Turismo tem escassez de mão de obra especializada após reabertura

Parte dos trabalhadores migrou para outros setores na pandemia e não retornou

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Rio de Janeiro

Atividades da área de turismo enfrentam um gargalo em meio ao processo de retomada dos negócios no país. Trata-se da escassez de mão de obra especializada.

O quadro desafia o preenchimento de parte das vagas de trabalho disponíveis em empresas como agências de viagens e hotéis.

Segundo analistas e empresários, a situação pode ser associada aos efeitos da pandemia. Com a chegada da crise sanitária, em 2020, a demanda por atividades turísticas despencou, e trabalhadores amargaram demissões em massa.

A partir da vacinação contra a Covid-19, o cenário foi invertido. A procura por viagens reagiu nos últimos meses e estimulou recontratações. A questão é que, ao longo da crise, parte dos profissionais já treinados teve de migrar para outras atividades em busca de renda.

Movimentação em hotel do Rio de Janeiro - Lucas Seixas - 7.out.2021/Folhapress

Uma parcela do grupo, dizem analistas e empresários, ainda não voltou para o ramo de turismo. E talvez nem retorne tão cedo. Vem daí o descompasso, já que determinadas funções exigem algum nível de especialização.

É o caso, por exemplo, dos operadores de viagens. Esses trabalhadores são responsáveis por montar os pacotes turísticos, indica Roberto Nedelciu, presidente da Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo).

"São profissionais que precisam ter conhecimento sobre as viagens, sobre os passeios disponíveis, sobre as opções de hotel. No caso das viagens internacionais, também tem a questão da língua estrangeira. É uma função que tem sido difícil de recolocar."

"A gente só não vendeu mais nos últimos meses por causa da dificuldade para contratação de mão de obra especializada", completa.

De acordo com empresários, agências vêm apostando em treinamentos, mas essas tarefas muitas vezes são consideradas complexas.

"Vimos pessoas que deixaram a área na pandemia e ainda não retornaram", afirma Frederico Levy, vice-presidente de marketing e eventos da Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens).

"As agências voltaram a operar com quantidade reduzida de pessoas. Para treinar um profissional júnior, é demandado o apoio de um sênior, e isso pode ser complicado. O sênior poderia estar operando."

Agências de viagens e operadores turísticos somavam 63,7 mil empregos formais em estoque no Brasil em janeiro de 2020, antes das restrições na pandemia. O dado integra o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do governo federal.

Durante a crise, esse número chegou a recuar para a faixa de 40 mil, subindo na sequência com o avanço da vacinação contra a Covid-19.

Em junho deste ano, período mais recente com estatísticas disponíveis, o estoque alcançou 48,7 mil postos formais. O indicador corresponde ao total de vagas em vigor.

"O cenário ficou mais positivo em 2022 com o recuo da crise sanitária e o avanço da vacinação", avalia o economista Fabio Bentes, da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).

No caso das agências de viagens, as admissões cresceram 131% entre os trabalhadores com ensino superior completo no primeiro semestre deste ano, frente a igual período de 2021, indica levantamento produzido por Bentes, a partir do Caged. O avanço foi de 104% na média de todos os níveis de escolaridade.

Em termos nominais (sem o desconto da inflação), os salários de admissão dos trabalhadores com nível superior completo tiveram variação positiva de 6,1% na mesma base de comparação, enquanto a média geral foi de 0,82%, aponta o economista.

Mesmo sem levar em conta as perdas inflacionárias, a alta nominal, aliada ao aumento da ocupação, pode indicar escassez de mão de obra mais qualificada, conforme Bentes.

Pela mesma lógica, em períodos de fartura de trabalhadores, uma das possíveis consequências seria o salário menor de admissão.

Hotéis e eventos não escapam

Além das agências, hotéis e empresas de eventos também sentem dificuldades para preencher parte das vagas neste momento, aponta Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo).

"Muitos profissionais não enxergaram segurança para permanecer na área", lembra. "Tivemos muitas migrações."

Na comparação com atividades turísticas, setores como o de tecnologia podem oferecer salários mais altos e condições de atuação mais flexíveis, sem a necessidade de trabalho presencial, diz Aldrigui. Isso, segundo ela, desafia a entrada de jovens na área de turismo.

"Ficou difícil até trazer de volta para o escritório parte do pessoal que estava em home office", relata Monica Paixão, diretora geral do resort Le Canton, em Teresópolis (a cerca de 120 km do Rio de Janeiro).

A empresária afirma que o maior gargalo no momento é o preenchimento de vagas "mais operacionais". São funções que podem envolver, por exemplo, necessidade de deslocamentos, acompanhamento de eventos e trabalho aos finais de semana.

Em janeiro de 2020, antes da pandemia, hotéis e similares tinham um estoque de 316,3 mil empregos formais no Brasil, conforme o Caged. O número chegou a cair para perto de 230 mil ao longo do primeiro ano da crise.

Com a reabertura econômica, o estoque voltou a crescer. Em junho deste ano, alcançou 297,5 mil vagas.

"Aqui no Rio tivemos uma excepcional alta temporada, a partir do Réveillon", afirma Alfredo Lopes, presidente do HotéisRIO (Sindicato dos Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro).

"A gente fez recontratações, mas viu que o pessoal procurou outras tarefas, e está faltando alguma mão de obra já qualificada. O trabalho nos hotéis precisa de treinamento, porque existem normas de comportamento, de governança", acrescenta.

Conforme Lopes, funções como a de recepcionista estão entre as mais demandadas no momento. "A diferença de um hotel para outras empresas é que não há robô. O recepcionista é uma pessoa."

Possível freio em 2023

No embalo da reabertura econômica, o índice de atividades turísticas calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) deu sinais de reaquecimento no país desde a segunda metade do ano passado. Porém, em junho de 2022, ainda estava 2,8% abaixo do nível pré-pandemia (fevereiro de 2020).

Para Mariana Aldrigui, da FecomercioSP e da USP, a demanda reprimida e a poupança compulsória feita por parte das famílias na crise vêm estimulando o setor de turismo, mesmo no atual cenário de pressão inflacionária.

A preocupação, diz, está mais voltada para 2023, quando esses impulsos tendem a perder ímpeto, e as projeções sinalizam fôlego menor na economia.

"Quando a inflação corrói os salários, e a poupança das famílias é gasta, o que é cortado antes? Os gastos supérfluos", conclui.

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