Novos planos de limite do gasto e da dívida exigem licença para gastar pequena em 2023

Felipe Salto e Armínio Fraga e Marcos Mendes explicam em detalhes seus planos para a nova regra fiscal

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Vinicius Torres Freire

Colunista da Folha

Um aumento grande da dívida do governo em 2023 vai fazer com que o controle do endividamento se torne muito difícil, com risco de provocar um círculo vicioso: mais dívida, taxas de juros maiores, menos crescimento da economia, mais dívida etc.

O que é "grande"? Um aumento de dívida devido a um crescimento de mais de R$ 80 bilhões ou R$ 90 bilhões na despesa de 2023. O governo de transição para Lula 3 ora prevê um aumento do gasto federal de quase R$ 200 bilhões.

Tesoura já desgastada, fechada, sobre asfalto
Tesoura sobre asfalto em rua paulistana - Danilo Verpa - 27.mai.2022/Folhapress

Essa perspectiva de dívida alta e risco elevado de círculo vicioso fica evidente nas primeiras propostas mais detalhadas de um novo plano de contenção de endividamento, uma nova "regra fiscal". Isto é, de projetos para substituir o atual teto de gastos. Criada em 2016, o teto —limitação inscrita na Constituição— em tese proíbe que o aumento anual de gastos federais vá além da inflação registrada no ano anterior ao da realização da despesa (foi furada desde 2019).

Em duas dessas propostas, a ideia de base é uma meta para a relação dívida/PIB (o tamanho da dívida pública em relação ao tamanho da economia). Essa meta seria alcançada por meio de uma limitação anual do gasto do governo federal que seja compatível com o objetivo, o tamanho da dívida em determinados anos. Isto é, um novo "teto", ajustável de acordo com a necessidade.

São as propostas apresentadas pelo secretário da Fazenda do estado de São Paulo, Felipe Salto, e colaboradores (vide nomes no final deste texto), e dos economistas Armínio Fraga e Marcos Mendes, por exemplo.

Salto diz que ajuste duro ou folgado demais não é crível e propõe queda suave da dívida

No plano de Salto e colaboradores, a meta para a dívida bruta do governo é de 78% do PIB em 2036 (data do fim do regime fiscal instituído com o teto, em 2016). Há uma meta intermediária: a dívida em 2026 (fim do governo Lula 3) não poderia crescer mais do que 5 pontos percentuais de 2023. Isto é, ir de estimados 79% em 2023 do PIB para até 84% em 2026. Em suma, a partir de 2027 a dívida teria necessariamente de baixar, em direção à meta de 78% do PIB em 2036.

A cada ano, o governo seria obrigado a apresentar, nas leis orçamentárias, uma projeção de receita e despesa compatível com a trajetória de redução da dívida para aquelas metas. Isto é receitas de impostos e receitas extraordinárias (como de privatizações, por exemplo), de gasto e o saldo necessário (superávit primário) necessário para abater a dívida.

Entendemos que nossa proposta é adequada: é um meio do caminho que combina ajuste no gasto e na receita. De que adianta ter uma regra supostamente dura se se mostra inviável? Um corte grande de gastos, imediato, assim como um aumento de receita na mesma medida, nos parece inviável

Felipe Salto

secretário da Fazenda de SP

O teto permaneceria. Mas seria corrigido anualmente pela variação da inflação (como agora), mais um incremento equivalente à metade da média do crescimento do PIB nos cinco anos anteriores. As despesas com o Bolsa Família ficariam permanentemente fora do teto.

Mas, ressalte-se, a depender da necessidade de abatimento da dívida, não seria possível gastar toda a despesa prevista pelo teto. Em casos de incompatibilidade de receita e despesa com a trajetória definida da dívida, o governo estaria sujeito a restrições de aumento de despesas já previstas na Constituição.

No gráfico é possível observar as diferentes trajetórias da dívida, a depender do gasto adicional em 2023 e de premissas econômicas. A receita federal cresce de 17,5% do PIB em 2023 para 19% em 2026 e aí fica. A taxa real de juros cai de 6% para 3% em 2026 e aí fica. A economia cresce 1% em 2023 e 2% ao ano, daí em diante. A cada ano, há uma receita extraordinária de 0,5% do PIB.

É claro que tais indicadores podem variar. Trata-se apenas de um exercício que tenta não ser muito irrealista. Uma possibilidade de variação dessas hipóteses iniciais depende do tamanho inicial da dívida e de seu crescimento e da reação dos credores do governo. Quanto maiores a dívida inicial e o endividamento extra, maior a taxa de juros e menor o crescimento, por exemplo.

Este plano foi apresentado ao vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, que chegou a comentá-lo de passagem em algumas entrevistas. Na opinião de economistas do setor financeiro privado, a meta de Salto et alli seria muito folgada.

Salto, o secretário da Fazenda paulista e ex-diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, diz que é preciso ter uma meta crível, nem apertada nem folgada demais. Uma meta apertada, que demandaria cortes de despesa e aumentos de receita de tamanho inviável, também é pouco crível.

PLANO SALTO EM 6 PONTOS

  1. meta para dívida bruta do governo: 78% do PIB em 2036
  2. meta intermediária para dívida: crescimento de no máximo 5 pp de 2023 ao final de 2026
  3. compromissos com a meta: apresentação anual, nas leis orçamentárias, de projeção de receita e despesa compatível com a trajetória de redução da dívida
  4. teto de gastos: permanece, corrigido anualmente pela variação da inflação mais a metade da média do crescimento do PIB nos cinco anos anteriores
  5. despesas com Bolsa Família: ficam permanentemente fora do teto
  6. trava nas despesas: se receita e despesa ficarem incompatíveis com a trajetória definida da dívida, aumento de despesas fica restrito às já previstas na Constituição



Salto, secretário da Fazenda paulista, elaborou sua proposta com o chefe de sua assessoria, Josué Pellegrini, e com Eduardo Walmsley Carneiro, Fernando Facury Scaff, Cristiane Coelho, José Roberto Afonso, Guilherme Tinoco.

Armínio e Mendes propõe ajuste mais rápido e duro para não deixar dívida sair do controle

O plano de Armínio Fraga e Marcos Mendes diz que um aperto maior é inevitável, a fim de que a meta seja crível: bastante para evitar aumentos de juros etc. que provoquem aquele círculo vicioso. Fraga, sócio-fundador da Gávea Investimentos, foi presidente do Banco Central sob FHC 2. Mendes, pesquisador-associado do Insper, foi um dos autores do projeto do "teto", quando no governo de Michel Temer.

Os economistas argumentam que o gasto público aumentou sem limite no Brasil a partir de 1997 até fins da década de 2010, também por causa de instituições e conflitos políticos do país. A fim de evitar um crescimento sem fim da dívida, foi necessário aumentar a receita do governo (da carga tributária), mesmo que o endividamento tenha sido atenuado por superávits primários neste século, até 2013. A carga tributária não pode crescer sem limite; a tolerância social e política com aumento de impostos seria mínima desde 2007 (fim da CPMF) e impostos excessivos provocam ineficiências econômicas.

Poderia haver um ajuste fiscal por meio de receita adicional por meio "de revogação de benefícios tributários em regimes especiais e no aumento da tributação do capital, em especial nos regimes tributários especiais, como Simples e de Lucro Presumido. Em ambos os casos há grande dificuldade política para revogar legislação que têm ganhadores bem-organizados e mobilizados na defesa de seus privilégios", escrevem Fraga e Mendes.

Como há rigidez nas despesas, e não é possível fazer um ajuste fiscal abrupto, só nos resta tentar minimizar o prejuízo em 2023 e começar 2024 sob uma regra fiscal nova e crível... pode ser uma ajuda importante no esforço da sociedade para evitar as graves consequências de um naufrágio fiscal.

Armínio Fraga e Marcos Mendes

Ex-presidente do BC e pesquisador associado do Insper, respectivamente

Regras tais como superávits primários e o teto foram desmoralizadas ou se tornaram inviáveis pela falta de outras mudanças (em gastos previdenciários, assistenciais, com servidores, em isenções indevidas de impostos, por exemplo).

Fraga e Mendes propõe uma regra de limitação do aumento da despesa compatível com a redução da dívida pública a um nível desejável e viável, que supõem ser 65% do PIB em 2032. A cada três anos, haveria projeções de receita para três anos adiante, sendo então definida e ajustada uma despesa compatível para que atinja, na média do período, um superávit primário bastante para limitar o crescimento da dívida (o superávit seria um resultado, não uma meta). O "teto", enfim, seria reajustado a cada três anos.

Fraga e Mendes fizeram um exercício de projeção da dívida a depender do gasto adicional previsto para 2023. Com uma "licença para gastar" ("waiver") de R$ 220 bilhões, a dívida vai a perto de 92% do PIB em 2023. Com um "waiver" de R$ 90 bilhões, a perto de 79% do PIB.

As premissas econômicas e de receita são as mesmas nos dois cenários. Ou seja, a depender apenas do gasto extra de 2023, a perspectiva é muito diferente. Pode piorar ainda mais. Mesmo no cenário "menos pior", a dívida subiria até 2027 (a 83,4% do PIB), com o que a taxa de juros tenderia a ser maior e o crescimento, menor. Isto é, mesmo o cenário mais otimista não se sustenta, argumentam.

Fraga diz que dá "muito peso" a 2026: teria de haver limitações de modo a mostrar um controle de endividamento até esse ano e, assim, diminuir o risco de círculo vicioso.

No entanto, "como há rigidez nas despesas, e não é possível fazer um ajuste fiscal abrupto, só nos resta tentar minimizar o prejuízo em 2023 e começar 2024 sob uma regra fiscal nova e crível", escrevem Fraga e Mendes.

Em vez de se fazer o ajuste (superávit primário necessário) pelo lado da receita, como ocorreu do Real até a primeira década do século, a despesa seria limitada (embora receitas adicionais possam ser necessárias).

Em cada ano, de resto, a despesa, não raro, era limitada de modo improvisado, a fim de se atingir a meta de superávit (por meio de "contingenciamentos" mais ou menos arbitrários e ineficientes do ponto de vista orçamentário e econômico).

Em caso de recessão, a receita de impostos cai. Na proposta Fraga-Mendes, a despesa estaria fixada por um período. Poderia então haver déficit ou superávit menor (ajudando, assim, a atenuar a baixa econômica: seria "anticíclica"). Mas teria de haver compensação em anos posteriores.

No exercício de Fraga e Mendes, o "waiver" de 2023 é de R$ 90 bilhões, como se disse. A dívida de 2023 é de 80,8% do PIB. A receita do governo federal cresce de 17,5% do PIB até 19,2% do PIB em 2025 (graças ao cancelamento de isenções tributárias) e por aí fica. Quanto maior o "waiver" de 2023, maior o esforço necessário: maior a restrição da despesa adiante, maior a necessidade de aumentar a receita (mais impostos, mais privatizações).

A taxa de juros real começa em 5% ao ano, cai até 3,5% em 2027 e a 3% em 2030 (a regra fiscal "crível" ajuda a diminuir a taxa de juros, supõe-se). O PIB cresce 0,7% em 2023 e 2% daí em diante. Considera-se que a "inflação do PIB" é 0,5 ponto percentual além do IPCA (o que ajuda a "inflar" o PIB e, tudo mais constante, a reduzir o tamanho relativo da dívida). A cada ano, obtém-se ainda 0,5% do PIB em receitas de privatizações.

Uma dívida de 80,4% do PIB em 2026, exigiria um crescimento zero da despesa entre 2024 e 2026, na média e em termos reais (e absolutos: em reais). A despesa, em relação ao PIB, cairia continuamente, de 19% para perto de 16% do PIB em 2032, com a dívida bruta chegando a 65% do PIB.

PLANO FRAGA-MENDES EM 5 PONTOS

  1. nível desejável e viável de dívida: 65% do PIB em 2032
  2. compromissos com a meta: a cada três anos, projeções de receita para três anos adiante e ajuste de despesa compatível com superávit primário que limite o crescimento da dívida
  3. teto de gastos: deixa de existir como é hoje e passa a seguir a regra acima, com ajuste a cada três anos
  4. ajuste excepcional: em caso de recessão ou choque, pode haver superávit menor do que o estipulado, com compensação nos anos posteriores
  5. prazo de implantação: minimizar o dano em 2023 e começar 2024 sob uma regra fiscal nova e crível
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