O novo mercado de câmbio em Cuba provocou uma reação especulativa que levou o dólar a um preço recorde no mercado paralelo, para depois cair. Esse sobe e desce "é uma loucura", dizem os cubanos, que querem adquirir a moeda para enfrentar a crise econômica, viajar, ou emigrar.
"Isso aqui é uma loucura, porque há muita instabilidade com o preço do dólar", disse à AFP Jaqueline Reyes, universitária de 46 anos à espera da entrega de seu visto para viajar.
No início do mês, o dólar americano atingiu um preço recorde de 200 pesos cubanos no mercado informal, bem acima dos 120 pesos nas casas de câmbio do país.
Em apenas três semanas, porém, a moeda caiu para 165 pesos cubanos nas ruas, de acordo com El Toque, um site independente que publica diariamente o preço do dólar no mercado paralelo.
A explicação dos analistas: apesar da escassez de dólares e da especulação que impulsiona seu preço, o alto valor alcançado pela moeda americana desestimula os compradores.
Com a intenção de desarticular o mercado paralelo, o governo lançou em agosto um mercado formal de câmbio, fixando o preço do dólar em 120 pesos.
Para Pavel Vidal, chefe do departamento de Economia da Pontifícia Universidade Javeriana da Colômbia, em agosto e setembro houve uma "reação exagerada", que se deveu "ao efeito das expectativas" pela nova cotação.
A taxa de câmbio "desvalorizou demais (o peso caiu e o dólar subiu), acima do seu valor de equilíbrio de longo prazo e, agora em outubro, vem-se corrigindo" essa situação, afirma o especialista.
Escassez e especulação
"A forte demanda por moeda estrangeira para emigrar e a crise econômica explicam a desvalorização do peso", diz Vidal.
Mais de 200 mil cubanos chegaram aos Estados Unidos irregularmente em um ano, a maioria fugindo da pior crise econômica na ilha em quase 30 anos, causada pela pandemia e pelo reforço do embargo de Washington.
A maioria desses cubanos viaja para a Nicarágua, que não exige visto, de onde partem para o norte. Essa travessia pode custar até US$ 12 mil.
Para conseguir a moeda americana, "é preciso ir, inevitavelmente, ao mercado informal, porque o Estado não tem moeda suficiente para suprir toda demanda", diz Jaqueline Reyes.
As casas de câmbio vendem um limite de cem dólares por pessoa.
O jornal "Granma" publicou um artigo em meados de outubro, afirmando que um negócio "desonesto e ilegal" havia surgido em torno das casas de câmbio.
Muitas pessoas "ficam na fila [para] depois vender sua vez", enquanto outros levam amigos para que cada um adquira cem dólares à taxa oficial de 120 pesos e imediatamente "os revende a 160, ou 170 pesos".
Reyes confirma que é quase impossível comprar dólares nas casas de câmbio, porque esgotam em poucas horas.
"Infelizmente, 70% das pessoas que migram têm que se desfazer de todos os seus pertences, casas, tudo o que tiveram que construir", para obter moeda estrangeira, ressalta a mulher.
'Preço descomunal'
José Antonio Peña, um chef de 56 anos, sustenta ter sido prejudicado pela queda do preço do dólar.
"A minha casa que custava US$ 10 mil, passou a valer 5.000", devido à desvalorização do peso, afirma preocupado.
Para o economista cubano Mauricio de Miranda, a queda do dólar não se deve a uma maior oferta da moeda americana, "mas a uma queda na demanda produzida pelo altíssimo preço alcançado".
Os cubanos, especialmente aqueles que viajam para comprar produtos para revender na ilha, não estão dispostos a comprar a moeda nesses preços, porque seu negócio pode "não ser lucrativo", explica o economista.
O valor do dólar americano começou a disparar no mercado paralelo em janeiro de 2021, quando o governo aplicou uma dolorosa reforma financeira e fixou seu preço em 24 pesos por unidade.
Desde então, "as coisas fugiram do controle [...] Hoje você vai dormir com um preço, e amanhã você acorda com outro", descreve Reyes, que assegura que Cuba "nunca viveu uma situação tão crua, economicamente, como agora".
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