Para Guedes, turbulência global é oportunidade para o Brasil

Otimismo do ministro em Davos contrasta com previsões tétricas de governos e instituições

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Davos

O clima no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, com a Guerra na Ucrânia e a crescente inflação, é lúgubre. O ministro Paulo Guedes (Economia), porém, está otimista com a posição do Brasil na crise.

O país, a seu ver, é pouco conectado à cadeia de suprimentos que sofre solavancos planeta afora e ainda tem vantagem por ser grande exportador de commodities, em meio aos riscos de insegurança alimentar e energética.

"O que era uma maldição virou uma bênção", disse Guedes à Folha e a outros dois veículos brasileiros nos corredores do Fórum. "O Brasil perdeu 30 anos sem se conectar, mas, com a pandemia, o fato de nós não estarmos integrados faz com que não soframos as disrupturas."

Com isso, ele contraria as previsões do mercado —e de seu próprio ministério— e diz que o Brasil deve crescer mais de 2% neste ano.

Paulo Guedes fala em um púlpito, com as mãos entreabertas. Ele usa terno escuro e gravata verde, e atrás dele há um telão
O ministro Paulo Guedes durante evento em São Paulo antes de viajar a Davos - Carla Carniel/Reuters - 16.mai.22

Guedes teve dez reuniões bilaterais com executivos em dois dias, além de dois jantares e um café também com investidores (a agenda prossegue na mesma intensidade por mais dois dias). Segundo ele, são sobretudo empresas interessadas em colocar dinheiro no país –apesar do cenário de turbulências globais e do redesenho geopolítico.

O foco do encontro anual é a Guerra da Ucrânia e seus impactos no fornecimento de alimentos e nos preços dos combustíveis, que pressionam a inflação em boa parte dos países. Esta, por sua vez, força uma alta de juros, que acaba por atravancar o crescimento.

Em documento publicado na segunda-feira (23), economistas ligados ao Fórum pintaram um quadro sombrio que pode empurrar o mundo à beira da recessão e fazer retroceder a globalização.

Para o Brasil, na avaliação de Guedes, isso poderia ser uma vantagem: "O Brasil não rompeu cadeia produtiva alguma e pode redesenhar suas cadeiras produtivas com novos eixos, como energia renovável, semicondutores, tudo que o mundo procura."

Ele ecoaria as observações durante jantar do Fórum com políticos e executivos da região no qual foram debatidas questões sobre a América Latina. No evento, eonde foi aplaudido, ele falou das oportunidades que o Brasil e seus vizinhos oferecem em recursos naturais e defendeu maior integração, ressuscitando a ideia de moeda única com a Argentina.

A opinião de Guedes sobre o país é compartilhada por economistas do setor privado. Mário Mesquita, do Itaú Unibanco, vê a posição do país também como vantajosa.

"Esta conferência está sendo marcada pela guerra e pela geopolítica", afirmou. "Num ambiente mundial complicado, com possibilidade de desaceleração mais intensa da economia global, o Brasil é visto como uma economia bem relacionada porque é um exportador de commodities, de alimento."

Mesquita e outros economistas ouvidos pela Folha enfatizam uma tendência ao "safe shoring" e ao "friend shoring": diante das turbulências geopolíticas, os países têm preferido fazer negócios com nações mais próximas e amigas.

Assim, Guedes tenta, no Fórum, vender o Brasil como opção à Europa e aos Estados Unidos ("estamos pertinho e somos amigos", brinca). Mas sem dar as costas à China, frisou. "Os chineses e os americanos tiveram uma sinergia que durou 30 anos, aí a China cresceu e eles começaram a brigar. Nós vamos dançar com os dois."

Os planos, contudo, podem tropeçar na divisão dos governos ocidentais em países contra e a favor da Rússia. Segundo o ministro, há pressão sobretudo na Europa para que o país, tradicionalmente neutro, tome um lado.

Até agora, o país condenou as "hostilidades", mas não Moscou. O governo russo, que costuma ser um peso-pesado em Davos, foi excluído do evento deste ano, francamente pró-Ucrânia.

A cobrança em outro tema no qual o Brasil vinha sendo criticado, o ambiente, teria arrefecido após a troca do ministro Ricardo Salles por Joaquim Leite, afirma o ministro, que agora vê chances mais concretas de o país passar a integrar a OCDE, organização que congrega os países ricos.

Guedes diz que o país tem sido visto como "muito mais construtivo no debate", e as críticas se dissiparam. Essa realidade não se refletiu no Fórum, onde o Brasil não participa das principais discussões sobre preservação ambiental e crise climática, um dos temas do ano.

No jantar, chegou a dizer que os europeus não podiam questionar os países da região amazônica pelas queimadas na floresta, e comparou a devastação do bioma com o incêndio na Catedral de Notre Dame, em Paris, em 2019, dizendo que se era difícil cuidar de um quarteirão, "imagine de uma área do tamanho da Amazônia".

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