Descrição de chapéu Natal

Compras de Natal convivem com mendicância na Oscar Freire e cracolândia no Bom Retiro

Consumidores reclamam dos preços e lojistas veem menos clientes nas ruas no fim de ano

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São Paulo

Nilda Consolação da Silva e Maria Rezende são contemporâneas. A primeira nasceu em 1948, e a segunda, em 1949, ambas em São Paulo. Ao longo de mais de sete décadas de vida, testemunharam muitos movimentos culturais e políticos, avanços tecnológicos e crises econômicas. Mas nada se compara ao que assistem hoje, a partir de ângulos diferentes: o abandono social da capital paulista.

Nilda como dona de uma barraca de cachorro-quente em uma das esquinas da rua José Paulino, no Bom Retiro, um dos principais polos de comércio popular de São Paulo, e Maria como uma rica dona de casa do interior paulista, que visita a capital para fazer compras na rua Oscar Freire, nos Jardins, endereço de algumas das lojas mais caras da cidade.

mulher atravessa rua com bebê no colo e homem está na calçada com duas crianças, uma no chão, outra no carrinho
Família pede esmolas na esquina das ruas Oscar Freire e Haddock Lobo, nos Jardins, zona oeste da capital. - Rubens Cavallari/Folhapress

Nos centros de compras, que deveriam estar lotados às vésperas do Natal, faltam sacolas e sobram pedintes e dependentes químicos, conforme a reportagem da Folha viu. A alta dos preços é uma reclamação comum a ambos os endereços, mas está longe de ser a única.

"Estou aqui desde 1976, há 46 anos no mesmo lugar com o meu carrinho. Até os anos 1990 foi muito bom, a gente ganhava muito dinheiro, nem dava para ver o chão, de tanta gente", diz Nilda. Ao longo dos anos, o movimento começou a diminuir. No primeiro ano de pandemia, foi preciso fechar tudo e houve prejuízo.

"Mas agora, que era o momento de retomar, a gente vê o movimento fraco demais. Não é só porque as pessoas estão com menos dinheiro: elas têm medo de vir para cá por causa da cracolândia", diz a comerciante, lembrando que em maio deste ano a Prefeitura de São Paulo desencadeou uma operação para desmantelar a "nova cracolândia" instalada na praça Princesa Isabel, o que dispersou os usuários de drogas para diversos pontos na região central da capital, causando medo aos moradores e prejuízo aos comerciantes.

"Se você dá comida, eles vendem para comprar droga. Se dá dinheiro, eles compram droga. É muita gente nova desocupada", diz Nilda. Viúva, ela trabalha sozinha depois que as três filhas se formaram.

Mulher idosa de touca diante de uma barraca com doces e salgados
A comerciante de rua Nilda da Silva, em sua barraca no Bom Retiro, região central de São Paulo. - Rubens Cavallari/Folhapress

"Estou impressionadíssima com a quantidade de pedintes", diz Maria Rezende, consumidora dos Jardins. "Tem gente que você não imagina que vai chegar em você e vai pedir... Mas chega. Estou aqui há meia hora e já fui abordada várias vezes", afirma a dona de casa, que nasceu em São Paulo, mas mora no interior, em Ribeirão Preto. Estava na Oscar Freire em busca de um presente "diferente e especial" para o marido.

"Sempre que venho aqui [para São Paulo], gosto de passear, fazer compras. Mas hoje não está tão gostoso, fui abordada demais [por pedintes]."

A Folha esteve na quinta-feira (22) na Oscar Freire para conferir o movimento das compras de Natal e conversou com consumidores. Em três ocasiões, consumidores e a própria reportagem foram abordados com pedidos de esmolas. A vendedora de uma das lojas, que preferiu não se identificar, diz que o movimento está fraco na região e que os pedintes são cada vez mais frequentes.

Mulher de cabelos castanhos curtos, de óculos, segura sacolas, em uma calçada vazia
A dona de casa Maria Rezende na Oscar Freire, nos Jardins, zona oeste de São Paulo. - Rubens Cavallari/Folhapress

A rua —que em 2006 passou por ampla reforma, da ordem de R$ 8,5 milhões, para enterrar a fiação elétrica, nivelar as calçadas e padronizar o mobiliário urbano, tornando o endereço mais próximo de ruas de compras da Europa e dos Estados Unidos— hoje convive também com personagens comuns ao comércio popular, como ambulantes dos mais diversos produtos (de incenso a cachorro-quente) e carroceiros em busca de material para reciclagem.

Questionada pela reportagem, a Associação Comercial Jardins e Itaim (que tem entre seus membros grifes como Calvin Klein, John John, Brooksfield, Animale e Lez a Lez, além das joalherias Antonio Bernardo e Vivara) informou que "não há nenhuma correlação entre o aumento da mendicância na cidade de São Paulo, um problema urbano, e as vendas."

"Em 2022 houve um aumento do movimento em 35% em relação ao ano passado. Projetamos que 2023 será ainda melhor para o comércio e serviços do bairro", disse a associação, em nota. A instituição não respondeu se prevê aumento nas vendas de Natal neste ano.

Já a CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) do Bom Retiro reconhece que a dispersão da Cracolândia neste ano serviu para afugentar os consumidores da região.

"No Natal passado, havia restrições sanitárias e menos gente na rua", diz Luciano Silva Alves, diretor da CDL Bom Retiro. "Neste ano, era para ter mais movimento, mas o comércio está fraco: a Copa do Mundo atrapalhou as vendas, e a dispersão da cracolândia assustou o pessoal que visita a região."

Estação da Luz 'tomada' por dependentes químicos

O vendedor Reginaldo Lucas Santana, 40, que tem uma banca de roupas na José Paulino, está desanimado. Além do aumento do preço dos tecidos —que passou de R$ 32 para R$ 70, em média—, a presença constante dos dependentes químicos atrapalhou as vendas. "Alguns dependentes acabam intimidando os clientes, que se sentem muito acuados, desprotegidos", diz.

Quem sai da estação da Luz, a mais próxima do Bom Retiro, já encontra os integrantes do fluxo da racolândia na porta, diz Santana. "Os dois lados da rua estão tomados por eles", afirma Santana.

"Muitos andam em grupo, o que aumenta a sensação de insegurança. Isso passa de boca em boca, e o Bom Retiro acaba ficando com essa imagem, de um lugar inseguro."

Alves diz que é uma situação "difícil de entender". "Como é que o pessoal fica traficando na rua e ninguém faz nada? Com Polícia Militar e GCM [Guarda Civil Metropolitana] bem em frente?", questiona.

Para este ano, a previsão da CDL Bom Retiro é de queda de 5% nas vendas de Natal. "O fato de ser um ano eleitoral, com as pessoas inseguras em relação à economia no ano que vem, também prejudicou o consumo", diz Alves.

De acordo com a CNC (Confederação Nacional do Comércio), o Natal deste ano deve movimentar R$ 65 bilhões, o que representa um aumento real (descontada a inflação) de 1,2%. Apesar de pouco significativo, é o primeiro aumento nas vendas depois de dois anos de queda. Mas o comércio ainda não atingiu o patamar pré-pandemia, de R$ 67,5 bilhões de 2019.

Embora a inflação tenha arrefecido e deva fechar 2022 abaixo dos 6,5%, o encarecimento do crédito persiste, assim como o alto endividamento das famílias, o que freia o consumo, segundo a CNC. Como consequência, a população se concentra na compra de itens básicos, como alimentação. O ramo de supermercados deve responder pela maior fatia do consumo no Natal, 38,6% (R$ 25,1 bilhões), diz a CNC.

Nas contas da Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers), deve haver uma alta nominal de 4% nas vendas dos shoppings neste fim de ano. A reportagem registrou estabelecimentos lotados na semana que antecede o Natal. Apesar do alto movimento, pouca euforia nas compras.

No shopping Center Norte, um dos mais populares da capital paulista, a decoração de Natal já rendeu uma visitação 1.400% superior à do ano passado. Em 2022, o tema são os filmes da Disney e Pixar, com participação de personagens de produções como "Monstros S/A" e "Toy Story". A presença junto ao Papai Noel também aumentou na comparação com o Natal passado: alta de 411%

"Depois da pandemia, os shoppings estão reforçando o espaço para entretenimento e alimentação", diz Guilherme Marini, diretor-executivo do Center Norte e Lar Center. Segundo ele, a realização da Copa entre novembro e dezembro, no entanto, frustrou em parte as vendas de fim de ano, assim como o fato de o Natal cair em um fim de semana. "Isso espalha um pouco as vendas, porque o último fim de semana antes da data sempre é o mais forte", afirma.

Marini afirma ainda não ter dados sobre as vendas dos lojistas, mas a adesão à campanha de Natal do shopping —que dá direito a um panetone e a um cupom para concorrer a um Jeep Compass 2023 a cada R$ 600 em compras— está 17% maior.

Pagamento à vista e alguns sonhos adiados

Parte do público que visita a Oscar Freire o faz por não apreciar shoppings lotados. "Não gosto de tumulto", diz a administradora de empresas Cristiana Gomes, 47. Já a corretora de imóveis Rosana Romeo, 62, mora nas proximidades do centro de compras e também é fã de shoppings.

"Mas as lojas daqui já tiveram mais variedade", afirma ela, que está feliz por se despedir de 2022 e da polarização política que marcou o ano.

Maraísa Stanícia, 58, e a filha Luíza Stanícia Eugenio, 27, estão animadas com 2023. "Neste ano trabalhamos muito para recuperar a paradeira da pandemia", diz Maraísa, que mantém uma agência de publicidade com a família. "A gente já tem alguns contratos engatilhados. Mas tudo vai depender de como se comportar a economia no próximo governo", diz Luíza, que reclama dos preços. "Estamos gastando mais, não porque compramos mais, mas porque as coisas estão mais caras."

A advogada pública Zeny Kim, 44, também tem achado os preços salgados. "Se está caro para mim, imagina para o pessoal mais pobre", diz ela. "Está caro para comer, você deixa de comprar algumas coisas para dar conta do básico", diz ela, que espera menos inflação para o próximo ano.

Um dos sonhos de Zeny que foram adiados para 2023 foi a troca do automóvel. "Queria um Toyota elétrico, mas o preço dos carros subiu muito, eu não compro."

Antônio Marcos Neves, 39, gerente de uma empresa de móveis planejados, também precisou abrir mão de uma viagem para a Argentina neste ano. "Estou gastando mais neste ano, por causada inflação", diz ele. "Mas acredito que o mercado vai se recuperar em 2023 e será um ano positivo."

Já no Bom Retiro, a enfermeira Dulce Lombardi, 55, comemorava sua conquista de 2022.

"Consegui economizar o suficiente para fazer a segunda viagem à Europa. Vou para Londres", diz ela, que fazia compras de alguns presentes na José Paulino. Para manter a mesma disciplina em 2023, planeja continuar pagando tudo à vista.

A jovem Poliana Cechetti, 14, veio de Rio Verde (GO) com a família para comprar na José Paulino. "Valeu a pena, o preço dos vestidos de festa aqui são bem mais em conta do que na nossa cidade", diz ela.

Já a diretora de recursos humanos Eliane Rios, 51, veio de Maceió (AL) para fazer compras no Bom Retiro. "Mas não vi muita diferença entre os preços daqui e dos dos shoppings que visitei", afirma.

No centro popular de compras, as amigas Lucinete Barreto, 39, vendedora, e Analice Martins, 40, confeiteira, reclamavam dos preços do Bom Retiro. "Já paguei mais barato por aqui", diz Lucinete. "No ano passado não gastei nada, só paguei dívida. Agora estou aproveitando para comprar para mim", diz Analice.

Mãe e filha, a copeira Adenilda dos Santos, 49, e a estudante Flávia dos Santos, 22, também aproveitaram o Natal de 2022 para fazer compras, depois de um ano muito econômico. "Estamos pagando tudo no débito", diz Adenilda.

O casal de namorados Isaac Lacerda, 17, e Amanda Feitosa, 22, vendem roupas femininas no Bom Retiro e sentiram o movimento menor este ano.

"Todo dia 20, vendemos bem, é dia de pagamento", diz Lacerda. "Mas no resto do mês, o pessoal tem medo de vir para cá, por causa da cracolândia."

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