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Nova lei de SP tenta ampliar emprego de PCDs; veja o que foi criado

Política busca ampliar base legal de programas para incluir PCDs no mercado de trabalho

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Curitiba

O governo do estado de São Paulo sancionou no começo deste mês a Lei nº 17.645/2023, que institui a Política Estadual de Trabalho com Apoio para Pessoas com Deficiência.

A lei prevê que haja mediação para a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, promovendo a capacitação segundo as suas potencialidades e auxiliando empregadores no processo de inclusão.

Também há previsão de remuneração e benefícios iguais aos de pessoas sem deficiência que desempenham a mesma função.

Segundo Marcos da Costa, Secretário da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a lei amplia a base legal para avançar em programas de empregabilidade e empreendedorismo como os Polos de Empregabilidade Assistiva, que buscam apoiar a pessoa com deficiência na busca por emprego.

Marco Pellegrini é o primeiro usuário do emprego apoiado no Brasil. Ele é tetraplégico e recebeu a metodologia no início da década de 90, após levar um tiro na porta da sua casa - Gabriel Cabral - 24.fev.2023/Folhapress

Entre os serviços disponíveis estão cursos para capacitação e avaliação das habilidades dos candidatos, além do cadastro para vagas e auxílio a empresas na identificação de adequações necessárias para superar barreiras à atuação da pessoa com deficiência.

Pessoas e empresas podem procurar um dos Polos de Empregabilidade Inclusiva do estado e encontrar mais informações no site do programa Meu Emprego Inclusivo.

A sanção da lei ocorre em um cenário de baixa empregabilidade de pessoas com deficiência. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) relativos a 2019 mostram que 7 a cada 10 pessoas com deficiência em busca de emprego estavam fora do mercado de trabalho, e que a média salarial era R$ 1.000 menor que a de pessoas sem deficiência.

Thaís Dumêt Faria, oficial técnica em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho para América Latina e Caribe da OIT (Organização Internacional do Trabalho), opina que a lei é um grande avanço, inclusive por fomentar a educação inclusiva.

"O Estado ter aprovado essa lei e agora ter a obrigação de executá-la com outras instituições de formação e de emprego é um avanço muito grande, demonstra prioridade e abre possibilidade para as pessoas com deficiência que não tiveram acesso à educação e formação profissional poderem começar neste processo", declara a especialista.

Faria diz que frente às 17,2 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, a inclusão ainda é ínfima: "É 8,4% da população, então a gente tem um número muito grande de trabalhadores e trabalhadoras com potencialidade de contribuir para o crescimento do país e sem ter as condições para isso."

Para ela, a priorização do tema por políticas públicas é importante: "Tem muitas esferas que podem e devem trabalhar com o tema, colocando também uma prioridade a esse apoio, porque a Lei de Cotas abre vagas, mas até chegar lá, é uma barreira muito grande, até chegar na porta do local de trabalho e se preparar profissionalmente para isso e conseguir superar essas barreiras."

Como funciona o processo de emprego apoiado?

Flavia Maria da Silva, 35, é uma das beneficiadas pelo emprego apoiado. Em 2003, seus pais buscaram a Apabex, instituição sem fins lucrativos que estava começando a oferecer a mediação para atender a filha, que tem deficiência intelectual.

Flávia Maria da Silva, 35 - Arquivo pessoal

Dois profissionais a auxiliaram neste percurso, Alexandre Betti e Maria Fernanda Baptista Prezia, que conta como foi o início da experiência: "O Alexandre ia na casa de Flávia e com ela a vários lugares. Foi conhecer o arredor de onde ela morava, e principalmente, conhecer a Flávia, saber de suas potencialidades e autonomia, quais eram seus principais interesses, e a gente foi descobrindo que a Flávia tinha muito potencial, desejos e sonhos."

A trajetória profissional de Silva começou na área administrativa, inicialmente no escritório de um hortifruti e depois em Centros de Educação Infantil da Região. Logo, começou a ajudar as professoras como auxiliar de sala e sentiu vontade de cursar pedagogia, o que fez nos anos seguintes.

"Quando acabou a faculdade, eu queria um emprego, e não conseguia de jeito nenhum. Aí a Fernanda me ajudou", relata Silva. Esta é a segunda fase do emprego apoiado: o desenvolvimento de emprego, passando por pesquisa e análise de funções, culturas e disponibilidade de apoios, resultando em uma vaga customizada ou já existente que visa beneficiar tanto o profissional quanto o contratador.

Em março de 2022, Silva começou a trabalhar em seu emprego atual, em um colégio da Rede Santa Catarina que conta com um projeto de inclusão e diversidade. "Aqui a gente começou, junto da equipe da escola, a criar caminhos, pois não tinham uma vaga específica para a Flávia. Em reunião com os coordenadores, a gente criou uma função para a Flávia dentro da escola. Acho que é esse o diferencial do emprego apoiado, que é criar junto", diz Prezia.

Após a contratação, a consultora acompanhou Silva no período de adaptação. "Eu vinha todos os dias para ir montando, onde ela se saía melhor, onde precisava de apoio, aí conversando com os professores, fazendo ajustes." Foi assim que, junto de Silva e da empresa, a consultora desenhou suas funções.

Hoje Silva trabalha como auxiliar de sala, acompanhando 21 crianças na faixa etária de quatro a cinco anos de idade: "Chego, vou ajudar a arrumar as coisas no ateliê, subo com as crianças para a sala, levo eles no banheiro, para beber água e acompanho nas aulas, no lanche, no parque e nas aulas extracurriculares", conta a profissional.

O percurso contou com algumas adaptações, como deixar de auxiliar na bastante agitada hora de almoço das crianças. As colegas de trabalho também servem como apoio em alguns momentos. "A Flávia tem esse jeitinho de falar mais calmo e baixo, então a gente sempre faz uma parceria com a professora e com a outra auxiliar para que as crianças deem ouvidos e entendam que ela também pode pedir alguma coisa, que precisam responder. Foi mais um desafio que ela enfrentou e hoje…", diz Prezia, antes de Silva completar: "Consegui! Estou enfrentando cada vez mais."

Com o tempo, Silva começou a contar com mais autonomia, contatando a consultora somente quando necessita. "Eu e a Fernanda é tipo uma relação de amizade, porque quando eu preciso de ajuda, eu ligo para ela, para entender alguma coisa, e ela me explica", descreve.

"Ela está aqui agora faz um ano e eu sempre falo que ela é dona do nariz dela. Se ela quiser mudar, ela tem liberdade de falar", conclui a consultora.


Metodologia busca equidade para pessoas com deficiência

Segundo Yvy Abbade, presidente da Anea (Associação Nacional do Emprego Apoiado), a metodologia visa incluir no mercado competitivo de trabalho pessoas comumente excluídas, como pessoas com deficiência, com dificuldades de aprendizagem ou determinadas condições de saúde.

"Todo mundo pode ter a oportunidade de ser incluído, só são necessárias adaptações na sociedade para que isso aconteça", diz Abbade. Quem identifica e media estas adaptações no ambiente profissional é o consultor de emprego apoiado.

"O consultor reporta atividades, direciona, elabora adaptações que possibilitam que a pessoa seja tão produtiva quanto qualquer outra", afirma. "É um modelo diferente de fazer inclusão, em que você olha para a potencialidade da pessoa, e não para sua deficiência."

Também é levada em conta a importância das relações: "Por isso há uma relação com família, empresa, gestor, colega de trabalho… É o poder dos apoios, que apoio cada um desses pode dar."

Ainda, a especialista adverte que o emprego apoiado não pode ser confundido com o assistencialismo: "Pelo contrário, a gente preza pela questão da claridade, da produtividade no trabalho, no desempenho do profissional com deficiência. Também entendemos que o profissional precisa estar satisfeito com a profissão, com a função que vai exercer, porque é um profissional que tem interesses próprios e sonhos".

Empresas recebem apoio para se adaptar e criar acessibilidade

O método envolve o apoio também para o ambiente de trabalho, com o acompanhamento de um técnico, consultor qualificado, que trabalha com toda a rede de relacionamento da pessoa com deficiência, dentro e fora da empresa.

Neste cenário, são criados os apoios locais, formas em que o trabalho possa ser adaptado para que a pessoa o desenvolva de forma produtiva. "Há receio, medo, falta de conhecimento sobre como lidar com a pessoa com deficiência. Ainda temos uma grande dificuldade em fazer com que o processo de inclusão aconteça, e principalmente eliminar a visão capacitista", diz Abbade.

Faria conta que é comum empresas começarem a contratar pessoas com deficiência por conta da Lei de Cotas, mas continuarem por perceber os benefícios para o ambiente de trabalho, como maior colaboração e inovação.

"A gente está falando de 8,4% da população, é muita coisa. Então as empresas também precisam refletir dentro a sociedade de fora, para que elas também possam se comunicar com todas as pessoas. Economicamente, isso é algo muito positivo", opina a especialista.

Políticas internas de inclusão são importantes para contratação

"A gente sempre fala que o problema não é a deficiência que as pessoas têm, mas sim as barreiras sociais, que as estruturas e a sociedade não são feitas para a pessoa que tem alguma deficiência. Então é importante que exista uma política para tornar o ambiente acessível permanentemente, e não quer tenha uma transformação porque uma pessoa entrou", diz Faria.

A ideia é que os ambientes sejam pensados de forma mais acessível, o que por vezes, envolve mudanças simples, mas que passam despercebidas por muitos. "Por isso também é tão importante a gente ter circulando e tomando conta da sociedade, como é de direito, as pessoas com deficiência, porque só assim a gente consegue ter a sensibilidade do que fazer para que os espaços realmente sejam adequados."

A oficial exemplifica o impacto de trocar mesas ou bebedouros altos por móveis mais baixos ou fazer o banheiro com uma porta um pouco maior, de forma que sejam mais acessíveis para pessoas de menor estatura e cadeirantes.

Mas tornar ambientes mais acessíveis vai além de mudanças estruturais. "Sem dúvida é importante, mas ainda é uma visão limitada a de que o local tem uma rampa e por isso é acessível. É também, mas não totalmente."

Mudanças mais sutis e individualizadas podem ser implementadas através do emprego apoiado: "Aquele sistema e metodologia acaba apoiando também o local de trabalho que quer compreender o que significa acessibilidade de maneira mais ampla, porque quem não tem deficiência obviamente vai ter mais dificuldade de saber quais as questões."

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