Alibaba aposta em divisão para sobreviver a novas batalhas das tecnológicas chinesas

A separação das unidades marca a maior reformulação do grupo de comércio eletrônico desde que Jack Ma o fundou há 24 anos

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Na última vez que o Alibaba fez uma mudança radical para reorganizar seus negócios, o grupo de tecnologia chinês desencadeou uma série de eventos que levaram a um confronto com os reguladores, ao cancelamento desastroso do que teria sido a maior oferta pública inicial do mundo e à repressão de Pequim às Big Tech.

Desta vez, o Alibaba espera agradar a investidores e burocratas de Pequim com uma grande reestruturação em seis unidades de negócios, anunciando a maior reformulação da companhia de comércio eletrônico mais conhecida da China desde que Jack Ma a fundou, 24 anos atrás.

Sede da gigante chinesa de comércio eletrônico Alibaba em Hangzhou, na província de Zhejiang, no leste da China - AFP

Em 2020, um discurso de Ma atacando os vigilantes financeiros e bancos da China levou ao abandono de sua oferta pública inicial de US$ 37 bilhões do Ant Group, sua afiliada fintech. Foi um gatilho para a campanha do presidente Xi Jinping para reduzir a influência das maiores empresas de tecnologia do país.

A decisão desta semana do sucessor de Ma como executivo-chefe, Daniel Zhang, pode fazer a Big Tech parecer menor para Pequim. Ele está dividindo um conglomerado com 240 mil funcionários –o dobro de sua principal rival, Tencent– e uma miscelânea de linhas de negócios que vão de mantimentos a computação em nuvem.

A expansão do império fez as autoridades chinesas lamentarem por terem deixado que crescesse tanto, e os investidores de Wall Street duvidarem sobre como avaliá-lo adequadamente. Com rivais mais ágeis comendo sua participação de mercado, os executivos do Alibaba liderados por Zhang começaram a temer que também tivessem perdido o controle.

"Precisamos descobrir como realmente tornar a organização mais simples e ágil, e acho que isso começa por cima", disse Zhang aos funcionários numa mensagem de vídeo transmitida pela mídia estatal. "Com essas mudanças, todos podem definir estratégias para se adequarem a seus respectivos campos de batalha."

Um óbvio beneficiário pretendido é o preço das ações do Alibaba, que está estagnado em torno de onde Ma alcançou sua primeira negociação em Nova York em 2014. Os investidores apostam que a reorganização vai desbloquear o valor: as ações do Alibaba saltaram 14% em Nova York na terça-feira (28).

"O Alibaba é um conjunto de empresas díspares administradas por uma única equipe de diretores, um conglomerado puro, e agora está se movendo na direção de se dividir em empresas totalmente independentes", disse Jesse Fried, especialista em governança corporativa de Harvard. "É improvável que eles cheguem até o fim, porque a administração não vai querer abrir mão totalmente do controle."

Mas Fried disse que até mesmo a reestruturação delineada até agora deverá melhorar as operações, permitindo mais foco. Também deverá levar a avaliações mais altas, facilitando para os investidores avaliar o valor de unidades de negócios individuais.

Com a reestruturação, os seis grupos de negócios do Alibaba serão dedicados a comércio eletrônico doméstico e internacional, computação em nuvem, serviços locais, mídia digital e logística. O Alibaba manterá a propriedade total da unidade chinesa de comércio eletrônico, que inclui os sites de compras Tmall e Taobao e no último ano fiscal gerou mais lucros do que o grupo como um todo.

No entanto, em sua sede em Hangzhou, alguns funcionários que falaram com o Financial Times temiam que o plano significasse cortes de empregos, principalmente em unidades de negócios não lucrativas que foram mantidas à tona pelas plataformas de vendas on-line, que jorram dinheiro.

"Esse não é um bom presságio. Muitas empresas não sobreviverão fora do sistema Ali, elas contam com o apoio de outras unidades", disse um executivo do Alibaba numa unidade deficitária. "Esta é uma tarefa enorme com pouco tempo, também há muitas transações entre as partes para resolver."

Um investidor americano em tecnologia chinesa, que pediu para não ser identificado, apontou que algumas linhas de negócios podem fechar. "O dinheiro gerado pelo comércio eletrônico é utilizado em outros negócios (...) não haverá motor para alimentar os outros negócios", disse a pessoa, argumentando que a empresa era mais forte como um todo do que como unidades individuais.

Ainda não está claro até que ponto Zhang vai dividir o Alibaba. Por enquanto, o grupo indicou que manterá o controle das seis unidades por meio de uma estrutura de holding. A reformulação colocará executivos-chefes e conselhos em cada unidade e levará alguns dos "bebês Babas" a abrirem o capital em separado.

Analistas esperam que uma das primeiras unidades a atrair mais investidores externos seja a Cainiao, grupo de logística que faz de tudo, desde entregas de vestidos ou EarPods em Xangai até a remessa para Paris de produtos comprados no AliExpress, a plataforma internacional de comércio do grupo.

No trimestre de dezembro, a Cainiao foi a linha de negócios de crescimento mais rápido do grupo, com vendas 27% maiores que no ano anterior, e estava operando quase no ponto de equilíbrio.

A unidade de computação em nuvem do Alibaba também pode atrair interesse externo conforme seus negócios se recuperam após o término dos bloqueios de "Covid zero" na China. Zhang assumiu o controle direto da unidade em dezembro.

"Cloud e Cainiao são as duas entidades que oferecem o valor mais claro", disse Robin Zhu, da Bernstein.

Mas ele alertou que uma IPO para qualquer das unidades provavelmente está distante. "O mercado parece esperar anúncios de spin-offs num futuro muito próximo", disse Zhu. "Esta não é uma cisão do Alibaba no sentido de que vamos ter IPOs do Alibaba de um a seis."

Outras unidades do grupo poderão enfrentar desafios maiores. Os serviços locais, que incluem entrega de comida e um aplicativo de mapas, bem como os negócios de comércio internacional do grupo, operavam com margens ebita negativas no trimestre de dezembro.

A reestruturação coloca o Alibaba no caminho trilhado por sua rival de comércio eletrônico JD.com, que manteve o controle ao expandir seus negócios de logística, fintech e saúde. Os negócios de logística e assistência médica da JD primeiro levantaram capital de investidores externos, incluindo um grupo de private equity com conexões políticas, ligado ao filho da mais poderosa autoridade financeira da China, Liu He, e depois abriu o capital em Hong Kong.

"A maioria dos investidores geralmente não vê o que a JD fez com os spin-offs como um ganho significativo", disse Zhu. "As empresas da JD tiveram um desempenho superior em 2021, mas isso foi impulsionado principalmente pelo crescimento dos negócios, e não pelos IPOs."

Os reguladores antitruste chineses examinam o Alibaba desde que Ma inadvertidamente provocou a repressão às tecnológicas, há mais de dois anos, atingindo o grupo com uma multa recorde por comportamento monopolista e aplicando-lhe penalidades adicionais por não buscar a aprovação de aquisições.

Os executivos do Alibaba desta vez mantiveram as autoridades bem informadas sobre seus planos de reestruturação e encontraram um público receptivo, disseram duas pessoas envolvidas.

Um regulador da cidade natal do Alibaba disse que Pequim encorajaria ofertas públicas para qualquer das unidades do grupo, incluindo as duas com maior probabilidade de atrair investidores, os ramos de nuvem e logística. O funcionário disse que também faria sentido o Alibaba receber capital externo para sua unidade de semicondutores T-Head. "Agora é um bom momento para a T-Head trazer mais fundos e obter mais apoio", disse a pessoa.

O Alibaba quer evitar repetir a saga da Ant, que está no limbo há mais de dois anos e ainda não concluiu a reformulação exigida por Pequim. Para apaziguar os reguladores, Ma optou por desistir do controle da Ant em janeiro, uma mudança que, de acordo com as regras de listagem de Hong Kong, adiará uma IPO por pelo menos um ano.

O próprio Ma voltou à China esta semana para uma rara visita pública –viagem que, segundo um funcionário do Alibaba, teria como objetivo demonstrar apoio a Zhang enquanto ele conduz a mais recente reestruturação.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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