Descrição de chapéu Folhainvest

TC oferece R$ 500 mil por prova sobre autoria de vídeo; entenda

Recompensa inédita é legal, apesar da falta de regra na CVM, dizem especialistas

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São Paulo

Alvo de um vídeo difamatório e sem autoria conhecida, a empresa de serviços a investidores TC (Traders Club) anunciou uma recompensa de R$ 500 mil à primeira pessoa capaz de dar informações que levem aos responsáveis pela peça.

Divulgada na segunda-feira (22) em comunicado ao mercado e na conta do Twitter do presidente do TC, Pedro Albuquerque, a oferta tem entre as regras publicadas no site da companhia a exigência de que a eventual denúncia possa ser comprovada por meios idôneos.

A recompensa, tão inusitada quanto a produção do audiovisual que motivou a oferta, tem respaldo legal, embora não esteja prevista na regulação do mercado de capitais do país, disseram à Folha advogados familiarizados com o tema.

Imagem de mulher com pintura de palhaço no rosto
Imagem publicada pelo TC em sua página na internet; empresa oferece recompensa de R$ 500 mil por informações sobre autor de vídeo - Divulgação TC

Distribuído em grupos de WhatsApp em 28 de junho, o vídeo mostra uma mulher com maquiagem de palhaço dizendo que o TC manipula ações negociadas na Bolsa.

Sem apresentar provas, ela também fala em supostos casos de assédio e pergunta se é verdade que houve um estupro coletivo de uma ex-colaboradora dentro da sede da empresa. O TC afirma que as insinuações são mentirosas.

Há no artigo 854 do Código Civil a previsão legal para a promessa de recompensa ou gratificação para a realização de um serviço com condições previamente estabelecidas. A mesma regra impõe a obrigatoriedade do cumprimento da promessa.

"O Código Civil prevê o prêmio ou recompensa, o que torna a oferta feita pela empresa [TC] absolutamente legal", afirma o advogado Carlos Eduardo Machado, vice-presidente do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros).

Machado ainda diz que a oferta de vantagem para a realização de uma tarefa lícita é regularmente aplicada pelos serviços oficiais de denúncias.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por exemplo, possui um programa de recompensas que paga até R$ 50 mil para informações anônimas que ajudem a polícia a encontrar delinquentes e foragidos da Justiça.

Para o advogado, mesmo a exposição da imagem da apresentadora no anúncio da recompensa não é irregular, uma vez que a mulher maquiada como palhaça participou de uma atividade que pode ser considerada ilegal. "Uma pessoa não grava um vídeo difamando uma empresa sem saber o que está fazendo", comentou Machado.

Não há, porém, no regramento da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a previsão de recompensa oficial para quem ajude a solucionar crimes contra o mercado de capitais, segundo Isac Costa, professor de pós-graduação em direito do Ibmec-SP e ex-analista da CVM.

Costa afirma que, embora a solução de infrações com a ajuda da figura do "whistleblower" (denunciante ou soprador de apito) seja comum no mercado dos Estados Unidos, não há discussões públicas no Brasil sobre a regulamentação de um programa de recompensas no âmbito da CVM.

Em 2018, a SEC (Securities and Exchange Commission, o regulador federal do mercado americano) anunciou o seu maior prêmio, de US$ 83 milhões (R$ 424 milhões).

O caso envolveu denúncias de uso indevido de fundos de clientes que obrigaram o Merrill Lynch a pagar US$ 415 milhões (R$ 2,1 bilhões) em um acordo com a SEC.

No Brasil, até mesmo a oferta particular de gratificação, como a feita pelo TC, é inédita, segundo o professor.

"Acompanho o mercado de capitais desde o início dos anos 2000, além de estudar o setor, e desconheço que algo assim já tenha ocorrido", contou.

Uma pessoa que trabalha em posição estratégica da CVM também disse à reportagem jamais ter acompanhado um caso de oferta de recompensa nos moldes da oferecida pelo TC.

A CVM informou que não comenta casos específicos sob investigação.

TC diz buscar provas para alcançar todos os envolvidos

O presidente do TC, Pedro Albuquerque, acusa publicamente sua concorrente Empiricus de ser a autora do vídeo apócrifo.

Albuquerque afirma que, entre os elementos que o levaram a fazer a acusação, estão supostas trocas de mensagens por WhatsApp dos diretores da Empiricus. Os arquivos, segundo ele, chegaram anonimamente ao TC por meio do seu canal de relação com investidores.

A Empiricus, que nega ter relação com a peça e afirma que pretende utilizar um parecer técnico para provar na Justiça que os documentos levados a público por Albuquerque são falsos.

A Folha questionou o TC sobre o motivo da oferta de recompensa para a solução de um caso cujas provas a empresa já diz ter em mãos.

Em nota, o TC afirmou que mantém integralmente sua convicção em relação à autoria do crime.

"A recompensa será importante para comprovar a participação de todas as outras pessoas envolvidas, da gravação ao disparo do vídeo, nesta manipulação sem precedentes no mercado de capitais brasileiro", diz a nota.

O TC ainda afirmou ter enviado ao banco BTG, controlador da Empiricus, e "a autoridades competentes um conjunto de laudos e atas notariais que comprovariam a autoria do vídeo apócrifo que causou danos à companhia". A Folha não teve acesso a esses novos documentos.

No intervalo de um mês após a divulgação do vídeo, o Traders Club perdeu cerca de 45% do seu valor de mercado, o que representou um prejuízo de aproximadamente R$ 1 bilhão.

Uma pessoa que acompanha as discussões na cúpula do TC disse à reportagem que há nos bastidores da empresa a convicção de que a indenização a ser imposta pela Justiça à Empiricus será significativamente superior aos R$ 500 mil ofertados ao denunciante.

Procurados novamente para se manifestarem sobre a indenização, BTG e Empiricus não comentaram.

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior deste texto, já corrigido, faltava a palavra "não" na frase "Para o advogado, mesmo a exposição da imagem da apresentadora no anúncio da recompensa não é irregular, uma vez que a mulher maquiada como palhaça participou de uma atividade que pode ser considerada ilegal".

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