Espírito de Odorico Paraguaçu está vivo, diz advogado, sobre assédio eleitoral

Aumento de casos vêm de maior conscientização, diz procuradora eleitoral; OAB-SP discutiu o tema em painel nesta sexta (21)

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São Paulo

O aumento de denúncias de assédio eleitoral mostra que continua vivo o espírito de Odorico Paraguaçu, o prefeito de Sucupira interpretado por Paulo Gracindo na novela O Bem-Amado, diz o advogado Alexandre Rollo, especializado em direito eleitoral.

"O voto de cabresto sempre existiu e, infelizmente, continua existindo em pelo século 21. Nós tivemos no século passado a questão do coronelismo. Por exemplo, o Odorico Paraguaçu. Ele constrange os eleitores de Sucupira para votarem ou deixarem de votar em determinado candidato. Não devia mais existir esse tipo de situação", disse ele em painel organizado pela Comissão de Observatório Eleitoral da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo) para discutir assédio eleitoral, nesta sexta (21).

São patrões que ameaçam demissões, mudam cargas horários para evitar que os funcionários votem, pedem que esses trabalhadores filmem suas escolhas na urna, preveem falências e até prometem salários extras a depender do resultado das eleições: os casos de assédio eleitoral registrados pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) já passavam de 900 na quinta (20), a dez dias do segundo turno.

 Odorico Paraguaçu, interpretado por Paulo Gracindo, no seriado 'O Bem-amado'
Odorico Paraguaçu, interpretado por Paulo Gracindo, no seriado 'O Bem-amado', de 1973, um expoente do coronelismo - TV Globo/Nelson di Rago

"O assédio sempre existiu. Inclusive falava-se do voto de cabresto, que existia antigamente. Agora, a sociedade ficou mais complexa, há mais pessoas, mais empresas, há tecnologia. A comunicação aumentou e a gente está sabendo de mais coisas, podendo agir com mais eficiência", afirmou a procuradora regional eleitoral em São Paulo, Paula Bajer, os dados refletem uma maior visibilidade desse tipo de conduta.

Segundo o glossário eleitoral brasileiro, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), no voto de cabresto, o eleitor não escolhe seu candidato. Quem faz a escolha é um chefe político ou um cabo eleitoral. Nessa prática, em geral, os eleitores eram levados todos juntos à seção de votação –e por isso o voto de cabresto é também associado ao termo "curral eleitoral".

Individualmente, patrões e empregados não perdem o direito a ter suas preferências por esse ou aquele candidato. O problema, diz a juíza do trabalho Lorena Colnago, é quando isso é feito dentro do ambiente de trabalho.

As empresas não podem se envolver ativamente nas campanhas eleitorais. Não podem fazer doações ou campanha. Quem pode é o indivíduo, a pessoa física. Com isso, o uso de broches, camisetas, bonés ou adesivos é proibido, e o empregador que faz esse tipo de exigência pode ser enquadrado criminalmente, pelo assédio previsto no código eleitoral, mas também na esfera trabalhista.

No caso de crime eleitoral, há previsão até mesmo de pena de reclusão, além de a empresa sofrer sanções como a proibição de emprestar dinheiro de bancos públicos. A possibilidade de prisão foi citada pelo atual presidente do TSE, Alexandre de Moraes, em reunião para discutir o tema na última terça (18): "Na hora que prender dois ou três, eles param rapidinho".

Para Rollo, a polarização política atual tem um efeito potencializador na decisão de eleitores de tomar posições mais radicais a favor de suas preferências político-partidárias. "Acaba fazendo com que o time do candidato A acabe se envolvendo mais e fazendo besteira a favor desse candidato e contra o B e vice-versa", afirma.

Na avaliação da procuradora eleitoral Bajer, o amadurecimento dos eleitores pesa mais do que a polarização. Hoje, diferentemente do que acontecia há 20 anos, a produção de provas é mais fácil: uma gravação de áudio, um vídeo em rede social, uma troca de mensagem por aplicativos, por exemplo, podem ser usados para demonstrar o abuso de poder ligado às eleições.

"Está mais claro para as pessoas quais situações são assédio. Há uma conscientização maior, as pessoas estão aprendendo a se comunicar. O uso da internet facilitou muito, você pode fazer a denúncia de forma anônima, tudo isso pesa", diz.

A juíza Lorena Colnago afirma que o assédio pode partir tanto do superior hierárquico –o patrão, de fato– quanto de maneira horizontal, quando outros funcionários constrangem ou ameaçam alguém por suas preferências. "Vemos denúncias de exclusão de um trabalhador que pensava diferente. Esse tipo de coisa macula a liberdade de expressão cívica."

A presidente da Comissão de Observatório Eleitoral da OAB-SP, Maíra Recchia, lembra ainda que as empresas têm responsabilidade objetiva pelos atos de seus funcionário.

Portanto, mesmo que o assédio parta de uma outra pessoa, que não o dono da companhia, a empresa responde pela omissão em repreender esse tipo de conduta. "É preciso ficar claro que a ameaça à liberdade do voto é uma ameaça à própria democracia."

ONDE DENUNCIAR ASSÉDIO ELEITORAL:

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