Descrição de chapéu América Latina

Moeda comum entre Brasil e Argentina está sendo trabalhada, diz Lula

Presidente afirma que projeto é necessário e será discutido em propostas de comércio exterior

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Buenos Aires

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o projeto de moeda comum entre Brasil e Argentina está sendo trabalhado pelos dois países. A declaração foi dada após uma reunião entre Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández, em Buenos Aires nesta segunda-feira (23).

"Acho que com o tempo isso [moeda comum] vai acontecer, e é necessário que aconteça", afirmou Lula.

A ideia é que a moeda seja usada em transações comerciais entre os países. Ou seja, ela não é uma moeda única —Brasil e Argentina seguiriam com o real e o peso, respectivamente.

O presidente brasileiro diz que o projeto de moeda comum será tratado junto a propostas de comércio exterior e de transações feitas pelas equipes econômicas da Argentina e do Brasil, após "muitos debates e reuniões".

"Se dependesse de mim a gente teria comércio exterior sempre nas moedas dos outros países, para que a gente não precise ficar dependendo do dólar. Por que não tentar criar uma moeda comum entre os dois países, com países do Brics?", disse Lula.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado de seu homólogo argentino, Alberto Fernández, na Casa Rosada, em Buenos Aires - Ricardo Stuckert/Divulgação

Em declaração conjunta divulgada após o encontro, os presidentes dizem que acordaram "iniciar estudos técnicos, incluindo os países da região, sobre mecanismos para aprofundar a integração financeira e mitigar a escassez temporária de divisas, incluindo mecanismos a cargo dos bancos centrais".

Eles afirmam também "a intenção de criar, no longo prazo, uma moeda de circulação sul-americana, com vistas a potencializar o comércio e a integração produtiva regional e aumentar a resiliência a choques internacionais".

No texto, Lula e Fernández dizem ainda que concordaram em ampliar o uso do sistema de moeda local (SML), "incorporando o comércio de serviços e a implementação de linhas de crédito em reais para dinamizar o comércio bilateral e facilitar os fluxos financeiros no sistema, aumentando a previsibilidade das transações".

O memorando do encontro do ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad, e do titular da Economia argentino, Sergio Massa, porém, não citou a moeda comum, apenas moedas locais.

"Expandir o uso de moedas locais, com a intensificação das negociações entre os bancos centrais e outros órgãos responsáveis para aperfeiçoar o Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) e ampliar seu uso e escopo, com vistas a um comércio sem obstáculos e com a inclusão do comércio de serviços", diz o texto.

BNDES vai voltar a financiar projetos no exterior, diz Lula

Ainda nesta segunda, na abertura de um encontro entre empresários brasileiros e argentinos, Lula afirmou que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vai voltar a financiar relações comercial entre o Brasil e projetos no exterior.

Mais cedo, o presidente já havia afirmado que o financiamento de obras na América Latina pelo BNDES seria um "motivo de orgulho" para o Brasil, e que o país tem o dever de ajudar seus vizinhos.

A atuação do banco de fomento no exterior foi alvo de críticas de opositores em gestões petistas anteriores, e mobilizadas durante a campanha eleitoral por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL).

Um exemplo é o Porto de Mariel, em Cuba, cuja modernização foi feita pela Odebrecht com financiamento do BNDES. Outras obras foram financiadas na Venezuela e Moçambique —que chegaram a dar um calote nos pagamentos em 2018.

Ele disse, ainda, que se os empresários brasileiros mostrarem esforço, as condições para a criação de um gasoduto entre Brasil e Argentina poderão ser criadas.

"Eu tenho certeza que os empresários brasileiros têm interesse no gasoduto, nos fertilizantes que a Argentina tem, no conhecimento científico e tecnológico da Argentina. E se há interesse dos empresários e do governo, e nós temos um banco de desenvolvimento para isso, vamos criar as condições para fazer o financiamento que a gente possa fazer para ajudar no gasoduto argentino", disse Lula.

Apesar da promessa, o presidente brasileiro deixa nas entrelinhas que o modelo de financiamento não está exatamente definido. Uma fonte ouvida pela Reuters revelou que o Brasil não deve voltar ao modelo anterior de financiar diretamente obras de infraestrutura em outros países, mas financiar a compra de bens de empresas brasileiras a serem usados nas obras.

O acesso ao gás argentino, no entanto, é de interesse direto do Brasil, que hoje depende em grande parte do gás boliviano. O campo de Vaca Muerta está entre os maiores campos gasíferos do mundo, e poderia aliviar a dependência brasileira.

Banco do Brasil vai financiar exportações para a Argentina

Além disso, o ministro da Economia, Fernando Haddad, afirmou que o Banco do Brasil irá financiar exportações para a Argentina com a emissão de cartas de crédito.

A medida faria parte de um novo plano para tentar reacender o comércio entre os dois países através do financiamento de exportações. O acordo prevê a abertura de crédito de bancos brasileiros para importadores argentinos e a criação de um fundo pelo governo brasileiro para garantir o pagamento dos empréstimos.

No texto do memorando desta segunda, aparece que os dois países "comprometem-se a implementar linhas de financiamento de importações operadas por entidades bancárias e garantidas pelos governos de ambos os países, com prazos, volumes e contragarantias, acordados caso a caso, com critérios de risco".

A fala derrubou as ações do Banco do Brasil. Haddad, porém, negou que haverá risco para o BB ou qualquer outra instituição financeira.

"O Banco do Brasil não vai tomar risco nenhum com essa operação de crédito de exportação. Nós vamos ter um fundo garantidor, que é um fundo soberano, que vai garantir as cartas de crédito emitidas pelo BB para os exportadores brasileiros", repetindo que está sendo negociado um sistema de garantias com a Argentina.

O risco para o banco, diz Haddad, é apenas o de conversão entre o peso e o real. Hoje, com 30 dias, a perda do banco é pequena. Com o aumento do prazo, pode passar a ser maior, mas aí, explica, entra o fundo garantidor de exportações.

Ao mesmo tempo, o governo brasileiro negocia que, a cada operação, o governo argentino irá oferecer colaterais com liquidez internacional —que podem ser títulos da dívida de países estáveis ou contratos futuros de venda de commodities, por exemplo. No caso de a empresa argentina não honrar seu compromisso com o banco brasileiro e o fundo garantidor tiver que ser acionado, o governo brasileiro teria como recuperar os recursos.

"Quem está oferecendo financiamento de médio e longo prazo está levando um comércio que seria natural entre Brasil e Argentina", disse Haddad a jornalistas em Buenos Aires, citando a China como principal competidor, não na qualidade dos produtos, mas no prazo de financiamento.

"Nossas exportações de manufaturados são para América do Sul. Se a gente perder esse espaço aumenta a desindustrialização na região", complementou.

A Argentina é o terceiro principal destino das exportações do Brasil e a terceira principal origem das importações brasileiras. Em 2022, do total de 15,4 bilhões de dólares exportados pelo Brasil à Argentina, 91% foram em produtos industrializados.

Colaborou Ricardo Della Coletta. Com Reuters

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