PT deve negociar regra substituta ao teto de gastos só em 2023

Partido prefere priorizar Orçamento do ano que vem e redesenhar marco fiscal com novo Congresso

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Brasília

O PT deve deixar para negociar com o novo Congresso Nacional, que assume em 1º de fevereiro de 2023, a regra fiscal que substituirá o atual teto de gastos a partir de 2024. Diferentes integrantes do partido avaliam que a prioridade até dezembro é garantir a execução no ano que vem das promessas feitas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a campanha.

Além de centrar esforços nas mudanças emergenciais, como a garantia do mínimo de R$ 600 para as famílias do Auxílio Brasil (que deve voltar a se chamar Bolsa Família), membros do PT preferem que a discussão seja feita com mais calma e com a nova configuração do Legislativo.

Na cúpula do PT, os relatos são de que ainda não há definição sobre o assunto. Economistas ligados ao partido dizem que a discussão mais intensa sobre o tema deve ficar para depois.

Preparativos do Governo de transição no CCBB. Na imagem, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann - Folhapress

O diagnóstico não inviabiliza tratativas iniciais sobre a regra no âmbito da equipe de transição, oficializada na sexta-feira (4) com a nomeação do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), para o cargo de coordenador do grupo.

O governo de transição terá até 50 cargos remunerados, mas deve contar também com colaboradores voluntários para ajudar a coligação vencedora das eleições a estruturar as primeiras medidas de governo. A área econômica costuma receber uma atenção especial nessa fase de preparação, e a expectativa é que o time conte com economistas e técnicos experientes na área.

O partido já vinha conduzindo estudos sobre as alternativas para substituir o teto de gastos, criado em 2016 no governo Michel Temer (MDB) e que limita o crescimento das despesas à variação da inflação. No entanto, uma definição só é esperada após a resolução do impasse em torno do Orçamento de 2023.

O time de Lula avalia hoje duas propostas principais. Uma delas prevê a retomada da meta de superávit primário como principal âncora fiscal, mas com bandas que assegurem espaço para acomodar imprevistos, como gastos emergenciais ou frustrações de receita.

Outra opção é manter um limite para despesas, mas com crescimento acima da inflação. Esse modelo também daria mais flexibilidade para gastos considerados de maior qualidade, como investimentos públicos.

Pessoas próximas às discussões avaliam que a regra de superávit primário tem chances de prevalecer, uma vez que Lula tem batido na tecla de que pretende revogar o teto de gastos. O presidente eleito também já disse que não precisa de lei para responsabilidade fiscal, o que foi entendido por auxiliares como senha para o fim do limite de despesas.

A retomada do uso do superávit como principal âncora remeteria às gestões anteriores de Lula. Entre 2003 e 2010, ele governou com base no chamado tripé macroeconômico, com superávit primário, meta de inflação e câmbio flutuante.

Nos bastidores, porém, economistas reconhecem que o cenário econômico de 2022 é distinto do encontrado em 2002. O endividamento, por exemplo, está em patamar mais elevado, embora sua composição seja mais favorável do que no passado, quando havia maior fatia da dívida brasileira denominada em dólar —deixando o país mais vulnerável a choques externos.

Ainda que o presidente eleito tenha preferência pela revogação do teto, há uma preocupação em relação ao efeito disso sobre a expectativa de investidores e empresários —que precisam confiar na viabilidade do país para aceitar colocar seu dinheiro na economia.

Por isso, não se descarta discutir algum tipo de trava nas despesas, de forma a complementar a busca pelo superávit nas contas.

Durante a campanha, um grupo de economistas próximos ao partido defendia uma estratégia conjunta, que incluísse a apresentação simultânea do tamanho da fatura para 2023 e da proposta de nova regra fiscal.

A justificativa para essa ideia é que a apresentação da nova regra pode servir para acalmar o mercado diante da licença para gastar acima do teto (chamada de "waiver'') –que pode resultar em ao menos R$ 150 bilhões extras no ano que vem.

O mercado financeiro também cobra justamente uma indicação mais explícita sobre esses pontos. A trajetória de gastos esperada durante o novo governo petista é crucial para saber como ficará o endividamento do país.

No Congresso, representantes do partido dizem abertamente que a discussão da regra fiscal deve ficar para um segundo momento, quando a equipe econômica estiver formada. Qualquer nome indicado pelo novo governo para comandar o Ministério da Fazenda deve influenciar na decisão sobre a nova regra.

Interlocutor do PT nas negociações do Orçamento, o ex-governador do Piauí e senador eleito Wellington Dias afirma que a equipe não está tratando da regra fiscal neste momento, uma vez que a prioridade é assegurar os recursos para o Bolsa Família e as demais prioridades do partido.

O deputado federal Ênio Verri (PT-PR), que também vem participando dessas articulações, diz que o assunto será tratado depois de janeiro.

"A única coisa que estamos discutindo agora é a transição e o ajuste do Orçamento para 2023. É esse o debate que estamos fazendo", afirma. "Debate de regra fiscal vai ter a partir da posse do presidente Lula com seu respectivo ministro da Fazenda, ou da Economia que seja, que vai tocar isso daí."

O partido não chegou a comunicar de forma oficial que as tratativas da regra fiscal devem se estender para o ano que vem. Alguns ainda consideram que o debate pode caminhar em paralelo ao avanço da chamada PEC da Transição.

Debate de regra fiscal vai ter a partir da posse do presidente Lula com seu respectivo ministro da Fazenda, [...] que vai tocar isso daí

Ênio Verri (PT-PR)

Deputado federal reeleito

Entre técnicos da área econômica que já passaram por diferentes administrações, a avaliação é de que será difícil chegar a um modelo final até o fim do ano. Embora não seja uma tarefa impossível, a discussão é vista como complexa para ser tocada de forma tão rápida, ainda mais junto com a negociação da PEC da Transição.

Dentro do próprio partido, há o reconhecimento de que a negociação da nova regra não será tarefa simples. Ainda que Lula defina a preferência por um modelo ou outro, há uma série de detalhes a serem debatidos, como parâmetros usados como meta ou limite e válvulas de escape para momentos extremamente atípicos —como uma situação de calamidade.

As discussões em torno da questão fiscal são acompanhadas de perto pelo mercado, que teme que a solução final gere uma trajetória explosiva para a dívida pública ao longo dos próximos anos se a expansão de despesas em 2023 for somada a uma regra mais flexível para os exercícios seguintes.

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