Descrição de chapéu Auxílio Brasil

Famílias pedem aumento permanente para o Auxílio Brasil

Para beneficiários, PEC é eleitoreira e R$ 600 serão insuficientes devido à inflação alta

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Jessica Bernardo Gabriela Carvalho
São Paulo | Agência Mural

Moradora do Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, Alaíde de Jesus Santana, 68, não frequenta mais as feiras do bairro. O dinheiro que recebe com a aposentadoria e o Auxílio Brasil de R$ 400 são insuficientes para comprar legumes e verduras para a família com a mesma regularidade de antes.

"Se eu falar pra você que este ano eu fui na feira, eu estou mentindo", conta a aposentada. Ela tem acompanhado com desconfiança as notícias sobre a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) aprovada e promulgada pelo Congresso que autoriza o governo a subir o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até o fim deste ano.

Para Alaíde, o aumento, apesar de importante, não fará muita diferença para a família. "É o mesmo potencial [de compra], a mesma coisa", afirma.

Alaíde Jesus, 68, já é aposentada, mas também recebe Auxílio Brasil. Mora com mais 6 pessoas no Itaim Paulista (a filha, os 4 netos e um bisneto) - Karime Xavier - 14.jul.2022/Folhapress

Desempregados, com dívidas e sobrevivendo de bicos, beneficiários do Auxílio Brasil que vivem nas periferias da capital paulista concordam com a opinião de dona Alaíde e cobram medidas mais eficazes e permanentes para reduzir o cenário de pobreza.

Dividindo a casa com outras seis pessoas, entre filha, netos e bisneto, Alaíde vê a aprovação da PEC como uma medida eleitoreira e diz que é preciso diminuir o preço dos alimentos para que seja possível uma mudança real na qualidade de vida das famílias.

"A gente sabe que isso aí é só para o cara [o presidente Jair Bolsonaro (PL)] ganhar [as eleições]", afirma.

Alaide de Jesus Santana dos Santos, 68, a filha Jucelia Santana Santos, 48, e a neta Joyce Santos Viana - Karime Xavier - 14.jul.2022/Folhapress

Na Vila São José, no Grajaú, zona sul da capital, Danilo Jesus Souza, 36, também recebe o Auxílio Brasil e critica o caráter temporário do aumento. "Pode até ajudar, mas e depois, quando acabar, você vai para onde?"

O projeto prevê que os R$ 600 sejam pagos apenas até dezembro deste ano. Durante a votação na Câmara, a oposição tentou tornar o aumento permanente, mas não obteve sucesso. O governo quer antecipar o calendário de pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 para a primeira quinzena de agosto e iniciar já no dia 9 o repasse dos outros benefícios sociais previstos na PEC.

Desempregado há dois anos, Danilo conta que tem se endividado para pagar contas básicas, como água e luz, e diz que precisa de uma renda estável para sair da situação atual. "O que a gente queria mesmo era um emprego fixo", afirma. Ele também vê a medida como "compra de voto". "Para mim ele [o presidente] está querendo comprar o meu voto", afirma.

Para Eduardo Santos, 26, que vive no Jardim Miriam, outro bairro do Grajaú, o aumento do auxílio para R$ 600 até dezembro não será suficiente para resolver as dívidas da família. "Vai ficar praticamente na mesma, porque quem paga aluguel e faz compras dentro de casa já gasta mais de R$ 1.000", relata.

Desde que ele e a esposa ficaram desempregados, os dois têm acumulado dívidas nos cartões de crédito e atrasado o pagamento do aluguel. Ele teme a volta aos R$ 400 no próximo ano. "Em janeiro como fica se a pessoa estiver desempregada ainda?"

A alta dos preços é motivo de preocupação para Cleiceane Alves Dias, 38, que vive na Favela Capadócia, na Brasilândia, na zona norte da capital, e está desempregada. "Era melhor se ficasse mais tempo, porque do jeito que as coisas estão aumentando a cada dia que passa, [vai fazer falta]", diz.

Ela está confusa sobre o início dos novos pagamentos. "Na verdade eu tô ouvindo isso faz uns três meses. Todo mês falam que vão aumentar e não aumenta", comenta. Enquanto os R$ 200 adicionais não caem na conta, Cleiceane tem feito bolos de pote para ajudar na renda da casa.

Também desempregado e sem conseguir pagar o aluguel, Edgar Marques do Nascimento Filho, 36, está há alguns meses no Centro de Acolhida Arsenal da Esperança, na Mooca, zona leste. Por lá, já ouviu pessoas dizerem que votarão no atual presidente por causa do aumento do benefício. "Mesmo assim não vou mudar meu voto", afirma.

"Tem gente falando que vai votar no Bolsonaro por conta do aumento do auxílio, é o que eu mais escuto. E é uma forma de manipular [os votos]. Está dando dinheiro para o povo conseguir se alimentar minimamente e quem não entende e não acompanha é comprado por R$ 100 ou R$ 200", avalia.

Com os R$ 400 pagos atualmente, Edgar usa o dinheiro "para ter uma alimentação minimamente saudável", mas só isso. A falta de renda o distanciou da família e ele diz que não tem conseguido ver o filho, que se mudou com a mãe para a Praia Grande, no litoral paulista.

A legislação eleitoral no Brasil proíbe que os governos aumentem o valor de programas sociais e criem novos benefícios no ano das eleições, exceto em casos de calamidade pública e estado de emergência. A PEC dribla a legislação ao colocar o país em estado de emergência.

Para a assistente social e diretora da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho, a escolha por decretar emergência agora está diretamente relacionada ao calendário eleitoral e não às necessidades da população.

"Nós alertamos desde março de 2020 que vivíamos uma situação de emergência", afirma. A especialista também diz que o pagamento durante cinco meses, entre agosto e dezembro, não terá efeitos duradouros sobre a população em maior situação de vulnerabilidade.

"São cinco meses de R$ 600 sabendo que a fila de espera do Auxílio Brasil é gigantesca e que, efetivamente, nós não estamos atendendo todas as famílias, nem mesmo pelo tempo necessário para que as pessoas possam se reorganizar", afirma.

Um levantamento feito pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios) e divulgado em junho deste ano apontou que 2,7 milhões de famílias estavam na fila de espera para receber o Auxílio Brasil em abril. O governo, que promete incluir mais famílias no programa, já reconhece que a fila não deve ficar zerada por muito tempo, pois os recursos a serem liberados são calculados para atender as famílias que já estarão à espera do programa —e novos pedidos continuarão a ser apresentados até o fim do ano. Além disso, a fila da fila, com pessoas que buscam fazer o cadastro para conseguir o benefício, também vem crescendo.

A assistente social diz que mesmo com o aumento do auxílio, ainda há um déficit da possibilidade de consumo e manutenção das contas básicas nesses lares.

"Desde o início da pandemia, a política de renda que nós tínhamos não dava conta de atender os trabalhadores desassistidos naquele momento e, por isso, foi importante a gente ter uma política emergencial", explica. "O governo não fez uma migração do emergencial para o permanente de forma correta, possibilitando atender todas as pessoas que estavam nos critérios de pobreza e necessidade."

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