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Anticapitalismo e ESG ganham força em Harvard

Escolas de administração americanas politizam seus currículos

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Emma Goldberg
Nova York | The New York Times

Na Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard, um grupo de alunos estava debatendo o que faz do capitalismo um capitalismo verdadeiro e puro.

Quais são seus componentes essenciais? Direitos de propriedade. Mercados financeiros.

"Mas e a escassez?", questionou Andrew Gibbs, 32, estudante do segundo ano que ingressou em Harvard depois de uma passagem pelas Forças Armadas. "Haveria capitalismo se as pessoas se sentissem confortáveis?"

A professora Debora Spar, que leciona um curso disputado sobre capitalismo e Estado, voltou-se para Gibbs com um brilho nos olhos. "Você chegaria a afirmar que a escassez, que impulsiona a desigualdade, é uma condição necessária para o capitalismo?"

Gibbs parou para pensar. "Eu diria que sim."

No quadro negro, alguém anotou: Capitalismo. Escassez. Desigualdade.

Escola de administração da Universidade da Pensilvânia, que começará a oferecer MBA em diversidade, igualdade e inclusão e ESG - Hannah Yoon/The New York Times

A cada ano, cerca de 250 mil jovens descem da esteira rolante de seus empregos, boa parte em empresas de consultoria e investimento, para fazer cursos em busca de credenciais que turbinarão seus currículos.

Eles aprendem sobre FCDs (Fluxos de Caixa Descontados) e os três Cs (companhia, clientes e concorrentes), além de adquirirem a capacidade de pelo menos fingir um conhecimento profundo sobre o padroeiro da primazia dos acionistas, Milton Friedman.

Mas os alunos atuais das escolas de administração também estão aprendendo as obrigações sociais das empresas e como repensar o capitalismo, uma mudança no currículo das instituições de elite que reflete a transformação na cultura corporativa mais ampla.

Os líderes políticos de esquerda e de direita estão pedindo aos empresários que reconsiderem suas responsabilidades sociais.

À esquerda, eles argumentam que as empresas precisam desempenhar algum papel no combate a ameaças mundiais assustadoras –o aquecimento do planeta, a fragilidade da democracia. À direita, eles criticam os executivos por deixarem de lado a busca do lucro e se envolverem em política.

O fenômeno empresarial ESG (sigla para boas práticas sociais, ambientais e de governança), tornou-se centro de discórdia –mas também um setor que movimenta US$ 40 trilhões por ano (R$ 207,8 trilhões).

Elon Musk o definiu como farsa, depois que a Standard & Poor’s retirou a Tesla de seu índice ESG. Mike Pence, que foi o vice-presidente de Donald Trump, exortou recentemente os governos estaduais americanos a "colocar rédeas" no ESG. O grupo BlackRock divulgou uma carta em setembro na qual tentava rebater os críticos ao apontar, essencialmente, que o fato de que o grupo de investimento tinha foco no ambiente não o desviava de seu propósito principal: ganhar dinheiro.

Enquanto isso, muitos trabalhadores pressionam seus empregadores para tomarem posições mais firmes sobre questões sociais como a injustiça racial e o aborto.

Sala de aula na Universidade da Pensilvânia - Hannah Yoon/The New York Times

Nesse cenário, as escolas de administração de primeiro escalão estão entrando na arena política.

Harvard criou o seu Instituto para o Estudo dos Negócios na Sociedade Global, um mês atrás. Quase metade do currículo principal da Escola de Administração da Universidade Yale é dedicado ao ESG. No próximo ano letivo, a Wharton School, na Universidade da Pensilvânia, começará a oferecer MBAs em diversidade, equidade, inclusão e ESG.

Os formandos dessas escolas de elite tendem a ter influência desproporcional sobre os negócios, moldando os valores e políticas das empresas que eles poderão um dia dirigir.

"Estamos na Harvard Business School —é um bastião do capitalismo", disse Ethan Rouen, que leciona um curso sobre reimaginar o capitalismo, em Harvard.

"Mas não hesito em dizer que, se considerarmos os cursos que estão sendo oferecidos, os institutos que estão sendo criados e os palestrantes que trazemos ao campus, há uma enorme demanda tanto do corpo docente quanto dos estudantes sobre repensar as obrigações das empresas para com a sociedade."

Dentro das salas de aula, o leque de opiniões sobre o envolvimento político das empresas vem se alargando nos últimos anos. Premissas há muito incorporadas aos programas de estudos agora estão sendo questionadas —nem o mantra da maximização de lucros ou a defesa de que a versão americana do capitalismo funciona corretamente são poupados.

No curso "Capitalismo e Estado" de Harvard, Spar pediu a seus alunos que virassem seus crachás ao contrário se acreditassem que a globalização é um bom sistema.

Depois de alguns segundos de resmungos e de ruídos de papel, cerca de 80% dos alunos viraram seus crachás, sinalizando aprovação à globalização. Um estudante que cresceu na Nigéria foi um dos que não o fez. Ele pediu a seus colegas que repensassem a visão que deu origem ao mundo tal como o conhecemos —o FMI (Fundo Monetário Internacional), hotéis Hyatt espalhados pelo planeta e os arcos dourados do McDonald's em cada aeroporto.

"A realidade é que importamos o oposto do liberalismo, como preço de termos coisas boas", disse outro estudante, Alan Xie.

Ainda assim, a maioria da sala continuou favorável a uma economia globalizada. Spar resumiu os argumentos deles de forma sucinta: "Temos crescimento. Temos coisas bonitas", ela disse. "Funcionou".

Ao que Rachel Orol, 29, que estava sentada na primeira fila, rebateu: "Funcionou para nós".

É provável que um anticapitalista se sinta tão confortável na Escola de Administração de Empresas de Harvard quanto um ateu se sentiria na Escola de Teologia. Ainda assim, os professores de administração percebem que seus alunos atuais estão à procura de lições que vão além da contabilidade com mais frequência do que em décadas anteriores.

Rouen, de Harvard, disse que a demanda por aulas sobre impacto social e ESG vinha sendo tão alta que esses temas haviam sido integrados a quase todos os cursos introdutórios. Curtis Welling, professor da Tuck School of Business, na Universidade Dartmouth, pergunta a seus alunos todo ano se o capitalismo precisa ser reformado. Há uma década, cerca de um terço deles dizia que sim. Este ano, foram dois terços.

"A maior tendência na educação para gestão nos últimos 15 anos vem sendo examinar o contrato social", disse Welling.

Nitin Manivasagan, à direita, com colegas em aula sobre responsabilidade administrativa - Hannah Yoon/The New York Times

Esse não é o primeiro momento de tumulto que leva as escolas de administração a passar por séria renovação cultural. Em 1959, a Fundação Ford publicou um relatório no qual concluía que "a distância entre o que a sociedade precisa e o que as escolas de administração estão oferecendo cresceu o bastante para que todos possam vê-la".

Os primeiros meses da pandemia deram origem a uma nova crise existencial.

A professora Debora Spar, da Universidade de Harvard, que criou o curso "capitalismo e o Estado" - Tony Luong/The New York Times

Quando Spar estava em quarentena em sua casa, no terceiro trimestre de 2020, os administradores de Harvard pediram aos professores que propusessem novos cursos capazes de atrair estudantes irrequietos, muitos dos quais estavam fazendo MBAs online, de seus quartos.

Spar estava assistindo ao noticiário —mercados em crise, empresas divulgando declarações sobre o movimento Black Lives Matter, companhias farmacêuticas correndo para desenvolver vacinas— e decidiu tentar montar um curso que respondesse às dúvidas mais ferozes que ela mesma sentia, em suas palavras. "Por que o capitalismo está sob ataque? E até que ponto esses ataques são válidos?"

Os dirigentes das escolas de administração —provavelmente cientes de que os doadores de dinheiro estão atentos ao que eles dizem— enfatizam que seus novos cursos e ênfases simplesmente atendem à demanda por debate político no mundo empresarial, e não estão impondo uma visão progressista.

"Não é que sejamos ‘woke’ [progressistas], e nem que estejamos defendendo uma agenda ideológica", disse Witold Henisz, vice-diretor e chefe do corpo docente da iniciativa ESG da Wharton. "É porque a economia assim dita."

Tradução de Paulo Migliacci

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