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Credit Suisse vive seu momento decisivo

Uma reestruturação radical poderia dar novo ímpeto ao banco, devastado por escândalos, mas prejuízos profundos em 2022 talvez venham a ser a última gota

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Owen Walker Stephen Morris
Londres | Financial Times

O famoso financista Michael Klein tem um novo negócio na mira. Comparado ao seu histórico de megatransações, como a fusão entre Barclays e o Lehman Brothers, a Dow Chemical e a Dupont, e a Glencore e a Xstrata, será um negócio pequeno.

Mas, se tiver sucesso, a transação poderia realizar alguma coisa que pouca gente no ramo dos bancos de investimento acredita ser possível: assumir o controle do Credit Suisse, uma instituição disfuncional e atormentada por escândalos, e transformá-lo em uma potência bancária.

Klein, antigo executivo de fusões e aquisições do Citibank, está a ponto de assinar um acordo de venda da empresa de consultoria que leva seu nome ao Credit Suisse, por uma quantia "de algumas centenas de milhões", diz uma pessoa envolvida nas negociações.

A aquisição é o elemento central de um plano de reestruturação radical que o banco com sede em Zurique espera venha a acabar com a fase que o leva cambaleando de crise em crise, e abra a possibilidade de um novo e lucrativo futuro.

Unidade do Credit Suisse em Genebra - Fabrice Coffrini/AFP

O plano, revelado pela equipe de gestão do banco suíço no ano passado, levaria Klein ao posto de presidente-executivo de uma nova entidade, o CS First Boston, combinando sua empresa às divisões cindidas de mercado de capitais e consultoria do Credit Suisse.

"Michael Klein é um financista extraordinário, é um tipo de cliente quase inacreditável", diz um executivo do Credit Suisse. "Acabamos de contratar um mestre do universo para comandar o nosso banco de investimento".

No entanto, apesar de todo o entusiasmo que cerca o negócio, o Credit Suisse agora está claramente diante de sua última oportunidade.

Na quinta-feira, o banco publicou o conjunto de resultados financeiros possivelmente mais importante de seus 167 anos de história, e já alertou o mercado de que está a caminho de seu segundo prejuízo anual consecutivo, depois de uma fuga destrutiva de clientes em sua área de gestão de patrimônio, em outubro, como resposta à intensa especulação em redes sociais sobre sua saúde financeira.

Axel Lehmann, o presidente do conselho do banco, descreveu 2022 como um "ano horripilante" para o Credit Suisse.

A dimensão do prejuízo anual, de 7,3 bilhões de francos suíços (cerca de R$ 41,7 bilhões) projetados pelos analistas e pouca indicação de uma reversão na fuga de capitais –algo que os gestores do banco insistem estar acontecendo– ameaçam os níveis de capitalização e liquidez do banco poderão.

"Não queremos grandes surpresas", diz Vincent Kaufmann, presidente-executivo da Ethos Foundation, que representa cerca de 5% dos acionistas do Credit Suisse. "O pior cenário seria se o conselho fosse forçado a reconsiderar a sua estratégia. Isso seria realmente catastrófico".

As ações do Credit Suisse caíram antes da divulgação do balanço e acumulavam baixa de mais de 60% nos últimos 12 meses, até a última terça (14).

O valor de mercado do banco estava cerca de 80% abaixo de seu valor contábil, ante um ágio de 20% no caso do UBS, o rival mais feroz da instituição.

Depois de uma série de rebaixamentos no ano passado, os papéis de dívida do Credit Suisse estão perigosamente perto da classificação de títulos especulativos, na avaliação da S&P, e apenas dois graus acima dessa classificação de acordo com a Moody's e Fitch. As duas últimas também oferecem uma perspectiva negativa quanto ao futuro do grupo.

Se os títulos do Credit Suisse caíssem para abaixo do grau investimento –uma ignomínia que até o Deutsche Bank conseguiu evitar durante os seus momentos mais precários como banco mais problemático da Europa–, a reestruturação da instituição suíça seria colocada em risco, bem como o seu futuro como uma empresa viável.

Dentro do conselho de administração e nos quadros executivos do banco, onde o plano foi formulado no ano passado, a sensação é de que, se a estratégia não tiver sucesso, é pouco provável que o negócio sobreviva sem ser desmantelado ou vendido, de acordo com pessoas envolvidas nas discussões.

Em um cenário como esse, o UBS permanece em alerta para uma possível chamada de emergência do governo suíço, diz uma pessoa familiarizada com o planejamento interno do banco. "O país está comprometido com um modelo de dois grandes bancos, mas seríamos ingênuos se não nos preparássemos para todas as possibilidades".

Caso isso viesse a acontecer, o UBS preferiria assumir o grupo Credit Suisse na íntegra e tomar suas próprias decisões sobre que as linhas de negócios e pessoal reter, sem as complicações de negociações semiconcluídas com terceiros como Klein, acrescentou a fonte.

O acordo que poderia refazer o Credit Suisse depende do que vier a acontecer nos próximos dias.

Uma tarefa difícil

Mesmo que o Credit Suisse viesse a passar incólume pelo anúncio de resultados desta semana, a sua nova equipe de gestão –que sofreu uma reformulação no ano passado– ainda enfrenta uma tarefa diabolicamente difícil na execução de seu grande plano.

Embora o presidente-executivo Ulrich Körner –catapultado ao posto no terceiro trimestre do ano passado– tenha dito que se trata de um projeto de três anos, as pessoas que trabalham nos pormenores admitem que pode levar até cinco anos ou mais para concretizá-lo.

O ponto central do plano é fazer da gestão de patrimônio o foco das atividades do banco, e reduzir a sua exposição a atividades de risco maior na área de banco de investimento. A parte que vem recebendo mais atenção até agora é a cisão do CS First Boston, cujo nome remete ao auge do grupo no mercado de fusões e aquisições, na década de 1980.

Os executivos do Credit Suisse argumentam que o novo empreendimento causará grande desordenamento em Wall Street, com agilidade suficiente para competir contra as velozes boutiques de consultoria –que ganharam participação de mercado nos últimos 10 anos– mas com o peso do balanço de um grande banco internacional por trás das transações.

"A ideia é criar uma grande boutique, duas a três vezes maior que o concorrente mais próximo, mas com o poder de fogo dos bancos de investimento gigantes", diz uma pessoa envolvida no planejamento da reestruturação. "Para mim, esse modelo é o futuro dos bancos".

Os executivos do Credit Suisse parecem já ter ultrapassado o primeiro obstáculo ao lançamento do negócio, embora não fosse uma grande barreira. No mês passado, o banco fechou acordo com o proprietário da marca First Boston, um negócio não relacionado, e conseguiu autorização para usá-la em seu novo empreendimento.

Mas os escassos detalhes que o Credit Suisse tornou públicos até agora vêm sendo recebidos com ceticismo pelos rivais. "Eles têm o nome, mas será que têm as pessoas certas?", pergunta o chefe de um banco de investimento rival, que duvida que o plano possa funcionar.

"Vai levar tempo e dinheiro para atrair as pessoas certas. O modelo de boutique de consultoria é um negócio muito mais centrado em pessoas do que acontece em um banco de investimento maior. E essa é a parte que é mais importante acertar".

A cisão não escapou a controvérsias, e o conselho e gestores do banco enfrentaram questões sobre o processo de decisão quanto ao futuro do banco de investimento, em meio a acusações de conflitos de interesse.

Uma pequena comissão dentro do conselho foi encarregada de encontrar uma solução para o banco de investimento, na metade do ano passado. Um dos três membros da comissão era Klein, que era parte do conselho do Credit Suisse desde 2018.

Depois que surgiu a decisão de cindir partes do banco de investimento, Klein foi encarregado de liderar o novo empreendimento, uma decisão que pessoas informadas sobre o Credit Suisse insistem ter sido tomada por Körner. Depois disso, Klein deixou seu posto no conselho do banco.

"A cisão do banco de investimento enfrenta múltiplos problemas", diz um analista que cobre o Credit Suisse. "É muito feio, do ponto de vista da governança; o homem escolhido para comandar o novo banco era um ‘insider’".

Os executivos do Credit Suisse disseram que o banco tinha "se protegido" contra a "percepção de conflitos de interesse", e que Klein não tinha participado das decisões finais sobre o seu envolvimento pessoal.

No entanto, o seu papel em obter uma garantia de investimento da Arábia Saudita para o aumento de capital do Credit Suisse e o benefício pessoal que receberia ao vender sua empresa ao banco também provocaram dúvidas.

Uma pessoa envolvida descreve as negociações sobre a transação como "bastante conflituosas", em alguns momentos. Klein contratou o escritório de advocacia Paul, Weiss –conhecido por cobrar mais de US$ 2 mil (cerca de R$ 10,5 mil) por hora, e por representar Sam Bankman-Fried no processo de falência do grupo de criptomoedas FTX– para assessorá-lo.

"Klein negociou um contrato fantástico para ele mesmo", diz o líder de um banco de investimento rival. "Um grande negócio para o banqueiro, mas nem tanto para o banco".

Construir o novo banco

O próximo grande passo na montagem do novo banco de investimento é a definição de sua estratégia e estrutura, um processo que requer o alinhamento de muitas partes móveis. Essa tarefa foi deixada principalmente à Klein, que tem de encontrar o equilíbrio certo entre aquilo em que o Credit Suisse é tradicionalmente bom e o mix de negócios que o ajudará a competir com seus rivais.

Transações alavancadas, juntamente com produtos securitizados, sempre foram áreas em que o Credit Suisse se distinguiu, historicamente, mas as duas requerem uma forte base de capital, algo de que o novo negócio está tentando se afastar.

A competência pessoal de Klein como negociador de fusões e aquisições não é espelhada pela posição do Credit Suisse no mercado, onde o banco é visto como jogador de segunda linha em Wall Street.

Definir a estratégia dependerá de garantia de que o pessoal certo seja mantido pelo novo empreendimento, bem como da caça furtiva a financistas talentosos de empresas rivais. Para isso, Klein irá oferecerá participações de capital no CS First Boston, que deve abrir parcialmente seu capital nos próximos anos.

Conseguir alinhar todas essas coisas dependerá de quanto capital pode ser angariado dos investidores no novo negócio, embora qualquer investidor que comprometa capital deva solicitar planos bem definidos. Os financistas vindos de rivais também gostariam de ter uma indicação clara sobre quanto capital próprio obteriam no negócio.

"Acho que é muito difícil iniciar este tipo de conversa com as pessoas até que exista uma estratégia para explicar a elas, e ele não pode ter uma estratégia até que o capital esteja disponível", diz o líder do grupo de consultoria financeira de outro banco de Wall Street.

O Credit Suisse está tentando atrair investidores com um título de dívida conversível de cinco anos, com rendimento de 6% anuais, e que se converterá em ações quando o CS First Boston abrir seu capital, de acordo com um documento de vendas que descreve o empreendimento como uma "superboutique" e foi noticiado inicialmente pela Reuters.

Outra característica chave do plano mestre que tem sido pouco discutida fora do Credit Suisse é a criação do chamado "bad bank"" - conhecido internamente como a unidade de libertação de capital -, cujo objetivo seria liquidar as linhas de negócio de alto risco e as exposições que são vistas como caras e periféricas ao grupo.

Diante desse pano de fundo, há um vasto esforço de redução de custos que pretende reduzir os gastos da empresa em 2,5 bilhões de francos suíços anuais, ou 15%. O esforço envolve diversas medidas, da racionalização dos sistemas de informática à venda de edifícios de escritórios e hotéis de luxo, e inclui a eliminação de nove mil dos 52 mil postos de trabalho do banco.

A primeira onda de demissões no banco, no final do ano passado, se concentrou nos Estados Unidos, onde as leis trabalhistas facilitam cortar pessoal, mas já estão em curso negociações com executivos do banco de investimento na Europa que poderão resultar em demissões de mais de 10% do pessoal este ano.

As demissões estão solapando parte do planejamento, afetam o moral do pessoal e levaram a uma série de deserções por parte de executivos seniores.

O CS First Boston será centrado em Nova York e manterá alguns executivos de investimento na Europa e Ásia para dar à empresa uma escala global. Mas o pessoal de fora dos Estados Unidos não sabe exatamente que papel desempenhará no novo empreendimento, se algum.

"A realidade é que é difícil imaginar onde nos encaixamos; estamos todos um pouco em modo de espera", diz um executivo de investimento do Credit Suisse que trabalha na Europa. "A direção da viagem é bastante evidente. As atividades europeias vão ser reduzidas – e a dimensão dessa redução será definida ao longo do tempo".

Enquanto isso, em Nova York, o pessoal que foi informado de que provavelmente será mantido no novo empreendimento não está claro sobre que pacotes financeiros irá receber. "Eles não fazem ideia de que capital vão receber, mas a alternativa é procurar outro emprego", diz uma pessoa informada sobre o processo.

"Ninguém sabe quando o novo banco vai ser lançado, como isso acontecerá, se as pessoas vão receber salário nos primeiros dois meses, quem está financiando tudo. E se as pessoas perguntam sobre que capital receberão, a resposta é ‘falaremos sobre isso mais tarde’".

Rivais à espreita

À espera nos bastidores, enquanto o Credit Suisse se prepara para anunciar, quinta-feira, seu sétimo trimestre de prejuízo nos últimos nove, estão outros pretendentes interessados em adquirir o negócio, total ou parcialmente. Para além do UBS, os interessados incluem o Deutsche Bank, que está batalhando para expandir suas operações de gestão de património e ainda depende demais de suas voláteis operações comerciais como fonte de receita.

Outro interessado, de acordo com os boatos, é o banco francês BNP Paribas, que na semana passada concluiu a venda de sua subsidiária americana Bank of the West ao Bank of Montreal por US$ 16,3 bilhões. Depois de uma recompra de quatro bilhões de euros em ações, o banco francês disse que utilizaria o restante das receitas para investir em tecnologia e para aquisições.

Embora o presidente-executivo do BNP tenha afirmado esta semana que o banco estava buscando pequenas adições, uma oferta pelo Credit Suisse poderia se provar tentadora já que o grupo francês carece de um braço bancário privado bem-sucedido e é fraco na Ásia.

O Credit Suisse também pode ser alvo de aquisição por fundos nacionais de investimento do Oriente Médio, que estão com o caixa cheio como resultado do aumento dos preços da energia causado pela guerra na Ucrânia. Investidores da Arábia Saudita e do Qatar já constituem um quinto da base de acionistas do banco.

O projeto de recuperação continua a ser o plano A do banco. Mas os acionistas e analistas esperam receber mais informações à medida que os resultados forem divulgados na quinta-feira – de detalhes sobre as vendas de produtos securitizados pelo grupo até esclarecimentos sobre como o banco pretende concretizar seus ambiciosos objetivos de redução de custos.

"Eles precisam oferecer clareza", disse Kaufmann, do Ethos. "Quando há pouca transparência, surgem rumores – e, como vimos com a tempestade da mídia social em outubro, isso pode ser extremamente prejudicial".

Tradução de Paulo Migliacci

Reportagem adicional de Arash Massoudi em Londres e Sam Jones em Zurique

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