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Criador do Shazam não ficou bilionário, mas está feliz: 'a vida é mais que só dinheiro'

Chris Barton fundou aplicativo de reconhecimento de músicas vendido para a Apple em 2018

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São Paulo

Chris Barton pode não ter revolucionado a indústria da música digital, mas ele acabou para sempre com um problema crônico que atingia cerca de 99% dos habitantes desse planeta: ouvir uma música e não lembrar (ou não saber) o nome da canção e quem está cantando.

Desde que o iPhone foi lançado, há 15 anos, basta baixar o aplicativo Shazam no seu smartphone para que a mágica aconteça. Aponte o celular para o lugar de onde está vindo uma música e ele vai te dizer quem canta e o nome dela também.

Há algumas semanas, a agência de palestrantes internacionais Ideas Collection trouxe Barton ao Brasil para falar em um evento corporativo. Antes de subir ao palco, ele falou com a Folha.

 Chris Barton, fundador do Shazam, é um homem branco de cabelos grisalhos. Com camisa branca, está apoiado em um corrimão marrom. Ao fundo, um prédio aparece desfocado.
Chris Barton, fundador do aplicativo de reconhecimento musical Shazam - Yanina Gotsulsky/Divulgação

Como foi a criação do Shazam? Bem, eu sempre tive um problema na minha vida, que era o seguinte: ouvia músicas e ficava "nossa, que música é essa?" (risos). Perguntava para os outros e mantinha uma lista com essas favoritas. Eventualmente, depois eu faria um CD com elas todas. Então, em 1999, eu tive uma ideia de criar um serviço que reconheceria a música que você está escutando.

Isso era uma novidade? Não exatamente. Na época, eu ficava entre San Francisco e Londres. Estava fazendo meu MBA em Berkeley, na Califórnia, quando tive a oportunidade de estudar fora e escolhi a London Business School. Foi lá que eu tive a ideia do Shazam, em 1999. Enquanto pesquisava, apareceram empresas que estavam trilhando um caminho próximo. Eram algumas startups e pelo menos uma grande empresa, a Sony. A Sony tinha um pequeno aparelho em que você clicava para descobrir o nome da música que estava tocando no rádio. Só que descobrir o que tocava no rádio era um problema fácil de resolver. As rádios populares, juntas, talvez toquem umas 200 mil músicas, muito pouco se comparar com as 50 milhões de músicas que você tem hoje num serviço de streaming. As empresas monitoravam as estações e, quando alguém perguntava o que estava tocando, eles forneciam a informação que já estava rastreada, segundo a estação e o horário.

E o celular? Nenhuma dessas empresas estavam usando o celular naquela ocasião. Quando descobri sobre esse método, forcei a mente para uma forma diferente de pensar e cheguei no seguinte: "e se eu pudesse identificar a música pelo som no ar, chegando ao microfone do celular?". E essa foi a ideia inovadora. Ninguém estava tentando isso e todos disseram que isso seria impossível.

Estamos em 1999 e ainda não havia smartphones, certo? Não. Eram só telefones... móveis. Eu tinha um e o que dava para fazer era telefonar e mandar mensagem de texto. Quer dizer, a coisa mais avançada a se fazer era baixar um ringtone. Mesmo assim, dois anos antes disso, menos de um terço das pessoas deveriam ter celulares. Mas em 1999, provavelmente 90% das pessoas [nos Estados Unidos] já tinha.

Isso é muito antes do aplicativo que a gente baixa no telefone, certo? Muitos anos antes, tipo oito anos antes da AppStore. E sete anos antes do iPhone.

Por que disseram que era impossível? Havia dois grandes desafios. Um era o tamanho da base a ser checada. Vamos pensar visualmente, em vez de auditivamente. Se você tem um irmão aqui do lado e eu dissesse "cadê seu irmão?", você diria "ali", pois não tem muita gente aqui. Mas, se estivéssemos no estádio de Wembley e eu dissesse "cadê o seu irmão?", você teria uma dificuldade, já que ali haveria milhares de pessoas. Então, essa é a escala.

E o outro? O segundo problema era o barulho. Novamente, se eu dissesse "cadê o seu irmão" e tivessem pessoas correndo por todos os lados em sua frente, seria muito difícil de vê-lo, né? Então, precisávamos rastrear milhões de músicas com barulhos, conversas e diversos sons de panos de fundo. Por isso foi tão difícil. Quando nos aproximamos de professores do MIT e Stanford, eles disseram "não existe nenhuma tecnologia capaz de fazer isso". E eles não tinham a menor ideia de como inventar.

Qual foi o maior desafio? O problema era o padrão para criar uma tecnologia, um padrão de reconhecimento que poderia identificar com sucesso uma música contra uma base de dados imensa. Também havia softwares que reduziam a qualidade do som no celular, acredite ou não. Há sistemas que propositalmente enfatizam as vozes humanas e abafam todos os outros sons para tornar a ligação melhor, o que é um ponto ruim para a música. Então, havia muitos desafios.

O reconhecimento das músicas, como foi feito? Tiramos uma espécie de impressão digital de cada música. É uma descrição matemática. Os sons se transformam números, mas números que descrevem sons. Essa foi a nossa invenção porque o que fizemos foi um mapa matemático, um gráfico tridimensional, no estilo X, Y, Z, que reconhecia cada faixa.

Nenhuma é igual à outra? É por isso que você usa a expressão "impressão digital"? Isso. É uma impressão digital. Funcionaria perfeitamente com um filme, um programa de TV ou uma propaganda de televisão. Daria para localizar essas coisas também.

Como era o Shazam quando foi lançado? Isso foi em 2002, e nosso primeiro modelo de trabalho foi um serviço em que o usuário nos telefonava, apontava o microfone do celular para a música e desligava após alguns segundos. Momentos depois, ele recebia um torpedo com o nome da música e do artista. Cobrávamos algo como cinquenta centavos por ligação.

O que aconteceu quando o iPhone foi lançado, cinco anos depois disso? Na época, a Apple dominava a música digital, 90% de toda as músicas digitais estavam no iTunes. Então, pensamos "precisamos fazer uma parceria com a Apple porque nós identificamos as músicas e a Apple tem esse celular ótimo e eles vendem música digital". Nós já estávamos em conversa com a Apple antes mesmo de a AppStore ser lançada. E o Shazam foi selecionado para ser um dos aplicativos originais no lançamento da AppStore. Até fizeram uma propaganda na televisão que era só sobre o Shazam, mostrando nosso aplicativo como uma forma de vender iPhones.

Você foi trabalhar no Google quando o Shazam estava sendo usado em milhões de celulares pelo mundo? Eu não estava ganhando nenhum dinheiro com o Shazam e startups como essa sempre podem cometer erros e sumir de uma hora para outra. Então, sim, eu tinha um trabalho integral no Google, e depois no Dropbox. Passava apenas de 10 a 15 horas da minha semana no Shazam.

Mas há cinco anos você vendeu o Shazam para a Apple por US$ 400 milhões. Sim, foi em 2018. Não trabalho mais lá. A primeira coisa que a Apple faz quando compra uma empresa é dissolver o conselho. Todos os membros do conselho são retirados. Eu prefiro não revelar quanto da empresa eu tinha, mas te digo que não era muita coisa. Basicamente, tínhamos levantado US$ 140 milhões de dólares com investidores, que foram gastos. E quando se arrecada todo esse dinheiro, o que acontece na empresa é a diluição, diluição e mais diluição da porcentagem dos sócios.

Então, você não é um bilionário? Não [risos]. Eu não fiz nem dezenas de milhões. Eu não reclamo, a vida é mais que só dinheiro. E eu ainda estou feliz com o resultado.

Hoje parece que você já tem uma nova ideia em mente, certo? Sim. Estou desenvolvendo um dispositivo de inteligência artificial chamado Guard, que funcionará com câmeras dentro de piscinas e será basicamente um salva-vidas, emitindo um alarme se alguém estiver se afogando. Nos Estados Unidos, essa é a principal causa de morte acidental na faixa entre 0 e 5 anos, mais comum que acidentes de carro. É claro que o Guard não salva a pessoa diretamente, isso seria um problema ainda maior, ter um dispositivo que saltaria da piscina e salvaria a pessoa. Se a pessoa tiver o azar de estar se afogando e ela for a única pessoa que estiver em casa, não servirá para nada. Mas a maioria dos afogamentos acontece quando tem alguém em casa, especialmente os de crianças.

Você está começando do zero novamente? Sim. Ainda não estou procurando investidores, mas eu vou. Aprendi algumas lições com a Shazam, e uma delas é "não arrecade muito dinheiro". Muitos empreendedores pensam que conseguir dinheiro é a solução e, às vezes, conseguir o dinheiro é o problema porque, se você tem o dinheiro, você o gasta para alcançar aquilo que tinha proposto. Então, eu sempre penso em como gastar menos dinheiro possível. Eu não sabia disso quando comecei o Shazam e agora tenho um grande respeito por isso.

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