Compensação a estados por cortes no ICMS pode custar até R$ 36,9 bilhões à União

Cálculo é do governo, que vê valor justo entre R$ 13 bi e R$ 16 bi; reduções do tributo foram aprovadas pelo Congresso após pressão de Bolsonaro antes das eleições

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Brasília

A compensação aos estados pelos cortes de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) patrocinados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo Congresso às vésperas das eleições de 2022 pode custar à União até R$ 36,9 bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional obtidos pela Folha.

O governo federal fez uma série de estimativas do valor que seria devido a cada um dos 26 estados e o Distrito Federal e, no cenário menos extremo, a fatura ficaria em R$ 13,2 bilhões. As simulações consideram diferentes cenários e foram apresentadas nesta semana a secretários estaduais e membros do governo.

O pagamento dessas reparações pode ser feito por meio de transferência da União aos estados, em vez de abatimento de dívidas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reúne com governadores no Palácio do Planalto - Gabriela Biló/Folhapress

Há uma preocupação devido ao impacto desses valores no resultado primário (sem juros) das contas do governo. Por isso, o Executivo federal busca um entendimento para diluir a compensação em mais de um ano.

A União também tenta limitar ao máximo o impacto da negociação. Os representantes federais entendem que a "compensação justa" seria de R$ 13 bilhões a R$ 16 bilhões.

O pagamento de uma reparação pela União aos estados foi colocado entre os principais temas na pauta das reuniões entre os 27 governadores e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta sexta-feira (27).

O novo governo tem intensificado as tratativas para pôr fim ao impasse. Em dezembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) deu um prazo de 120 dias para União e estados chegarem a um acordo.

A briga começou quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que mantinha uma relação belicosa com os governadores, obteve apoio no Congresso para aprovar uma lei que uniformizou a alíquota de ICMS sobre gasolina, diesel e etanol. O texto entrou em vigor em março de 2022, com o objetivo de reduzir preços de combustíveis em ano eleitoral.

A cobrança do imposto estadual passou a ser de um valor fixo por litro ("ad rem"), em vez de um percentual. A medida teve impacto bilionário no caixa dos estados.

Quase três meses depois, uma segunda lei aprovada impôs um teto de ICMS para itens essenciais (como combustíveis e energia elétrica) e previu compensações a estados que tivessem perdas superiores a 5% na arrecadação do imposto. Mas a redação da norma deixou margem para diferentes interpretações, e, agora, a forma de cálculo dessa reparação é o principal alvo do impasse entre União e estados.

Os estados defendem estimar a compensação de forma específica para cada combustível e realizar o ressarcimento integral a todos os estados, dentro ou fora do programa de recuperação fiscal para endividados. Assim, o gatilho de 5% valeria para todos e dispararia o pagamento de todo o prejuízo —não só o excedente a esse percentual, como defende a União.

Os secretários também querem que as perdas em 2022 sejam estimadas sobre a base de 2021 corrigida pela inflação. Sem essa atualização, segundo eles, poucos estados acionariam o gatilho da compensação, uma vez que as receitas tributárias sobem naturalmente, acompanhando o nível de preços.

O dispositivo da lei, porém, fala em compensação da perda "que exceda ao percentual de 5% em relação à arrecadação deste tributo no ano de 2021". A interpretação da União é que a reparação deve contemplar só o prejuízo excedente à queda de 5%, calculada sobre o valor nominal das receitas do ano anterior, uma vez que o texto não cita correção monetária.

O governo federal ainda entende que a estimativa deve ser feita sobre o ICMS como um todo, de forma global.

Segundo as simulações obtidas pela Folha, um acordo que acatasse 100% das interpretações da União resultaria em uma compensação de R$ 13,2 bilhões. O maior valor seria devido ao Rio Grande do Sul (R$ 3,3 bilhões).

A conta estima a perda global do ICMS sobre a base nominal da arrecadação em 2021 e prevê o ressarcimento apenas do prejuízo superior a 5% —somente estados no RRF (regime de recuperação fiscal) teriam cobertura integral das perdas.

Ainda nesse cenário, a correção da base do imposto pela inflação elevaria o custo a R$ 22,4 bilhões.

Se o cálculo for específico por combustível, mas ainda assim prevalecer o pagamento do prejuízo acima de 5% sobre a base sem correção, o impacto é de R$ 28,3 bilhões. A atualização dos valores de 2021 pela inflação elevaria a compensação a R$ 33,4 bilhões.

Este último cenário contempla os principais critérios adotados em liminares judiciais já concedidas a favor dos estados: pagamento do excedente aos 5%, apuração específica por produto e com correção monetária da base de comparação.

O estado de São Paulo seria o principal beneficiado, com R$ 5,86 bilhões —17,6% do valor total de R$ 33,4 bilhões. Na sequência viriam Rio de Janeiro (R$ 4,5 bilhões) e Minas Gerais (R$ 4,2 bilhões).

Há ainda os cenários que contemplam a cobertura do prejuízo integral para todos os estados —ou seja, uma vez acionado o gatilho, a União paga 100% do valor.

Nesse caso, o custo seria de R$ 16,5 bilhões, considerando uma estimativa sobre o valor global do ICMS e sem correção da base de 2021. A atualização pela inflação dos valores do ano anterior elevaria a perda a R$ 27,5 bilhões.

Se o cálculo for específico por combustível, o prejuízo fica em R$ 31,3 bilhões (sem correção da base) ou R$ 36,9 bilhões (com atualização da base de 2021).

A União discorda de vários dos pleitos dos estados, mas pode acabar atendendo a um ou dois itens de forma a conseguir acelerar o desfecho do acordo. A orientação é verificar qual desses pontos teria menor impacto nos cofres do governo federal.

A forma de pagamento também está sendo estudada. Por um lado, alguns estados já obtiveram liminares e estão abatendo valores de suas parcelas da dívida. O valor compensado até agora chega a R$ 9,05 bilhões.

Por outro, o governo federal tem restrições fiscais a serem observadas no caso de escolha por um repasse aos estados —entre elas o resultado primário e o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação.

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