'Votei no Lula contra Collor e votei de novo, contra Bolsonaro', diz fundador da Natura

Pedro Passos, 71, espera que petista não governe para o PT e os interesses do partido

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São Paulo

Há cinco anos, quando foi questionado sobre quais as principais características que apreciava em um candidato, Pedro Passos enumerou: "Vontade de aprender, de ser bem-sucedido e a ética". Fundador e atual copresidente do conselho de administração da Natura&Co, Passos também apontou o que menos apreciava em um candidato: "Querer vencer a qualquer custo."

As perguntas, formuladas por jovens da Fundação Estudar (organização sem fins lucrativos que apoia a educação), referiam-se às qualidades de um candidato a uma vaga de emprego. Mas, para Pedro Passos, 71, servem perfeitamente para um candidato postulante a um cargo público.

O empresário votou em Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais deste ano, quando teve que decidir entre o petista e Jair Bolsonaro (PL). Mas Lula não foi a sua primeira opção. "Votei em Simone Tebet [MDB]", diz Passos que, como parte do empresariado brasileiro, buscava uma alternativa à polarização política.

Homem grisalho, de terno, sentado sozinho na ponta de um sofá bege
Pedro Passos, 71, um dos fundadores da Natura, que ocupa a presidência do conselho de administração do grupo - Karime Xavier/Folhapress

A emedebista ficou em terceiro lugar na corrida presidencial e, no segundo turno, apoiou abertamente Lula. Votar no petista em 30 de outubro, no entanto, não foi algo inédito na vida de Passos. "Votei no Lula contra Collor", diz o empresário, referindo-se ao segundo turno da corrida presidencial de 1989, disputada entre Lula e Fernando Collor de Mello (então do PRN e hoje do PTB).

Collor venceu as eleições por uma diferença de 4 milhões de votos, e colou em Lula, então na sua primeira disputa presidencial, a pecha de "comunista", enquanto se dizia defensor dos "descamisados" e dos "pés descalços". "O Collor nunca me inspirou confiança", diz Passos, que considera os quatro últimos anos do governo de Jair Bolsonaro "um retrocesso."

Agora, o empresário, engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), que em 1969 fundou a Natura ao lado dos amigos Guilherme Leal e Luiz Seabra, espera que Lula não governe para o PT e os interesses do partido.

"É importante para o Lula agregar pessoas que defendem uma linha de pensamento econômico diferente da do PT, que possam atenuar aquela imagem intervencionista que o mercado tem do partido."

Qual a sua avaliação sobre o segundo turno da campanha eleitoral e a vitória de Lula? A campanha em geral foi marcada por um debate pobre, especialmente durante o segundo turno. Não houve discussão de propostas. O país saiu da eleição mais dividido do que chegou.

O primeiro discurso do Lula foi bom, aberto, no sentido de pacificar o país. Ele sinalizou a abertura de uma frente maior, ampla, que é necessária neste momento para congregar outras forças políticas, como a Simone Tebet, que teve um papel muito importante no curso final da campanha eleitoral.

É importante para o Lula agregar pessoas que defendem uma linha de pensamento econômico diferente da do PT. Para governar, é preciso atrair estes outros quadros.

Lula foi sua primeira opção? Não, foi Simone Tebet. Mas eu não votaria em [Jair] Bolsonaro. Os últimos quatro anos foram um retrocesso, principalmente nas áreas social e ambiental. Em 2018 [quando Bolsonaro disputou a presidência com Fernando Haddad, do PT], eu anulei o voto.

Foi a primeira vez que o senhor votou em Lula? Não, eu já tinha votado nele em 1989, contra o [Fernando] Collor, que nunca me inspirou confiança.

Como o senhor avalia o ambiente pós-eleições? O clima de tensão no ar persiste, após o bloqueio de diversas estradas no país por bolsonaristas, contestando o resultado das eleições. Precisamos estar atentos a qualquer possibilidade de retrocesso.

Não acredito em golpe. As forças em que o presidente precisaria se apoiar para que isso acontecesse, as Forças Armadas, não estão comprometidas com esta ideia. Pelo menos esta é a minha torcida.

Quais são as prioridades do governo Lula em 2023? Em primeiro lugar, ele precisa estabelecer uma direção política e econômica mais clara, algo que não pode fazer até o momento. É preciso saber como o governo vai alocar recursos para cumprir promessas de campanha e ao mesmo tempo adotar uma política econômica e fiscal responsável.

É fundamental resgatar as relações exteriores e a política ambiental, como Lula já sinalizou em seu primeiro discurso. A disposição de instituições internacionais de apoiarem o Brasil sob a nova gestão indica que este processo será facilitado.

Existe um enorme constrangimento no país em retomar a política de responsabilidade fiscal. Mas hoje o teto de gastos está furado. É preciso adotar uma âncora fiscal razoável, que garanta ao Brasil uma posição mais sólida no futuro, além de promover as reformas tributária e administrativa. Isso vai trazer mais confiança para os investidores, tanto os brasileiros quanto os estrangeiros.

Quem poderia estar à frente da equipe econômica, na sua opinião? O presidente eleito tem muitos nomes de respeito para integrar a sua equipe econômica. Não gostaria de citar nenhum em especial. São nomes que, neste momento, podem deixar atenuada aquela visão intervencionista que o mercado tem do PT. Nomes que podem trazer uma visão política e econômica mais moderna ao partido.

Tenho a sensação de que Lula está mais aberto a compor uma frente maior que o PT. Se for nesta direção, o governo dele vai se fortalecer.

O senhor e seus sócios [Guilherme Leal e Luiz Seabra] fundaram a Natura em 1969, em pleno regime militar. Hoje a empresa é uma multinacional, um dos maiores grupos de higiene pessoal e cosméticos do mundo. Como expandir um negócio atravessando momentos políticos tão distintos? Sob diversos aspectos, o Brasil ainda é muito volátil. Nestes mais de 50 anos, vimos algumas vezes o descontrole da inflação, chegando à hiperinflação nos anos 1980, e antes disso um regime militar muito duro, que restringiu as liberdades civis. Mas agora estou feliz que o país tenha se mobilizado para vencer o retrocesso. Feliz por não ter voltado ao passado e constatado que as instituições democráticas funcionam.

Uma empresa não é uma ilha –para ela prosperar, precisa que a sociedade prospere também. Uma empresa como a Natura, de viés humanista, é a prova disso: as revendedoras são nossa base, nossa força. Elas precisam prosperar, ter lucro, para que o negócio se desenvolva. Também o meio ambiente, de onde extraímos nossas matérias-primas, precisa ser cuidado e preservado, para que o negócio tenha sustentabilidade.

Como o senhor definiria sustentabilidade? São decisões tomadas hoje que impactam gerações futuras, em todos os campos: econômico, social, ambiental, cultural e político também.

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