Vídeo em que Bolsonaro critica direitos trabalhistas é de 2019

Não há registros recentes de declarações do presidente sobre extinguir direitos previstos na Constituição

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São Paulo

Uma postagem feita no TikTok reproduz trechos de entrevista antiga de Jair Bolsonaro para alegar que ele pretende acabar com direitos trabalhistas, caso seja reeleito. A entrevista em questão foi concedida ao SBT em 2019 e não há registros recentes de declarações do presidente para extinguir direitos previstos na Constituição Federal.

A peça de desinformação, como verificado pelo Projeto Comprova, foi postada em 6 de setembro deste ano, mas as declarações do presidente, reproduzidas na postagem, foram dadas aos jornalistas Carlos Nascimento, Débora Bergamasco e Thiago Nolasco no dia 3 de janeiro de 2019. Entre outros assuntos, na época, o presidente falou sobre reformas e emprego.

Embora o presidente tenha, de fato, declarado nessa entrevista que há direitos trabalhistas demais no Brasil, ele reconheceu que não poderia alterar alguns desses benefícios, já que eles são cláusulas pétreas da Constituição, ou seja, não podem ser mexidos nem mesmo com emendas.

Bolsonaro, homem branco, está de camisa social branca, gravata listrada e paletó escuro. Ao fundo, parede de madeira com metade superior com desenho. Ele gesticula com as duas mãos
Jair Bolsonaro em entrevista ao SBT em janeiro de 2019 - Alan Santos - 3.jan.2019/PR

Por outro lado, Bolsonaro disse que seu governo pretendia avaliar a viabilidade de acabar com a Justiça do Trabalho, propondo que as causas trabalhistas passassem a ser analisadas pela Justiça comum. O projeto não foi adiante durante o seu mandato.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação

No TikTok, a peça verificada alcançou mais de 697,7 mil visualizações, 8.542 curtidas, 1.068 comentários e 13,8 mil compartilhamentos até o dia 14 de setembro de 2022.

O que diz o autor

O TikTok não permite o envio de mensagens entre contas que não se seguem mutuamente. A reportagem buscou o perfil do autor da publicação em outras redes sociais, mas não encontrou correspondências até o fechamento desta verificação.

Como verificamos

A verificação começou com buscas no Google pelos termos "entrevista", "Bolsonaro" e "SBT". Os resultados apontaram para alguns momentos em que o chefe do Executivo conversou com jornalistas e personalidades da emissora ao longo dos seus quase quatro anos de mandato.

Um dos vídeos, presentes no canal do YouTube do SBT e datado de 2019, mostra Jair Bolsonaro com a mesma gravata em que aparece na postagem alvo da checagem e com o mesmo cenário de fundo. Assistindo à entrevista, é possível concluir que se trata do mesmo momento reproduzido no vídeo checado.

O Comprova também procurou, por e-mail, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) para questionar sobre a proposta de extinção da Justiça especializada nas questões trabalhistas e sobre ações adotadas pelo governo federal que tenham afetado o direito do trabalhador. Não houve retorno às solicitações.

A equipe de reportagem ainda fez contato com o gabinete da Presidência, que redirecionou os questionamentos apresentados ao Ministério do Trabalho. O órgão federal também não retornou o contato.

Em 2019

A declaração do presidente Jair Bolsonaro utilizada em recortes do vídeo alvo da checagem é de janeiro de 2019, portanto, do início do mandato da atual gestão federal. A fala ocorreu durante uma entrevista ao SBT que foi ao ar no dia 3 de janeiro daquele ano (a partir de 9min e 6seg). A posse de Bolsonaro foi no dia 1º do mesmo mês. Na entrevista, o presidente conversou com os jornalistas Carlos Nascimento, Débora Bergamasco e Thiago Nolasco. Entre os assuntos comentados, ele falou sobre temas como a reforma da Previdência e questões envolvendo a Justiça do Trabalho.

Em um trecho da entrevista, Carlos Nascimento questiona Bolsonaro sobre a possibilidade de uma nova reforma trabalhista ser encaminhada pelo seu ministro da Economia, Paulo Guedes, e se as eventuais mudanças poderiam afetar os trabalhadores. A pergunta do jornalista teve como base uma declaração feita por Guedes à época: de que a gestão de Bolsonaro abandonaria a "legislação fascista" da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em referência à proposta de criação da Carteira Verde e Amarela.

O presidente respondeu que Guedes sabia que "os direitos trabalhistas são previstos no artigo 7º da Constituição e não podem ser mexidos por emenda, porque estão na tal das cláusulas pétreas" e que o que o ministro pretendia fazer era "facilitar a vida de quem produz no Brasil".

Recriação

No primeiro dia de seu governo, Bolsonaro extinguiu o Ministério do Trabalho. À época, com 88 anos de atuação no país, a pasta foi incorporada pelo Ministério da Economia. A medida já vinha sendo anunciada por Bolsonaro meses antes de assumir a presidência. Em novembro de 2018, o atual presidente informou que a pasta do Trabalho seria incorporada "a algum ministério", sem dar mais detalhes. A declaração gerou manifestações de servidores contrários à extinção.

Pouco mais de dois anos depois, em julho de 2021, Bolsonaro editou uma medida provisória que recriou a pasta, agora como Ministério do Trabalho e Previdência. Na ocasião, o deputado federal Onyx Lorenzoni (PL-RS) foi nomeado para o cargo de ministro. Segundo o texto que recriou o ministério, a pasta ficaria responsável por áreas como: Previdência, Previdência complementar, política e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador, política e diretrizes para a modernização das relações de trabalho, fiscalização do trabalho, política salarial, intermediação de mão de obra, formação e desenvolvimento profissional, segurança e saúde no trabalho, regulação profissional e registro sindical.

A alteração fez parte de uma minirreforma ministerial feita por Bolsonaro na época. Antes, Lorenzoni estava no comando da Secretaria-Geral da Presidência da República. Quando ele foi para o Ministério do Trabalho, a vaga foi ocupada por Luiz Eduardo Ramos. Já Ramos estava à frente da Casa Civil, cargo que passou para Ciro Nogueira, presidente nacional do PP e um dos integrantes do centrão. Bolsonaro convidou Nogueira para comandar a pasta com o objetivo de conseguir apoio no Congresso na época.

Sobre a recriação da pasta, a reportagem questionou o governo sobre os motivos de ter recriado o Ministério do Trabalho cerca de dois anos após extingui-lo e se havia alguma intenção de eliminar a Justiça do Trabalho. Não houve retorno.

Carteira Verde e Amarela

O projeto da Carteira Verde e Amarela foi uma das principais apostas do governo Bolsonaro referentes ao setor trabalhista durante o seu mandato. Nos últimos anos, houve múltiplas tentativas de implementá-lo, mas sem sucesso. Ainda em 2019, o presidente editou uma medida provisória (MP 905/2019) que criava o programa.

A ideia era reduzir impostos das empresas para estimular contratações de jovens, que poderia ser viabilizada pela alteração de algumas regras previstas pela CLT. A MP chegou a ser aprovada na Câmara, mas não foi votada no Senado e acabou sendo revogada pelo próprio chefe do executivo.

Em 2021, a Medida Provisória 1.045/2021 foi apresentada para a criação de um novo programa de redução ou suspensão de salários e jornada de trabalho durante a pandemia de covid-19. No entanto, o texto sofreu diversas alterações na Câmara dos Deputados e passou a instituir três novos programas de geração de emprego e qualificação, além de alterar a CLT e outros dispositivos. Com isso, a MP passou a ser chamada de "minirreforma trabalhista". Ao chegar no Senado, o texto foi majoritariamente rejeitado.

Reportagem do jornal Estado de S. Paulo, publicada em agosto deste ano, mostrou que o ministro Paulo Guedes já demonstrou interesse em que a proposta da Carteira Verde e Amarela seja retomada num eventual novo mandato de Bolsonaro.

O que diz o governo

O Comprova questionou o governo, via Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), sobre a alegação do vídeo checado e solicitou um posicionamento sobre as medidas adotadas para assegurar os direitos dos trabalhadores. Posteriormente, a Secom informou que a demanda seria reencaminhada para o Ministério do Trabalho e Previdência. Não houve retorno do governo após o encaminhamento feito pela secretaria.

Na página 15 do documento do plano de governo de Jair Bolsonaro de 2022, no entanto, localizado na plataforma DivulgaCand Contas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a reportagem encontrou informações sobre os posicionamentos e pretensões do presidente quanto aos direitos trabalhistas caso seja reeleito. No programa, o chefe do executivo afirma que: "a geração de emprego e renda deve preservar aspectos básicos do trabalhador, como saúde do trabalho, seus direitos trabalhistas, respeito à dignidade humana e levar ao bem-estar social".

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A postagem faz referência a Jair Bolsonaro, candidato à reeleição em 2022. A desinformação no período eleitoral é danosa ao processo democrático porque retira das pessoas o direito de fazer suas escolhas baseadas em conteúdos verdadeiros e confiáveis.

A menos de um mês do primeiro turno, as eleições são tema preferencial de conteúdos de desinformação. O Comprova já demonstrou, por exemplo, que é enganoso que o preço da carne está associado a um complô com o PT e que Simone Tebet iria retirar dinheiro dos pobres.

A investigação desse conteúdo foi feita por O Povo, A Gazeta e O Popular e publicada em 14 de setembro pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Nexo, UOL, Plural Curitiba, O Dia, Metrópoles e piauí.

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