Descrição de chapéu The New York Times

Trabalhadores com deficiência ganham espaço em mercado aquecido nos EUA

Com a Covid levando mais empresas a aceitar home office, o emprego disparou no grupo

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Ben Casselman
The New York Times

O forte mercado de trabalho pós-pandemia americano está dando impulso a um grupo muitas vezes deixado à margem da economia: os trabalhadores com deficiência.

Os empregadores, desesperados por funcionários, estão reconsiderando os requisitos de emprego, revisando os processos de contratação e trabalhando com grupos sem fins lucrativos para recrutar candidatos que antes poderiam ter ignorado.

Ao mesmo tempo, a recém-descoberta abertura das empresas ao trabalho remoto trouxe oportunidades para pessoas cujas deficiências dificultam ou impossibilitam o trabalho presencial e o deslocamento diário.

Com a Covid-19 levando mais empregadores a aceitar trabalhos remotos, o número de adultos com deficiência empregados disparou - Sarah Rice/The New York Times

Em consequência, a proporção de adultos com deficiência que trabalham aumentou nos últimos dois anos muito além do nível pré-pandemia e até superou os ganhos de pessoas sem deficiência.

Em entrevistas e pesquisas, as pessoas com deficiência relatam que estão recebendo não apenas mais ofertas de emprego, mas melhores, com salários mais altos, maior flexibilidade e mais abertura para fornecer condições que antes exigiam uma batalha para conseguir.

"O novo mundo em que vivemos abriu um pouco mais as portas", disse Gene Boes, presidente e CEO do Northwest Center, organização de Seattle que ajuda pessoas com deficiência a se tornarem mais independentes. "As portas estão se abrindo mais porque há mais demanda por mão de obra."

Samir Patel, 42, que mora na área de Seattle, tem diploma universitário e certificações em contabilidade. Mas ele também tem transtorno do espectro do autismo, o que tornava difícil encontrar um emprego estável. Ele passou a maior parte de sua carreira em empregos temporários encontrados por meio de agências de recrutamento. O mais longo durou pouco mais de um ano; muitos duraram apenas alguns meses.

Neste verão, porém, Patel conseguiu um emprego permanente em tempo integral como contador em um grupo local sem fins lucrativos. O trabalho lhe trouxe um aumento de renda de 30%, juntamente com benefícios de aposentadoria, horários mais previsíveis e outras vantagens. Agora ele está pensando em comprar uma casa, viajar e namorar –passos que pareciam impossíveis sem a estabilidade de um emprego fixo.

"É um ganho de confiança", disse ele. "Houve momentos em que me senti deixado para trás."

Patel, cuja deficiência afeta sua fala e pode dificultar a comunicação, trabalhou com um coach de emprego no Northwest Center para ajudá-lo. Embora Patel geralmente prefira trabalhar no escritório, seu novo empregador também permite que ele trabalhe remotamente quando precisa –uma grande ajuda nos dias em que ele acha a sobrecarga sensorial do escritório esmagadora.

Kathryn Wiltz trabalhando de casa em Wyoming, nos Estados Unidos. - Sarah Rice/The New York Times

A lei federal proíbe a maioria dos empregadores de discriminar pessoas com deficiência e exige que eles façam ajustes razoáveis para incluir essas pessoas. Mas uma pesquisa descobriu que a discriminação continua comum: um estudo de 2017 revelou que pessoas em busca de emprego que declaravam uma deficiência tinham 26% menos probabilidade de interessar possíveis empregadores.

Mesmo quando conseguem um emprego, os trabalhadores com deficiência encontram barreiras para o sucesso, desde portas de banheiro que não conseguem abrir sozinhos até colegas de trabalho hostis.

Os trabalhadores com deficiência –assim como outros grupos que enfrentam obstáculos, como as pessoas com antecedentes criminais– tendem a se beneficiar desproporcionalmente de mercados de trabalho aquecidos, quando os empregadores têm mais incentivos para buscar grupos de talentos inexplorados. Mas quando vêm as recessões, essas oportunidades somem rapidamente.

"Temos um mercado de trabalho de ‘último a entrar, primeiro a sair’, e as pessoas com deficiência geralmente estão entre as últimas a entrar e as primeiras a sair", disse Adam Ozimek, economista-chefe do Economic Innovation Group, uma organização de pesquisa de Washington.

O trabalho remoto, entretanto, tem o potencial de romper esse ciclo, pelo menos para alguns trabalhadores. Em um novo estudo, Ozimek descobriu que o emprego aumentou para trabalhadores com deficiência em todos os setores conforme o mercado de trabalho melhorou, seguindo o padrão habitual.

Mas melhorou com especial rapidez em setores e ocupações onde o trabalho remoto é mais comum. E muitos economistas acreditam que a mudança para o trabalho remoto, ao contrário do mercado de trabalho superaquecido, provavelmente será duradoura.

Mais de 35% dos americanos com deficiência de 18 a 64 anos tinham empregos em setembro, contra 31% pouco antes da pandemia –um recorde nos 15 anos de registro pelo governo. Entre os adultos sem deficiência, 78% estavam empregados, mas suas taxas de emprego apenas voltaram ao nível anterior à pandemia.

"Adultos com deficiência viram as taxas de emprego se recuperarem muito mais rapidamente", disse Ozimek. "Essa é uma boa notícia, e é importante entender se é algo temporário ou permanente. Minha conclusão é que não apenas é uma coisa permanente, como vai melhorar."

A adoção repentina do trabalho remoto durante a pandemia foi recebida com certa exasperação por alguns líderes dos direitos das pessoas com deficiência, que passaram anos tentando, geralmente sem sucesso, convencer os empregadores a oferecer mais flexibilidade a seus funcionários.

"O trabalho remoto é algo que nossa comunidade defende há décadas, e é um pouco frustrante que a América corporativa tenha dito que é muito complicado, que perderia produtividade, e agora, de repente, é como: claro, vamos fazer isso", disse Charles-Edouard Catherine, diretor de relações corporativas e governamentais da National Organization on Disability.

Ainda assim, ele disse que a mudança é bem-vinda. Para Catherine, que é cego, não precisar se deslocar para o trabalho significa não voltar para casa com cortes na testa e hematomas na perna. E para pessoas com limitações de mobilidade mais graves, o trabalho remoto é a única opção.

Muitos empregadores estão reduzindo o home office e incentivando ou exigindo que os funcionários retornem ao escritório. Mas os especialistas esperam que o trabalho remoto e híbrido continue sendo muito mais comum e mais amplamente aceito do que antes da pandemia.

A Covid também pode reformular o cenário jurídico. No passado, os empregadores muitas vezes resistiam a oferecer trabalho remoto como uma solução para os trabalhadores com deficiência, e os juízes raramente exigiam que o fizessem. Mas isso pode mudar agora, já que tantas empresas conseguiram se adaptar ao trabalho remoto em 2020, disse Arlene S. Kanter, diretora do Programa de Políticas e Leis sobre Deficiência da Faculdade de Direito da Universidade de Syracuse.

"Se outras pessoas puderem mostrar que podem realizar bem seu trabalho em casa, como fizeram durante a Covid, então as pessoas com deficiência, por uma questão de adaptação, não devem ter esse direito negado", disse Kanter.

Kanter e outros especialistas alertam que nem todas as pessoas com deficiência querem trabalhar remotamente. E muitos trabalhos não podem ser feitos em casa. Uma parcela desproporcional de trabalhadores com deficiência está empregada no comércio e em outros setores onde o trabalho remoto é incomum. Apesar dos ganhos recentes, as pessoas com deficiência ainda têm menor probabilidade de estar empregadas e maior propensão a viver na pobreza do que as pessoas sem deficiência.

"Quando dizemos que é historicamente alto, isso é absolutamente verdade, mas não queremos enviar a mensagem errada e nos dar um tapinha nas costas", disse Catherine. "Ainda temos duas vezes mais chances de estar desempregados e ainda somos mal pagos quando temos a sorte de estar empregados."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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