Descrição de chapéu Auxílio Brasil

PEC dos combustíveis deve custar R$ 34,8 bilhões em ano eleitoral, diz relator

Para driblar questionamento jurídico, governo pode decretar estado de emergência para justificar auxílio caminhoneiro

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Brasília

O pacote de medidas para tentar amenizar os efeitos da alta dos combustíveis sobre os consumidores deve gerar uma fatura de R$ 34,8 bilhões em despesas extras em ano eleitoral, informou nesta sexta-feira (24) o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), relator da PEC (proposta de emenda à Constituição) que abrirá caminho aos benefícios.

A mudança constitucional é necessária para permitir que as despesas sejam feitas fora do teto de gastos, a regra fiscal que limita o avanço de despesas à inflação, e também para blindar o presidente Jair Bolsonaro (PL) de eventuais acusações de violação da lei eleitoral.

Como antecipou a Folha na quarta-feira (22), a PEC deve instituir um estado de emergência em decorrência dos impactos do cenário internacional sobre os preços do petróleo, dos combustíveis e seus derivados.

Auxílio gás será pago em junho; valor corresponde a 50% da média do preço nacional - Juca Varella / Folhapress

A avaliação de órgãos jurídicos do governo, incluindo a AGU (Advocacia-Geral da União), é que a inclusão desse dispositivo é necessária para afastar o risco de questionamentos contra a campanha de Bolsonaro.

A interpretação do governo é que o estado de emergência abre caminho para medidas e afasta o risco de contestação jurídica. Mesmo assim, governistas já trabalham com o cenário de batalha judicial.

A lei eleitoral proíbe a implementação de novos benefícios no ano de realização das eleições, justamente para evitar o uso da máquina pública em favor de um dos candidatos. As únicas exceções são programas já em execução ou quando há calamidade pública ou estado de emergência.

A poucos meses do pleito e pressionados pela alta de preços, o presidente e o Congresso querem ampliar o Auxílio Gás, elevar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e criar um vale de R$ 1.000 mensais para os caminhoneiros. Todas as medidas seriam temporárias, até o fim deste ano.

O Auxílio Brasil e o Auxílio Gás são programas já em andamento, mas o vale para os caminhoneiros ainda não existe. Por isso, há grande receio entre auxiliares do presidente de que a medida represente violação da lei eleitoral.

O lançamento do benefício poderia ser usado por opositores para acusar a chapa de Bolsonaro de exercer abuso de poder econômico, na avaliação de alguns técnicos. Nesse caso, o presidente poderia ficar inelegível por oito anos.

Para evitar esse desfecho, o estado de emergência seria regulamentado na própria PEC e afastaria todas as vedações ou restrições previstas em norma de qualquer natureza, mas apenas para a criação do auxílio financeiro aos caminhoneiros autônomos em atividade no ano de 2022.

A escolha deste mecanismo está relacionada ao fato de o texto da lei eleitoral citar expressamente o estado de emergência como uma das exceções, embora ele ainda não seja regulamentado na Constituição.

A AGU estudava três possibilidades para destravar as medidas e, consequentemente, evitar questionamentos eleitorais: calamidade pública, estado de emergência e estado transitório.

O estado transitório foi o primeiro a ser descartado, justamente por não ser citado na lei eleitoral —ou seja, não eliminaria o risco jurídico. Já a calamidade enfrenta resistências dentro do governo, pois seu acionamento faria disparar também uma série de restrições a aumento de gastos.

Uma vez escolhida a solução do estado de emergência, há uma discussão entre técnicos do governo se a ampliação nos valores do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás também precisará ficar sob o guarda-chuva desse dispositivo.

Nos bastidores, uma ala avalia que a medida não é essencial, uma vez que os programas já estão em execução. Outro grupo, porém, entende que seria mais seguro se o estado de emergência cobrisse todos os aumentos de despesa.

O próprio relator da PEC informou que a área jurídica do Senado e a AGU estão debruçadas sobre o tema. Numa avaliação preliminar, Bezerra disse que a ampliação dos auxílios já existentes não deve contrariar as regras eleitorais, mas confirmou a possibilidade de acionar o estado de emergência no setor de combustíveis para viabilizar a criação do auxílio aos caminhoneiros.

"Existe um reconhecimento de que a situação no setor de transporte, em especial no de transporte de carga, é algo emergencial", declarou. A equipe do Senado também tem feito consultas informais a outros órgãos, como TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e TCU (Tribunal de Contas da União), para sanar dúvidas em relação à legalidade das propostas.

Mesmo assim, o senador admitiu a permanência do risco de questionamentos, principalmente por parte de partidos de oposição. "A judicialização é quase certa", afirmou.

Fora do governo, a estratégia tem sido criticada por técnicos que não veem justificativa factual para a instituição de um estado de emergência —apenas eleitoral. "A emergência é o quê? As pesquisas de intenção de voto?", questiona o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getulio Vargas) . O presidente está em segundo lugar nos levantamentos eleitorais.

Membros do Executivo reconhecem certo incômodo nos bastidores com o fato de as medidas estarem sendo discutidas a menos de dois meses do início oficial da campanha, em 16 de agosto. Essa ala culpa o ministro Paulo Guedes (Economia) por resistir a esse tipo de medida no início do ano, quando estourou a guerra na Ucrânia.

Já a equipe econômica trabalha em regime de contenção de danos e quer garantir que o "valor do cheque" não ultrapasse os valores já acordados. Além dos R$ 34,8 bilhões em despesas extras, a União prevê abrir mão de mais R$ 16,8 bilhões em receitas com a desoneração de tributos federais sobre gasolina e etanol até o fim do ano.

ENTENDA OS CUSTOS PREVISTOS

Área Proposta Custo até dezembro
Auxílio Brasil elevar de R$ 400 para R$ 600 até o fim do ano R$ 21,6 bi
Auxílio Gás ampliar o valor R$ 1,5 bi
Auxílio caminhoneiro criar benefício de R$ 1.000 mensais R$ 5,4 bi
Transporte bancar gratuidade a maiores de 65 anos R$ 2,5 bi
Etanol subsídios R$ 3,8 bi
TOTAL R$ 34,8 bi

Bezerra deve apresentar seu parecer sobre a PEC na semana que vem, consolidando a desistência do governo em pagar uma compensação aos estados em troca de eles zerarem a alíquota do ICMS sobre diesel e gás até o fim do ano. Essa era a principal medida da versão original da proposta, anunciada por Bolsonaro em coletiva no Palácio do Planalto e que previa uma despesa extra de R$ 29,6 bilhões até o fim do ano.

Sem garantia de adesão dos estados ao corte de tributos, governo e Congresso acertaram uma mudança de rumos e decidiram usar a verba para ampliar os gastos sociais. O valor mínimo do Auxílio Brasil deve ter um incremento de R$ 200 até o fim do ano, para R$ 600.

O Auxílio Gás, que hoje paga 50% do valor médio do botijão a cada dois meses, pode dobrar o benefício ou diminuir o intervalo dos pagamentos. Já o auxílio aos caminhoneiros seria de R$ 1.000 mensais.

Dados apresentados pelo relator indicam que o aumento nas parcelas do Auxílio Gás teria um custo de R$ 1,5 bilhão até o fim do ano.

No caso do auxílio caminhoneiro, o gasto seria de R$ 5,4 bilhões para contemplar até 900 mil autônomos. Governistas avaliam ainda usar parte desse valor para conceder benefícios às empresas de transporte de cargas —e não apenas aos caminhoneiros autônomos.

A medida mais cara seria o aumento na parcela do Auxílio Brasil, com custo estimado em R$ 21,6 bilhões até dezembro. A campanha de Bolsonaro aposta nessa iniciativa para melhorar seu desempenho eleitoral.

Bezerra também estuda usar parte dos recursos para custear a gratuidade de pessoas com mais de 65 anos em ônibus de transporte coletivo. Isso reduziria a pressão sobre as empresas que operam no segmento e teria um custo de R$ 2,5 bilhões.

O desenho apresentado pelo relator inclui também o uso de R$ 3,8 bilhões para subsidiar o setor de etanol.

O senador estuda ainda um mecanismo para zerar a fila de espera do Auxílio Brasil, mas a proposta não teria efeito em 2022. Apesar da disposição do governo em injetar mais recursos no programa, o valor não pode ser usado para incluir famílias porque a despesa seria permanente, com impactos também a partir de 2023.

Como mostrou a Folha, havia em maio uma fila de espera de 764,5 mil famílias já habilitadas ao programa, mas que não recebem o benefício por falta de verbas dentro do teto de gastos.

Entre especialistas na área social, a proposta de elevar o Auxílio Brasil para R$ 600 enfrenta críticas. Além do dilema de se pagar mais a uma família que já recebe em vez de incluir alguma que está desassistida, o pagamento de um valor único a brasileiros com diferentes graus de necessidade é visto como um desenho pouco eficiente. Esse problema já era apontado com o piso de R$ 400.

"É dobrar a aposta em uma coisa que não está bem desenhada. O valor de R$ 600 é bom de divulgação, mas não de desenho", afirma Marcelo Neri, da FGV.

Ele alerta que a medida acaba conferindo o mesmo tratamento a famílias com maior número de integrantes ou àquelas com uma única pessoa. Especialistas têm chamado a atenção para uma divisão dos cadastros, refletindo a tentativa dos beneficiários de conseguir maiores transferências, diante do piso instituído por família.

Neri diz também que famílias que vivem sob graus distintos de pobreza ou extrema pobreza acabam recebendo a mesma quantia de recursos, o que não é eficiente como política pública. "Não estamos usando como bússola o conceito de pobreza", avalia.

AS MEDIDAS E OS RISCOS

As medidas contra a alta dos combustíveis

  • Ampliar o piso do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até o fim do ano; 18,2 milhões de famílias seriam beneficiadas
  • Ampliar o Auxílio Gás, que hoje paga 50% do valor médio do botijão a cada dois meses; em junho, 5,7 milhões de famílias receberam R$ 53
  • Criar um auxílio de R$ 1.000 para caminhoneiros autônomos
  • Autorizar repasse de R$ 2,5 bilhões para bancar gratuidade de idosos no transporte público urbano
  • Autorizar até R$ 3,8 bilhões em subsídios ao etanol

Quais são os riscos eleitorais?

A lei eleitoral proíbe a implementação de novos benefícios no ano de realização das eleições, para evitar o uso da máquina pública em favor de um dos candidatos. As únicas exceções são programas já em execução ou quando há calamidade pública ou estado de emergência.

Qual é a solução do governo?

Instituir um estado de emergência, regulamentado via PEC, permitindo a criação do novo benefício a caminhoneiros mesmo sendo ano eleitoral. Também há discussão de a ampliação do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás deveriam estar sob a proteção desse instrumento.

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