Fazenda quer criar modelo matemático para avaliar risco judicial de medidas do governo

Objetivo é antever se uma solução legal pode resultar em dor de cabeça ainda maior para União

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Brasília

A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) quer criar um sistema que permita ao governo avaliar, de forma preventiva, eventuais riscos judiciais decorrentes de medidas em estudo pelo Executivo federal.

O objetivo central é antever se determinada solução legal pode resultar numa dor de cabeça ainda maior no futuro —e justamente evitar a adoção desse caminho.

Embora pareça uma providência óbvia, essa avaliação não é feita hoje de forma sistemática. Algumas iniciativas são submetidas a uma análise criteriosa, mas nem sempre é a regra. A União também tem uma série de órgãos jurídicos responsáveis pela defesa junto aos tribunais, e suas bases de informações não são unificadas, o que pode dificultar a mensuração do risco.

Anelize Lenzi Ruas de Almeida foi escolhida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para comandar a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) - Gabriela Biló/Folhapress

"O ministro tem uma ideia ou veio uma demanda política, uma demanda do presidente da República, [então] eu quero saber qual é o risco dessa demanda. Quero fazer uma medida provisória para qualquer coisa, qual é o risco judicial? Eu quero saber isso de antemão", afirma à Folha a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Lenzi Ruas de Almeida.

A PGFN já faz o acompanhamento de parte das ações movidas pela União ou nas quais ela é ré, mas o objetivo agora é antecipar a análise para, se possível, evitar que uma iniciativa do governo seja judicializada, como tem ocorrido com frequência.

O método é conhecido pelo termo formal de "jurimetria" e tem sido empregado em grandes escritórios de advocacia no país. Ele consiste em aplicar modelos estatísticos às informações de processos jurídicos.

Almeida convidou o procurador Manoel Tavares para elaborar o modelo. O maior desafio, segundo ela, é quantificar algo que, muitas vezes, depende de uma redação legislativa e não de um número.

Algumas das perguntas a serem respondidas são se há ação judicial sobre o tema, qual é a posição majoritária, se há decisões no Carf (tribunal administrativo que julga conflitos tributários) e, em algum caso inédito, o que diz a doutrina jurídica.

"Por exemplo: o governo deu um benefício robusto para valer por dois anos. No final do primeiro ano, ele falou ‘não está valendo a pena, os objetivos da política não foram cumpridos, vamos revogar’. Qual é o risco jurídico de revogar? Vai depender do caso, mas é uma das perguntas que, espero, o modelo responda", diz.

"Como calcula isso? Pode ser um impacto imenso e pode ter impacto nenhum. Mas não adianta chegar para o ministro e dizer ‘tem um risco’. A questão é qual é o risco, quanto é o risco."

A ideia é concebida no bojo de uma nova estratégia encampada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), de monitorar de perto os riscos fiscais judiciais, que nos últimos anos viraram um fator de pressão relevante sobre o Orçamento público.

Um conselho de monitoramento foi criado, com a participação dos ministros Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), além de Haddad.

De caráter consultivo, o colegiado poderá requisitar informações sobre o impacto econômico de teses judiciais e sugerir medidas de articulação entre os órgãos para o acompanhamento das ações. O decreto presidencial que cria o conselho prevê encontros bimestrais.

Segundo Almeida, o modelo tem inspiração "caseira" e usa como base a experiência da JEO (Junta de Execução Orçamentária) —formada por ministros da área econômica e que fica responsável pelas decisões de gastos e distribuição de recursos dentro do governo

Especialistas de outras entidades, públicas e privadas, podem ser convidados para participar das reuniões, sem direito a voto. Também poderão ser instituídos grupos temáticos e comissões para a elaboração de estudos e propostas.

Há ainda um comitê técnico permanente, formado por representantes de órgãos jurídicos —entre eles a própria PGFN—, além do Tesouro Nacional e da Secretaria de Orçamento Federal, para dar suporte e assessoria ao conselho de ministros.

A criação do colegiado ocorre na esteira de derrotas judiciais importantes, como a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que retirou o ICMS, imposto estadual, da base de cálculo de PIS e Cofins, tributos federais. O entendimento provocou um desfalque na arrecadação da União.

Houve ainda o aumento considerável dos precatórios, valores a serem pagos pela União para cumprir uma sentença judicial definitiva —neste caso, há uma pressão do lado das despesas.

O salto nos precatórios, que chegariam a R$ 89 bilhões em 2022, foi o que levou o ex-ministro da Economia Paulo Guedes a propor um teto de pagamento dessas dívidas judiciais para que elas não ocupassem o espaço de outras políticas públicas dentro do teto de gastos. A medida foi alvo de críticas por quem classificou a mudança de "calote".

Na época, Economia e AGU trocaram acusações nos bastidores: Guedes dizia não ter sido alertado sobre o "meteoro" de dívidas judiciais, enquanto a área jurídica tinha documentos que comprovaram os avisos feitos à equipe econômica. Além disso, estimativas dos riscos judiciais são computadas anualmente no Balanço Geral da União.

"Quando o ministro Haddad propôs [o monitoramento], a minha primeira reação foi dizer ‘já existe’. Mas já existe o fluxo operacional. Ele quer um olhar estratégico", afirma Almeida.

"Cada ministério é a sua caixa, tem o seu mundo, os ministros estão ali cada um apagando o seu incêndio. Quando cria um foro e põe os ministros conversando sobre o assunto, a chance de evitar ruídos futuros é enorme. Você compartilha a decisão, e isso é importante num assunto que é transversal."

A iniciativa de criação do conselho foi elogiada por especialistas em contas públicas. "Se bem executada, essa tarefa terá potencial de melhorar a defesa jurídica da União e reduzir o ritmo de crescimento de precatórios", escreveu o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha.

No anúncio de Almeida para o comando da PGFN, em 19 de dezembro de 2022, Haddad afirmou que a condução "do tema de maior importância para o equilíbrio fiscal do país" estaria nas mãos dela e do subprocurador geral da Fazenda Nacional, Gustavo Caldas.

O ministro também disse que iria compor o time que teria uma atuação "mais firme junto aos tribunais para diminuir risco fiscal das decisões judiciais".

Almeida é a segunda mulher a assumir o comando da PGFN. Antes dela, Adriana Queiroz exerceu o cargo de procuradora-geral da Fazenda Nacional de 2009 a 2015.

Procuradora da Fazenda desde 2006, ela é mestre em política pública pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e pós-graduada em administração pública pela FGV (Fundação Getulio Vargas).

Já ocupou uma série de cargos na PGFN e também atuou na subchefia de Assuntos Jurídicos da Presidência da República.

Na Procuradoria, chefiou a área que faz a gestão da Dívida Ativa da União. Lá, Almeida colocou em funcionamento um projeto que, à época, também parecia óbvio, mas estava igualmente distante do dia a dia do órgão: a criação de uma classificação de risco dos devedores, para ampliar a eficiência da cobrança.

Até então, a PGFN dispendia os mesmos esforços de cobrança contra uma empresa em atividade e uma companhia já falida. O projeto consistiu na criação de uma escala de classificação dos créditos por maior ou menor chance de recuperação. O modelo é aplicado até hoje e permite o melhor direcionamento dos trabalhos no órgão.

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