'Brasil sempre busca soluções ruins para problemas complexos', diz Marcos Mendes

Economista é organizador de coletânea em que especialistas discutem políticas públicas que fracassaram

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

​Considerado um dos pais do teto de gastos, o economista Marcos Mendes, 57, se diz pessimista com a discussão de temas econômicos durante a eleição, em outubro. "Espero uma discussão a partir de falsos dilemas, como Estado ante iniciativa privada, aumentar gastos ou não. Mais importante seria olhar a qualidade dos gastos"​, diz Mendes, que também é professor do Insper e colunista da Folha.

Ele é organizador do livro "Para Não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil", uma parceria do Insper com a Fundação Brava em que especialistas fazem um balanço de medidas implementadas nos últimos anos e que fracassaram.

O volume reúne as análises de especialistas como Bráulio Borges e Samuel Pessôa (ambos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Bernard Appy (Centro de Cidadania Fiscal) e Simon Schwartzman (ex-presidente do IBGE).

O colunista Marcos Mendes, pesquisador do Insper
O colunista Marcos Mendes, pesquisador do Insper - Pedro Ladeira - 25.out.19/Folhapress

Como evitar erros de políticas econômicas que levaram a períodos curtos de crescimento? Crescimento, a longo prazo, se faz criando um sistema econômico e institucional que viabilize o aumento da produtividade. O objetivo é fazer mais e melhor com a mão de obra e os equipamentos disponíveis e facilitar o acesso às novas tecnologias. Só que as medidas necessárias para melhorar a produtividade conflitam com interesses e necessidades de curto prazo. Abrir a economia é um exemplo disso: a curto prazo, significa fechamento de empresas que só são viáveis quando o país é mais fechado.

O crescimento não pode ser estimulado por meio de políticas do governo? Muita gente acredita que dá para crescer por meio da indução do governo, que isso vira aumento de consumo e investimento, mas essa política se mostrou fracassada no Brasil e no mundo. No fim, ela fomenta interesses de grupos específicos que pressionam por políticas favoráveis a eles, mas que geram custos para a sociedade.

Desde o começo da pandemia, os governos têm aumentado gastos para compensar as perdas. Não foi a medida correta? É plenamente justificável aumentar o gasto do governo quando há uma recessão muito forte. O remédio tradicional é expandir gastos durante um curto período de tempo. Mas isso é diferente de dizer que o governo tem de gastar sempre, que é o que prevalece no Brasil e só serve para gerar mais inflação e dívida.

Os erros cometidos no passado, que os economistas apontam no livro, se deram mais por investimentos públicos equivocados do que por falta de dinheiro? Não saber onde colocar o dinheiro é mais grave do que não colocar dinheiro algum. Nos últimos anos, o país deu subsídios para um monte de estaleiros que tiveram de fechar, a Sete Brasil foi feita visando as plataformas do pré-sal e virou sucata. Tudo isso é negativo para o crescimento de longo prazo. O setor privado é mais capaz de alocar investimentos, ele tem uma série de filtros que servem para analisar se um projeto é viável. O governo achar que deve entrar em um setor pois a iniciativa privada não entra é uma ilusão.

Com inflação e desemprego elevados, a economia deve ser um dos temas mais importantes da eleição, em outubro. Há alguma chance de que a discussão não seja superficial? Creio que nenhuma. Espero uma discussão a partir de falsos dilemas, como Estado ante iniciativa privada, aumentar gastos ou não. Mais importante seria olhar a qualidade dos gastos. Mas a campanha, assim como as anteriores, deve se voltar para interesses de eleitores específicos. O Brasil tem sempre buscado soluções ruins para problemas complexos. Já se colocou em pauta não permitir reajustes de energia e a intervenção na Petrobras para não aumentar os preços está sempre em discussão.

Mexer na política de paridade de preços de combustíveis seria um erro? Se o preço da gasolina é puxado para baixo, o etanol perde competitividade. Também torna a importação inviável. Agora, o governo deve proteger os vulneráveis e aumentar os programas de transferência de renda para os mais necessitados.

Sendo um dos pais do teto de gastos, como o sr. avalia a política fiscal hoje? Houve uma clara deterioração do processo orçamentário, com o aumento da obrigatoriedade das emendas parlamentares e a força que o governo deu às emendas de relator. E são vários exemplos de como o dinheiro público tem sido gasto de forma inútil.

Outro exemplo, que vocês comentam no livro, foi a tentativa fracassada de criação de um fundo soberano do Brasil? Sim, misturou diagnóstico equivocado e falta de planejamento. Quiseram criar um fundo em um país que não tem dinheiro para poupar. Chegamos a pegar empréstimos para criá-lo —é como usar o cheque especial para colocar dinheiro na poupança.

No livro, medidas como a exigência de conteúdo local na exploração de petróleo são duramente criticadas. Não faz sentido aproveitar uma commodity para desenvolver a indústria? É uma das coisas mais difíceis de explicar ao cidadão, a primeira coisa que vão dizer é: vamos gerar empregos aqui, não na China. Isso soa bem, mas, quando se olha em detalhes, a política era de altos custos, imprevisibilidade e dificuldade logística.

O argumento contrário sugere que essas grandes empresas se tornaram casos de sucesso por contarem com incentivos de seus países de origem. Esses países protegeram e alcançaram bons resultados, mas centenas de outros fizeram o mesmo e não conseguiram. A proteção, em si, não torna um setor eficiente, o sucesso veio associado a investir em capital humano e abrir a economia para ter insumos melhores. A Embraer é das principais importadoras do país, teve liberdade para fazer projetos e contou com os ex-alunos do ITA [Instituto Tecnológico da Aeronáutica].

RAIO-X:
Marcos Mendes, 57
Economista e pesquisador do Insper, também foi assessor do antigo Ministério da Fazenda e autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

Para Não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil

  • Preço Grátis, digital, em Epub (743 págs.)
  • Autor Organização: Marcos Mendes
  • Editora Autografia
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.