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A volta do cubículo? Escritórios pós-pandemia procuram o silêncio

À medida que profissionais voltam para ao presencial, gerenciar os níveis de som tornou-se uma arte

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Emma Jacobs
Financial Times

Os funcionários da Levenfeld Pearlstein, um escritório de advocacia em Chicago (EUA), estão se preparando para uma mudança em janeiro –do meio do distrito comercial da cidade para a margem do rio– livrando-se das bagunças de suas mesas e levando para casa seus pertences pessoais.

Não apenas o novo espaço de trabalho será menor (de cerca de 5.000 m² para 3.500 m²), mas também haverá menos escritórios individuais.

É um movimento que Kevin Corrigan, o diretor de operações, prevê que poderá causar transtornos. "Algumas pessoas vão pensar: ‘Eu trabalhei duro para ter o meu escritório, subi na hierarquia, e agora vão reduzir o tamanho do espaço. Talvez eu nem tenha um'. Será uma mudança para as pessoas."

Funcionários em espaço de coworking - Zé Carlos Barretta - 14.mar.2019/Folhapress

Não é apenas uma questão de ego. A empresa quer incentivar os funcionários a voltarem ao escritório em meio período, pois, como muitos empregadores, está adotando o expediente híbrido, uma mistura de trabalho em casa e no escritório. Normalmente, o tempo em casa é destinado ao trabalho focado, enquanto o local de trabalho é o destino para colaboração, reuniões pessoais e socialização.

A empresa de publicidade McCann, por exemplo, abriu novos escritórios na City de Londres e os vê como um centro de "criatividade, colaboração e conexão" com hack rooms, pitch rooms e zonas criativas, segundo Lucy d'Eyncourt-Harvey, sua diretora de operações. No entanto, diz ela, também há áreas mais silenciosas no novo espaço de trabalho.

Isso ocorre porque, inevitavelmente, os dias de trabalho nem sempre são fáceis de dividir em tempo focado e colaborativo e, portanto, o escritório também precisará de espaços privados e silenciosos.

Para alguns o escritório é um refúgio das distrações em casa –funcionários com filhos pequenos ou morando com um parente idoso, ou aqueles que dividem apartamentos e condições apertadas. Kristin Cerutti, designer-chefe da Nelson Worldwide, diz: "Você não pode generalizar. Muitas pessoas precisam do escritório para trabalhar focadas".

Corrigan afirma que a Levenfeld Pearlstein ainda fornecerá escritórios individuais, mas a grande maioria não será designada a uma pessoa, para que a equipe –secretários e advogados– possa se concentrar entre as reuniões, sessões de treinamento e orientação.

Após dois anos de confinamento e trabalho remoto, muitos trabalhadores administrativos estão achando mais difícil se concentrar em escritórios abertos.

Jeremy Myerson, professor emérito do Royal College of Art e coautor de "Unworking: The reinvention of the modern office" [Destrabalhando: a reinvenção do escritório moderno], diz: "Quando você passa dois anos sozinho, fica muito sensível ao ruído. O que ouvimos dos departamentos de RH é que as pessoas estão hipersensíveis a seus ambientes".

Além disso, a proliferação de ligações por Zoom significa que é mais provável que as pessoas estejam realizando uma reunião divertida em suas mesas, em vez de estar escondidas numa sala fora do alcance da voz.

Corrigan, da Levenfeld Pearlstein, diz que muita atenção foi dada à acústica no novo escritório. No entanto, algumas pessoas terão que ser convidadas a fechar suas portas e usar fones de ouvido, em vez de fazer chamadas em teleconferência pelo alto-falante. "Podemos construir a infraestrutura, mas precisamos incentivar as pessoas a usá-la."

A acústica é um dos maiores desafios, diz Mark Kowal, presidente do British Council for Offices. O "ruído rosa" é uma opção cada vez mais popular para disfarçar o ruído de fundo –na verdade, ele o usa em seu próprio local de trabalho, um escritório de arquitetura. Ele o descreve como "uma mistura artificial de frequências, que mascara o que você pode ouvir [e] se adapta ao número de pessoas no espaço".

Não se trata apenas de sensibilidades delicadas após a pandemia. Mesmo antes dos bloqueios, os trabalhadores enfrentavam espaços apertados em escritórios abertos. De acordo com o British Council for Offices, em 2001 havia cerca de uma mesa por 15 m² nos escritórios do Reino Unido, e em 2018 era uma por 9,6 m².

Em resposta às demandas do Zoom e à sensibilidade pandêmica, alguns projetistas e empregadores estão criando áreas tranquilas, longe do burburinho dos andares de plano aberto.

No grupo de coworking WeWork, a chefe global de design, Ebbie Wisecarver, diz que eles fornecerão dois tipos de espaços tranquilos. Áreas pop-in estarão disponíveis para os membros transitórios que vierem em alguns dias ou horas. Para os membros corporativos, haverá espaços privados com escritórios internos, salas de reunião, lounges e cozinhas.

"O coworking pode não ser tradicionalmente igualado à privacidade, mas à medida que mais organizações repensam suas pegadas imobiliárias rapidamente –sobretudo em setores como direito, saúde, serviços financeiros ou de dados, que normalmente exigem configurações mais formais e privadas– estamos vendo uma necessidade crescente", diz Wisecarver.

Este não é exatamente o renascimento do cubículo, criado na década de 1960 por Robert Propst na empresa de design Herman Miller. Concebido como um espaço de trabalho flexível e individual que oferece privacidade aos funcionários, abandonando as fileiras de mesas pesadas, logo se tornou um símbolo de profissionais de colarinho branco alienados, escreve Nikil Saval em seu livro "Cubed: The Secret History of the Workplace" [Encubados: a história secreta do local de trabalho].

O escritor Douglas Coupland descreveu os cubículos em "Generation X" (1991) como um "curral para engordar vitelas: estações de trabalho pequenas e apertadas, construídas com divisórias de parede desmontáveis forradas de tecido e habitadas por funcionários jovens. Como os cubículos de pré-abate usados pela indústria pecuária".

O próprio Propst ficou desiludido com a forma como o cubículo foi interpretado: "Nem todas as organizações são inteligentes e progressistas", teria dito ele em 2000. "Muitas são administradas por pessoas grosseiras. Elas fazem cubículos diminutos e enfiam as pessoas neles. Lugares estéreis, tocas de ratos."

Isso significa uma proliferação de salas telefônicas, espaços lotados ou escritórios privados que são compartilhados ou não designados. O grupo de tecnologia Microsoft criou recentemente um novo protótipo para o Flowspace Pod, uma espécie de casulo revestido de tecido projetado para trabalho focado.

Na Cisco, outro grupo de tecnologia, que descreve os escritórios na era pós-pandemia como "centros de colaboração de talentos", os designers preveem que os funcionários usem diferentes áreas adequadas ao seu trabalho ao longo do dia, incluindo huddles (salas para três pessoas) ou quiet rooms (para uma ou duas pessoas).

Bob Cicero, líder de construção inteligente da Cisco, diz: "Quando reconstruímos o espaço [durante a pandemia], fomos muito sensíveis à acústica". Isso significou criar paredes que vão do piso ao teto e caixilhos de portas selados, que evitam a fuga de som. "Medimos o ruído ambiente em todos os lugares." Isso inclui filtrar "o bebê chorando, cachorro latindo, soprador de folhas em casa: estamos filtrando esse ruído para o participante remoto para que possamos ter uma reunião produtiva".

Janet Pogue McLaurin, diretora global de práticas de pesquisa no local de trabalho da Gensler, uma empresa global de design, vê mais demanda por bibliotecas no local de trabalho, "criando zonas livres de tecnologia, mais silenciosas, como o vagão silencioso do trem. Nesta zona, a conversa ou a tecnologia podem ser proibidas. Uma biblioteca tem iluminação mais suave. Permite que as pessoas mudem de uma reunião de grupo para um foco profundo".

No entanto, como muita coisa no local de trabalho, essas salas precisam da aprovação do topo. Anne-Laure Fayard, professora catedrática de inovação social na Nova Escola de Negócios e Economia, fala sobre uma empresa que tinha investido muito numa biblioteca, mas não conseguia perceber por que os empregados não a utilizavam. "Começamos a conversar com as pessoas e perguntar. Elas diziam: ‘Somos uma empresa de inovações, temos que estar na sala, na energia. Não parece bom estar lá [na biblioteca] com muita frequência'." Descobriu-se que a diretoria também nunca usou a sala.

Fayard acredita que falta imaginação quando se trata de design. Em uma reunião recente, ela ficou deprimida ao saber dos planos de instalar cabines telefônicas para oferecer privacidade. "Imagine que o escritório do futuro são sofás e cabines telefônicas. Uau, não era isso que estávamos imaginando criativamente."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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