MP sobre combustíveis é inconstitucional e afeta investimento, diz setor de etanol

Associações afirmam que isenção incentiva o consumo de gasolina em detrimento do biocombustível

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Roberto Samora Marta Nogueira
São Paulo e Rio de Janeiro | Reuters

A medida provisória que trata sobre desoneração dos tributos PIS/Cofins sobre combustíveis, publicada nesta segunda-feira (2), é inconstitucional e afeta investimentos, disseram representantes da indústria de etanol do Brasil.

A Unem (União Nacional do Etanol de Milho) afirmou que a medida fere a Constituição porque incentiva o consumo de gasolina em detrimento do etanol, "desrespeitando preceitos da Emenda Constitucional 123, de 14 de julho de 2022, que estabelece diferencial de competitividade para os biocombustíveis no Brasil".

O presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), Evandro Gussi, também chamou a atenção para o problema, lamentando que uma medida adotada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro tenha sido reeditada com Luiz Inácio Lula da Silva.

Posto de combustível na marginal Tietê, em São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

"Essa medida é expressamente inconstitucional, a Emenda 123 prevê expressamente que tem de ter um diferencial tributário entre etanol e gasolina, está escrito isso, diferencial que garanta competitividade, e prevê também que a isenção só poderia acontecer até 31 de dezembro (de 2022)", disse Gussi, à Reuters.

Ele lembrou que, devido à necessidade do diferencial tributário, houve uma compensação de R$ 3,8 bilhões em créditos quando os tributos foram zerados no ano passado.

Antes da desoneração, o etanol tinha uma tributação de PIS/Cofins de R$ 0,24 por litro, com uma vantagem em relação à gasolina, de R$ 0,79 por litro, segundo dados do governo.

Questionado se a indústria avalia medidas judiciais, o presidente da Unica afirmou que o setor "ainda espera sensibilidade do governo", mas não descarta uma ação, uma vez que não se pode "arcar como essa hostilidade contra esse grande patrimônio que é o setor de biocombustíveis do Brasil".

"Estamos fazendo toda a análise jurídica e política desse tema, tentamos mostrar a inadequação dessa medida", disse ele.

As entidades também afirmaram que, ao prorrogar a isenção de impostos e contribuições de combustíveis fósseis, o governo federal enfraquece a política nacional de incentivo aos biocombustíveis e as ações visando a transição energética e a descarbonização das fontes energéticas de mobilidade.

"Ao adotar medidas que enfraquecem o consumo do biocombustível, o governo federal traz enorme prejuízo para a cadeia produtiva do etanol de milho, desde a produção primária no campo até os empregos nas indústrias e postos de revenda", disse a Unem.

Procurado, o Ministério da Fazenda não comentou o assunto imediatamente.

Isenção favorece custos de transporte e alimentos, diz consultor

A prorrogação da isenção de PIS/Cofins sobre diesel e biodiesel pode, no entanto, favorecer o transporte de insumos da cadeira produtiva do país, além de reduzir custos de alimentos, disse o sócio-diretor da Raion Consultoria, Eduardo Oliveira de Melo.

O ato foi feito por meio de medida provisória publicada nesta segunda-feira.

O gás liquefeito de petróleo (GLP), o chamado gás de cozinha, também ficará isento até o fim do ano. A MP zerou ainda as alíquotas dos tributos para gasolina, etanol, querosene de aviação (QAV) e gás natural veicular (GNV), mas apenas até o dia 28 do próximo mês.

"Fica claro realmente que a medida favorece transporte de carga, transporte de passageiros, ou seja, o diesel, que é o grande insumo da atividade produtiva, e isso traz um reflexo positivo", disse Melo, à Reuters.

"A meu ver é uma decisão acertada, principalmente, volto a dizer, porque privilegiou o diesel que é um item tão importante na cadeia produtiva da atividade econômica e que repercute também nos índices de inflação de uma maneira indireta, com custos de alimentos, transporte, e etc."

Já no caso da gasolina, Melo ponderou que o governo garantiu um tempo para avaliar o cenário, antes de tomar qualquer decisão mais definitiva. Segundo o consultor, talvez exista um desejo do governo cortar preços com a iminente mudança de gestão da Petrobras.

"Eu imagino que esse período de 60 dias seja suficiente para poder analisar se há a possibilidade de prorrogar talvez por um valor menor ou até mesmo extinguir a isenção dos impostos federais sobre a gasolina e o etanol", afirmou.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta segunda-feira que uma esperada demora para a mudança na gestão da Petrobras estaria por trás da extensão da desoneração. Segundo ele, Lula quer esperar novos executivos da petroleira para tomar uma decisão sobre combustíveis.

O diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), Adriano Pires, por sua vez, disse que ao estender desonerações federais sobre os combustíveis neste momento o governo perdeu uma janela de oportunidade, uma vez que os preços do barril do petróleo estão mais baixos atualmente do que quando o ex-presidente Bolsonaro zerou as alíquotas no ano passado.

"Eu imaginei que ia prevalecer posição do (ministro da Fazenda Fernando) Haddad, da volta do PIS/Cofins, aproveitando que o preço do barril de petróleo caiu muito", disse Pires.

Pires pontuou ainda que, ao decidir por estender a medida, o governo Lula poderia ter feito diferente, deixando pelo menos que a gasolina voltasse a ser tributada, já que é um combustível fóssil e a isenção tira a competitividade do etanol. Dessa forma, a medida também poderia estimular o GNV (Gás Natural Veicular), disse.

"Ambientalistas vão levantar que ele desonerou fóssil", afirmou, defendendo ainda que o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), o chamado gás de cozinha, deveria ser desonerado definitivamente, devido a seu papel social.

Pires destacou ainda ver uma falha na MP, uma vez que o governo determinou a desoneração do GNV apenas até o fim de fevereiro e que talvez não tenha considerado que o combustível também é utilizado por caminhões. Em sua avaliação, o GNV para veículos pesados deveria ter o mesmo período de isenção que o diesel.

Procurado, o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás), que representa petroleiras e as maiores distribuidoras de combustíveis do país, afirmou considerar que a concessão ou prorrogação de isenções tributárias são de competência exclusiva de estados e da União, constituindo políticas públicas definidas pelos entes federados.

Segundo o instituto, cabe aos seus associados na área de distribuição de combustíveis "cumprirem as determinações dos agentes competentes, como agora com a decisão de prorrogação das isenções para a gasolina e o diesel".

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