Fim de patrocínio da Petrobras não tem relação com PT, diferentemente do que sugere vídeo

Gravação insinua que aporte seria ato de corrupção do partido; PT solicitou ao STF ações para conter desinformação

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São Paulo

Vídeo que trata sobre o patrocínio da Petrobras a pilotos de F1 é enganoso. Embora a petrolífera tenha patrocinado a equipe McLaren, o contrato suspenso pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) havia sido firmado durante o governo de Michel Temer (MDB), em 2018, e não na gestão do PT.

Além disso, como verificado pelo Projeto Comprova, ao contrário do que insinua o autor da postagem, não há indícios de irregularidades na negociação, que tratava da exposição da marca da Petrobras e do desenvolvimento de tecnologia da empresa em parceria com a equipe de F1.

Apoiador de Bolsonaro, o autor do vídeo alega que o presidente descobriu o aporte financeiro da Petrobras e que a "petezada fez um gritedo", isto é, os integrantes do PT teriam se indignado com a revelação da suposta corrupção.

O valor do contrato não foi informado oficialmente, mas, na época do rompimento, veículos noticiaram que seria de cerca de R$ 870 milhões. Este valor corresponderia a um contrato de cinco anos, entre 2018 e 2022. A Petrobras não revela valores devido à cláusula de confidencialidade do contrato.

Os valores não eram apenas para "estampar bandeirinhas do Brasil" nos capacetes dos dois pilotos da McLaren, como cita o autor do vídeo. Além dos capacetes, macacões e os carros da equipe, o valor envolvia desenvolvimento de tecnologias e pesquisas.

A própria McLaren publicou um comunicado quando o contrato foi rompido dizendo que a parceria rendeu "avanços tecnológicos em combustíveis e lubrificantes e identificou oportunidades para futuras colaborações nas áreas comercial, tecnológica e de responsabilidade social entre as duas empresas".

Fotografia colorida mostra fachada da sede da Petrobras. Em primeiro plano, pessoas circulam pela calçada.
Patrocínio da Petrobras a pilotos da Fórmula 1 foi firmado no governo Temer - Mauro Pimentel - 9.mar.2020/AFP

O PT é o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também na disputa à presidência, e principal opositor de Bolsonaro, figurando, no momento, como líder nas pesquisas eleitorais.

Na mesma postagem, o autor menciona que Bolsonaro também descobriu gasto mensal de R$ 1 milhão para guardar um avião da Funai. No ano passado, o órgão fez leilão das seis aeronaves que ainda possuía, e com as quais tinha despesas para parqueamento, hangaragem [que inclui serviços como estacionamento, armazenamento, limpeza, abastecimento de energia da aeronave quando necessário, e orientação de pouso e decolagem] e tarifas dos locais em que estavam guardadas.

Em julho de 2019, quando identificada a condição dos aviões, o custo anual do aluguel era de R$ 700 mil por todas as aeronaves, não apenas uma. Em nota, a Funai informou que "as seis aeronaves foram arrematadas pelo total de R$629.500, valor que foi recolhido ao Tesouro Nacional", mas não revelou os gastos para mantê-las no período em que estiveram paradas.

A gravação ainda traz outra alegação: o autor afirma que a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, se reuniu com o ministro do STF Edson Fachin para censurar as redes sociais, uma alegação que carece de contexto. A equipe jurídica do partido teve encontro em maio deste ano com o magistrado, que à época ocupava a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para discutir meios de barrar o avanço da desinformação e das chamadas fakes news, particularmente nas eleições. Então, a proposta seria impedir a circulação do que é enganoso e falso, não de todos os conteúdos da internet como é insinuado no conteúdo investigado.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação

Até as 13h30 de 1º de setembro havia mais de 113 mil visualizações e de 11 mil curtidas. A postagem recebeu também 1.369 comentários e foi compartilhada 2.499 vezes.

O que diz o autor

O dono da postagem foi procurado pelo Kwai, mas não retornou até o fechamento da reportagem.

Como verificamos

O primeiro passo foi pesquisar pelas palavras-chaves que constavam no vídeo investigado. No Google, a equipe procurou "Petrobras" + "Fórmula Um" e a consulta retornou reportagens nas quais, entre outras informações, era citada a rescisão do contrato da petrolífera com a McLaren.

Com o nome da escuderia patrocinada, nova pesquisa foi feita e a equipe identificou que conteúdos de desinformação sobre esse contrato da Petrobras já haviam sido desmentidos anteriormente. Em 2019, a agência Lupa apontou que era falso que o contrato foi rompido com a McLaren para direcionar os recursos à educação.

No mesmo ano, a UOL revelou que não era verdade o conteúdo de um tuíte de Bolsonaro, em que o presidente afirmava que o valor pago pela Petrobras era todo em publicidade com a escuderia. No final do ano passado, o Estadão Verifica tratou como boato a alegação feita dois anos antes sobre o destino da verba do patrocínio suspenso.

A reportagem também pesquisou no Google sobre os gastos com aeronaves da Fundação Nacional do Índio, usando os termos "Funai" + "aviões" + "abandono". Matérias jornalísticas abordam o problema (Poder 360, Exame, Estadão, Agência Brasil), mas não há informações sobre gasto de R$ 1 milhão por mês para guardar apenas um avião, como alegado pelo autor do vídeo. Esse valor era a estimativa de faturamento com o leilão dos aviões.

Também em pesquisa a reportagem buscou conteúdos que relacionassem Gleisi Hoffmann, Edson Fachin e redes sociais. A consulta retornou matérias sobre a iniciativa do PT em conter a circulação de desinformação.

O projeto ainda enviou emails à Petrobras e à Funai e encontrou, no site da McLaren, um comunicado sobre o assunto.

O contrato e a rescisão

Ao contrário do que foi insinuado no vídeo, o contrato firmado entre a Petrobras e equipes de F1, e depois rompido por Bolsonaro, não se deu na gestão do PT. Segundo a assessoria da petrolífera, a parceria com a McLaren começou em fevereiro de 2018. Naquele ano, Michel Temer (MDB) estava na presidência da República.

Quando houve o rompimento, reportagens que abordaram o assunto apontaram que o valor, contratado em libras esterlinas, chegava, à época, em R$ 872 milhões, conforme um documento que tratava sobre os primeiros nove meses da gestão de Bolsonaro.

O fim do contrato, ainda de acordo com a comunicação da empresa, ocorreu em novembro de 2019, mas a Petrobras não revela valores devido à cláusula de confidencialidade. Na época em que a parceria foi desfeita, a McLaren divulgou um comunicado informando sobre o término do contrato com a Petrobras. Também sem detalhar valores, a equipe de automobilismo afirma que "a Petrobras e a McLaren Racing concluíram seu acordo técnico e de patrocínio por mútuo consentimento."

Pelo comunicado, é possível observar que o valor, embora não tenha sido divulgado, não era somente destinado à publicidade da Petrobras. "A parceria produziu claros avanços tecnológicos em combustíveis e lubrificantes e identificou oportunidades para futuras colaborações nas áreas comercial, tecnológica e de responsabilidade social entre as duas empresas".

O comunicado cita ainda Roberto Castello Branco, então presidente da Petrobras: "O projeto permitiu à Petrobras desenvolver gasolina e lubrificantes de alta tecnologia por meio de pesquisas com novas matérias-primas e testes realizados em condições extremas. O desenvolvimento tecnológico será aplicado em produtos lubrificantes e combustíveis".

Os patrocínios de petrolíferas são bastante comuns na categoria. A Petronas, estatal petrolífera da Malásia, patrocina a escuderia Mercedes AMG há alguns anos, assim como a Shell, empresa de combustíveis britânica, patrocinadora da Ferrari. Além do mero patrocínio estampando as marcas nos carros, macacões e capacetes, os contratos costumam envolver pesquisas de desenvolvimento, que geram retorno para ambas as partes. A própria Petrobras tem hoje em suas bombas uma gasolina chamada de Petrobras Podium. O combustível foi desenvolvido durante uma passagem anterior da estatal brasileira pela categoria automobilística, em 2002, quando patrocinava outra equipe, a Williams.

Leilão

Em julho de 2019, conforme reportagem do Poder360, Bolsonaro publicou em sua conta no Instagram vídeo da ex-ministra Damares Alves em que mostrava a situação de abandono de um hangar no Aeroporto Internacional de Brasília. As aeronaves indicavam sinais de sucateamento.

Ainda segundo a reportagem, com informação atribuída à ex-ministra, o valor de aluguel pago para manter os aviões estacionados era de R$ 700 mil por ano e, com aluguéis atrasados, o custo chegava a R$ 3 milhões, apontou o Estadão na época. Pelas declarações de Damares, avalizadas por Bolsonaro, não havia um gasto mensal de R$ 1 milhão com apenas uma aeronave, como sugerido no vídeo aqui investigado.

A reportagem procurou a equipe de comunicação da Funai, que explicou que, em 2021, quase dois anos após o vídeo de Damares, a instituição ainda tinha seis das aeronaves em questão. Em "meados de 2021", afirmou a Funai, foi realizado o leilão das "seis aeronaves que faziam parte do patrimônio do órgão e estavam inoperantes há mais de uma década".

Segundo a fundação, eles foram fabricados entre 1971 e 1984 e eram considerados irrecuperáveis. O órgão não detalhou valores, se limitando a afirmar que "os aviões acarretavam despesas relativas à sua guarda e estadia". A Funai acrescentou que os leilões ocorreram nos meses de maio e junho de 2021, nos estados do Rio de Janeiro, Goiás, Pará e no Distrito Federal.

Ainda de acordo com a nota, "a ação representou economia aos cofres públicos de gastos com serviços de parqueamento, hangaragem e tarifas de permanência nas localidades em que se encontravam. A realização dos leilões buscou acelerar a venda dos ativos, potencializando o proveito econômico decorrente deles e minimizando riscos de má conservação. As seis aeronaves foram arrematadas pelo total de R$ 629.500, valor que foi recolhido ao Tesouro Nacional".

Reunião do PT e TSE

O autor do vídeo também faz referência a Gleisi Hoffmann, alegando que a presidente do PT teria se encontrado com o ministro Edson Fachin para censurar as redes sociais.

De fato, as redes sociais estiveram na pauta de uma reunião, em 20 de maio de 2022, do partido com o magistrado, quando ele ainda estava na presidência do TSE, mas o enfoque não era censura, cujo significado é "proibir a circulação pública de informação", em uma definição mais resumida. A proposta do encontro era buscar meios de conter a disseminação de conteúdos falsos e enganosos, portanto, desinformação.

Em fevereiro, o TSE já havia formalizado parceria com oito plataformas – Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, Kwai, WhatsApp e Google – para combater a desinformação sobre o processo eleitoral deste ano. No mês seguinte, o Telegram também aderiu ao programa e formalizou a parceria em maio. Mesmo com o engajamento das plataformas, o TSE, por outro lado, criou um sistema de alerta para casos de desinformação relacionados às eleições.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A postagem cita o PT, partido de um dos candidatos à presidência, atribuindo gastos financeiros que não foram assumidos na gestão do partido e insinuando que o patrocínio esportivo seria ato de corrupção. Conteúdos de desinformação como este afetam o processo democrático porque distorce a compreensão da realidade. A população tem direito de saber a verdade e basear suas escolhas em informações confiáveis.

A investigação desse conteúdo foi feita por GZH, CNN Brasil e A Gazeta e publicada em 1º de setembro pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Plural Curitiba, piauí, Metrópoles, Correio, Correio Braziliense, Estadão, Veja, Imirante e Alma Preta. 

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