STF marca julgamento de ação que trava ferrovia na Amazônia

Projeto polêmico batizado de Ferrogrão liga Mato Grosso a portos no Pará

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Rio de Janeiro

O STF (Supremo Tribunal Federal) marcou para o próximo dia 15 julgamento de ação que paralisa a Ferrogrão, projeto ferroviário que liga Mato Grosso ao Pará e enfrenta resistências de ambientalistas, lideranças indígenas e do Ministério Público.

Com investimentos estimados em R$ 21,5 bilhões e 933 quilômetros de extensão, o empreendimento foi suspenso por liminar de março de 2021 que questiona a alteração dos limites da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, para a passagem dos trilhos.

A liminar foi concedida pelo ministro Alexandre Moraes a pedido do PSOL. Dois meses depois, a Procuradoria do Distrito Federal pediu ao TCU (Tribunal de Contas da União) análise sobre o modelo de concessão do projeto, por envolver risco de aporte de dinheiro público.

A ideia da ferrovia foi lançada há pelo menos sete anos pela iniciativa privada e é de interesse de multinacionais como ADM, Cargill e Amaggi. Ganhou força durante o governo Jair Bolsonaro, que se dispôs a usar recursos obtidos com a renovação de outras ferrovias para viabilizar o projeto.

Trem da ALL, atual Rumo Logística, passando pela malha da MRS, próximo da Estação Evangelista de Souza, no bairro Emburá, extremo sul da cidade de São Paulo. Ministério da Infraestrutura defende viabilidade e trabalha para fazer leilão ainda em 2021 da chamada "Ferrogrão" - Eduardo Anizelli - 13.mai.2021/Folhapress

Em defesa da ferrovia, o governo diz que o projeto reduz o custo do transporte de grãos do Mato Grosso e tem benefícios ambientais ao substituir milhares de caminhões que hoje trafegam pela BR-163, rota usada para escoar a produção por portos fluviais no Pará.

A pressão contrária não se limita ao Brasil. Em agosto de 2021, uma delegação internacional de ativistas e políticos de esquerda esteve no país para questionar o projeto, que é encarado como uma "nova Belo Monte", em referência à criticada hidrelétrica concedida pelo governo Dilma Rousseff, também no Pará.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade que o STF julga no próximo dia 15, o PSOL defende que a alteração dos limites da floresta não poderia ter sido feita por conversão de MP (medida provisória) em lei e que essas modificações afetam povos indígenas da região.

A liminar frustrou planos do governo para licitar o projeto, uma das prioridades do ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas, ainda em 2021, e deu aos opositores da obra mais tempo para questioná-la.

Em requerimento de audiência pública sobre o projeto na Câmara dos Deputados, os deputados federais Joenia Wapichana (Rede-RR), Vivi Reis (PSOL-PA), Túlio Gadelha (Rede-PE), Airton Faleiro (PT-PA) e José Ricardo (PT-AM) alegam ainda que não houve consulta prévia aos povos indígenas afetados.

"Desde o anúncio do projeto, povos indígenas do Xingu e do Tapajós requerem o cumprimento de seu direito de Consulta Livre, Prévia e Informada sobre o empreendimento", afirmam, citando estudo da UFMG que indicaria impactos maiores do que os identificados no estudo feito pelo governo.

"O Parna [Parque Nacional] de Jamanxim é uma das Unidades de Conservação que mais sofre com o desmatamento ilegal e os povos indígenas estão preocupados e determinados a lutar pela sua conservação", continuam.

Na proposta de audiência, os deputados querem ouvir, além de lideranças indígenas, o economista Cláudi Frischtak, para quem o modelo proposto repassa ao governo riscos bilionários, ao oferecer aos concessionários garantias de receita ou ajuda em caso de gastos não previstos.

Dos R$ 21,5 bilhões em investimento previsto, R$ 8,4 bilhões seriam gastos para colocar a linha férrea em operação. Como contrapartida, o governo se comprometeu a cobrir custos adicionais com reassentamentos e desapropriações ou com condicionantes ambientais.

Na fase de operação, o governo ajudaria a pagar os custos operacionais e os juros de dívidas se houver queda na demanda por quebra de safra e caso o ramal da ferrovia Rumo ligando o Mato Grosso ao Porto de Santos chegue aos produtores antes de 2045.

Esse ramal foi licitado pelo governo de Mato Grosso em 2021, sob o modelo de autorização. Ainda não há um prazo para início das operações.

O Ministério da Infraestrutura não havia respondido ao pedido de entrevista até a publicação deste texto. Em entrevistas sobre o tema à Folha, representantes do ministério defendem que o modelo proposto para a ferrovia já vem sendo usado em licitações de rodovias no país.

Alega ainda que não há aporte de dinheiro público na obra. O governo já separou R$ 2,2 bilhões pagos pela Vale para renovar concessões rodoviárias, para depósito em uma conta vinculada à concessão para a cobertura de riscos não gerenciáveis.

Essa conta seria necessária, segundo o ministério, para bancar eventuais reequilíbrios econômicos e financeiros do projeto, o que não poderia ser feito por aumento de tarifas durante a fase de construção nem com extensão do prazo de concessão, que já é de 69 anos.

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