém.

Para o grupo Stellantis, que reúne muitas marcas, é mais fácil ou mais difícil lidar com a escassez de componentes? A dificuldade é igual para todos, não é uma questão de ter muitas marcas. O problema maior é na oferta de semicondutores. Investimentos para dobrar ou até triplicar a capacidade de produção desses itens já foram aprovados e estão em implementação. Temos alguns atrasos, que acho gerenciáveis, surgidos pela crise humanitária devido à guerra e pela crise sanitária que parou Xangai e demais portos chineses, mas nada que seja estrutural.

Mas não houve o aprendizado de que seria importante para a indústria localizar mais a produção de componentes na América do Sul? Existem iniciativas nesse sentido. Quanto mais localizado é melhor para a indústria automotiva e para o país, e não falo apenas de semicondutores. O Brasil precisa de uma indústria forte e, o quanto possível, descentralizada.

Eu sou quase mineiro, e os mineiros falam que todos os ovos não podem ficar em uma mesma cesta. Atrair investimentos no território brasileiro, essa é a primeira preocupação. A segunda é encontrar possibilidades de descentralização. País rico é aquele que tem um portfólio de investimentos que se ocupa de se instalar em vários lugares, isso gera polos.

O complexo industrial de Goiana (PE) é um exemplo disso. Exato. Nós trouxemos o parque industrial de Pernambuco, a rede viária melhorou. É claro que não chegou ao ponto que a gente queria, mas já se vê um pulo. Houve melhora nos níveis de educação e de saúde, redução da criminalidade.

Essa localização é um dever da indústria, e o governo, junto com essa indústria, deveria trabalhar na atração de investimentos produtivos e na possibilidade de os descentralizar.

O senhor sente falta de uma política de industrialização no Brasil? A Anfavea sempre menciona que deveria haver um "Plano Indústria" como há, por exemplo, o Plano Safra. Acho que temos, do lado do Ministério da Economia liderado pelo Paulo Guedes, uma interface muito produtiva. Acredito que, com todas as dificuldades que tivemos nos últimos anos, com pandemia, crise econômica e inflação, o governo trabalhou bem no agronegócio e começou a adentrar no setor industrial.

No pior momento da pandemia, o problema principal para todos nós era o custo fixo, porque fecharam-se as fábricas, mas continuamos pagando os funcionários, a conta da energia, a conta da segurança patrimonial. Havia duas saídas: ou mandar embora um monte de pessoas ou se chegar a uma solução a quatro mãos, empresas e governo. Então houve a Medida Provisória 936, que nos ajudou a encarar a forte oneração do setor esperando tempos melhores.

Mas o passo que deve ser dado é criar condições para a indústria ser competitiva sempre. A melhora da infraestrutura e a reforma tributária são fundamentais para isso acontecer.

Para mim, a política industrial deveria, mais do que tudo, ter como objetivo a recuperação da competitividade. Ninguém gosta de investir em uma economia em que a carga tributária deteriora 50%, 60% de suas possibilidades diretas. Nós não, mas muitos tem dúvidas em investir em um país com dimensões tão grandes quanto as do Brasil e com uma infraestrutura tão baixa. Porque é a infraestrutura que faz você chegar a qualquer lugar.

E, se há a possibilidade de melhorar o acesso a diferentes regiões, ganha-se poder de negociação e de obtenção de incentivos, certo? E poder de compra. Hoje o mercado automobilístico é 66% Sudeste. A pergunta é: a população do Norte e do Nordeste tem menos desejo de comprar um carro? Não. Mas tem menos acesso à compra.

Se você aumenta a renda, aumenta a demanda não só de automóveis, mas de qualquer coisa que não seja básica. A descentralização da indústria automotiva carrega cadeias de valores amplas, com muitos fornecedores, e qualificação do trabalho, com salários maiores.

O que falta no Brasil é essa isonomia estrutural, fazer de forma que o PIB chegue mais igualmente às pessoas e aos territórios.

Em um passado recente, a indústria automotiva chegou a pensar que a globalização era o único caminho. Mas hoje vemos que é importante ter produtos voltados para mercados locais. Como o grupo Stellantis vê esse momento? O Brasil tem uma chance que nenhum outro país tem, talvez com exceções de Índia e Estados Unidos: apostar suas fichas em diferentes soluções. Lá atrás, e estou falando de 100 anos, os volumes da indústria automobilística eram de 6 ou 7 milhões de carros por ano no mundo. Com essa escala reduzida, não havia tanta opção de tecnologia de powertrain. Foi escolhida a combustão fóssil, com derivados do petróleo.

Agora estamos em uma fase pós-Covid, mas ainda essa indústria terá entre 90 milhões e 100 milhões de carros no mundo, seria louco limitar uma escala tão enorme para uma só opção de propulsão. A eletrificação vai vingar mundialmente? Claro que vai. Vai vingar no Brasil? Claro que vai. Mas é a única opção? Não.

O que o Brasil tem é o etanol. Do plantio até a roda, a equação de descarbonização é muito parecida com a dos veículos elétricos. E a grande vantagem é estar em todos os postos de combustível. É uma solução muito competitiva, porque custa pouco. Em um carro elétrico, o custo das baterias pode onerar o veículo em até 15 mil euros [R$ 79 mil].

Para o Brasil, as jogadas são a eletrificação, que vai ampliar seus volumes, o etanol e também a combinação desse etanol a motores elétricos, com localização dessas tecnologias. É um ciclo virtuoso que o país pode encarar.

O senhor está falando de um sistema híbrido a etanol. E seria apenas a etanol? Acho perfeito, mas também teríamos o 100% elétrico, o híbrido plugin [que pode ser recarregado na tomada].

Quando chegaria o híbrido a etanol? Precisamos localizar essas tecnologias, então estamos falando de um ciclo que pode começar por volta de 2025. É preciso negociar com acionistas os investimentos.

A indústria sempre precisa trabalhar pensando nos passos futuros, mas estamos em um ano de eleição, que deve ser acirrada. A Stellantis já iniciou as conversas com os candidatos? Não, nós temos representantes na Anfavea, que agora está passando por uma mudança de mandato, do Luiz Carlos Moraes para o nosso colega Márcio de Lima Leite.

O fato de o novo presidente da entidade ser da Stellantis facilita em alguma coisa? É sempre mais fácil para tomarmos um café juntos (risos). Mas não, o Márcio é um jurista, sabe muito bem qual é o papel institucional e qual é o papel corporativo.

Sem considerar quem será eleito, o que o senhor espera do próximo mandato presidencial? Acho que tem muita coisa boa que foi realizada em meio a um tsunami de dificuldades nos últimos quatro anos tanto pelo poder político como pelo poder das empresas privadas. O próximo governo, seja o atual ou um diferente, deveria encarar a indústria como uma chance de atrair mais investimentos, trazer desenvolvimento qualificado e descentralizado, o que, para mim, deve ser quase um mantra.

Se todo mundo se queixa, corretamente, da desigualdade social entre territórios do país, qual é o remédio? Seguramente não se pode manter a distribuição de renda eternamente. É um bom paliativo, pode acompanhar a história do país durante décadas, mas o que vai ficar é a indústria e o agronegócio, é a produção. E quanto mais ampla é a cadeia de valor que aquele investimento está atraindo, melhor.

Se o próximo governo colocar [esses pontos] como prioridades, o país tem muito a ganhar.

A Stellantis prepara um novo ciclo de investimentos no país? Já temos uma previsão a aprovar com os nossos acionistas para os próximos quatro ou cinco anos. Teremos 16 novos produtos, e sete serão híbridos ou elétricos. É um plano que passa por uma série de aprovações, e todos olham para o Brasil com otimismo.


RAIO-X

Antonio Filosa, 48
Presidente do grupo Stellantis na América do Sul, é formado pelo Instituto Politécnico de Milão e entrou no grupo Fiat em 1999, onde passou por áreas como manufatura, compras e marketing em diferentes países

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