Golpes de agências de talentos chegam ao TikTok

Criadores de vídeos confiaram em seus empresários; agora, eles só querem seu dinheiro

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Madison Malone Kircher
Nova York | The New York Times

Quando Celeste Polanco acumulou 100 mil seguidores no TikTok, começou a pensar em dinheiro.

"Eu sabia que estava em posição de conseguir contratos com marcas", disse Polanco, de Brooklyn, que cria conteúdo sobre estilo de vida. "Mas não sabia nada sobre o lado comercial das coisas".

Por isso, Polanco, 30, ficou interessada quando um representante da Carter Agency, uma agência de talentos que representa criadores de vídeos para o TikTok, entrou em contato, em 2021. Ela gostou da energia que sentiu em Ben Popkin, um representante da agência, durante a primeira reunião entre eles, que aconteceu por vídeo.

"Eu o informei sobre os meus limites e sobre o valor que acreditava ter como influenciadora nova naquele espaço", disse Polanco, acrescentando que Popkin indicou que esse valor era mais alto do que ela imaginava.

Ela assinou um contrato.

As criadoras de conteúdo Content Riri Bichri e Celeste Polanco no Central Park, em Nova York - Casey Steffens - 21.jan.2023/The New York Times

A história de Polanco não é incomum, entre muitas das pessoas que abraçaram o TikTok nos últimos anos e se viram abençoadas pelo misterioso algoritmo que distribui os vídeos que elas produzem a um vasto número de usuários. O caminho da fama à fortuna na plataforma está sendo mapeado em tempo real, muitas vezes pelo próprio TikTok. A maioria dos usuários não ganha dinheiro; aqueles que ganham, tipicamente o fazem através da promoção de marcas e produtos. Agências de talentos podem ajudar a negociar esse tipo de contrato.

Agora, mais de um ano depois de assinar com a Carter Agency, Polanco diz que a empresa não pagou por diversos contratos que ela cumpriu enquanto trabalhava com a agência. De acordo com documentos fornecidos ao The New York Times, a Carter Agency negociou contratos em nome de Polanco no valor de pelo menos US$ 10 mil, e Polanco diz não ter recebido um centavo desse dinheiro. Polanco é só um exemplo entre as duas dúzias de criadores que relataram problemas semelhantes com a agência ao The New York Times, entre os quais retenção de dinheiro e sonegação de informações aos criadores sobre a tabela de preços da agência para os contratos com marcas.

O jornal tentou contatar a Carter Agency por email, mensagens de texto e telefone, em busca de sua resposta a essas acusações, mas a agência não respondeu.

Niké Ojekunle foi uma das primeiras criadoras a falar sobre a agência, no TikTok e no podcast "Women in Influencer Marketing", em novembro.

No TikTok, Ojekunle acusou a agência de afirmar representá-la quando esta estava tentando fechar contrato com outro criador. Ela disse que nunca assinou contratos com qualquer empresário, em seus dez anos no ramo como influenciadora.

Das pegadinhas ao lucro

A Carter Agency foi fundada por Josh Popkin, que trabalhava com seu irmão, Ben Popkin, e um punhado de outros empresários. Eles representavam dezenas de criadores de vídeos para o TikTok, e uma versão arquivada do site da agência, que saiu do ar mais tarde, menciona uma lista de "parceiros estratégicos" que inclui Netflix, Amazon, McDonald's e NFL. (Um representante da Amazon negou que a empresa tivesse sido "parceira estratégica" da agência em qualquer momento. As demais empresas não responderam a pedidos de comentários.)

Antes de fundar a agência, Josh Popkin era criador de conteúdo no TikTok. A sua conta, que chegou a ter mais de 3 milhões de seguidores, conquistou manchetes no segundo trimestre de 2020 por um vídeo em que ele virava uma banheira cheia de leite e cereais no piso de um vagão de metrô em Nova York.

A Metropolitan Transportation Authority, que controla o transporte público na cidade, definiu a brincadeira como "desprezível", mencionando seu impacto sobre trabalhadores essenciais que estavam batalhando para manter o metrô em funcionamento em meio à pandemia. Popkin pediu desculpas por meio de um vídeo, que agora só pode ser assistido por usuários autorizados por ele, em seu canal no YouTube; ele também fechou a conta no TikTok em que o vídeo da pegadinha foi postado originalmente.

Os empresários relacionados à agência muitas vezes enviavam aos seus clientes uma declaração de trabalho, depois de garantirem contratos com uma marca. Esses documentos, de uso comum no setor, detalham os prazos do projeto, os valores dos pagamentos e o tipo de vídeo que os criadores se comprometem a subir.

Agências como a Carter Agency ganham dinheiro ao receber uma percentagem dos valores pagos aos criadores. Os documentos analisados pelo The New York Times indicam que os criadores normalmente concordavam em que que a agência recebesse uma comissão de 20% a 30%, com o restante do valor destinado a eles. Mas muitos dos criadores afirmaram ter recebido muito menos dinheiro do que lhes era devido, ou que simplesmente não foram pagos.

Timisola Ogunleye, 27, uma criadora que assinou com a agência em 2021, disse que a empresa conseguiu contratos com a Clean & Clear e Neutrogena, entre outras marcas. Ela aceitou a comissão de 30% cobrada pela agência, mas o valor pareceu elevado a Ogunleye, que também trabalha no ramo de seleção de elenco e produção de vídeos. "Ainda tenho uma carreira, que é o meu foco", ela disse. "Assim, o negócio era ou aceitar pagar os 30% deles ou receber nada".

Riri Bichri, criadora conhecida por seus vídeos de nostalgia sobre a década de 2000, assinou com a agência em 2022. Ela disse que sua esperança era que "tivesse assinado um contrato decente, o que não aconteceu, e que eu pudesse trabalhar com pessoas em geral honestas, o que tampouco aconteceu". A experiência, ela disse, "me fez perceber que para eles era muito fácil agir daquela maneira, porque o ramo é tão novo, tão pouco regulamentado".

Arielle Fodor, 30, uma professora de jardim de infância que se tornou uma estrela no TikTok sob o pseudônimo Frazzled, criou uma planilha para acompanhar o dinheiro que, segundo ela, a agência lhe deve. De acordo com emails que ela mostrou ao The New York Times, uma marca informou a Fodor que tinha pago à Carter Agency pelo trabalho dela há pelo menos seis meses. Fodor mostrou ao jornal os contratos que afirmavam que ela tinha US$ 28 mil a receber por esse trabalho. Ela disse não ter visto um tostão do dinheiro.

Múltiplos criadores também acusaram a Carter Agency de tirar vantagem de criadores não brancos.

Domenica Comai, criadora em Los Angeles que trabalhou com a agência por mais de um ano, a partir de 2021, disse acreditar que Josh Popkin "tinha como alvo principal os negros, as pessoas não brancas, e acho que, de modo geral, talvez também as pessoas mais vulneráveis".

Comai criou um grupo de chat em novembro de 2022 para reunir cerca de uma dúzia de criadoras que dizem ter sido explorados pela Carter Agency. As integrantes do grupo são todas mulheres, entre as quais Ogunleye, Bichri e Fodor. Quase todas as participantes são não brancas (assim como a maioria das pessoas que falaram ao The New York Times para este artigo).

Crystal Scruggs, criadora radicada em Houston, disse que Ben Popkin tinha mencionado a batalha dos criadores negros quando estava tentando convencê-la a assinar com a agência, em agosto de 2022. "Quando falamos ao telefone naquele dia, ele disse diversas vezes que, porque eu era uma criadora negra, merecia aquilo, e que ele queria garantir que as pessoas fossem remuneradas de maneira igualitária no mundo dos influenciadores".

Scruggs, assim como Ojekunle, já tinha falado à revista Fast Company sobre a sua experiência. Ela disse ter fechado apenas um contrato enquanto trabalhava com a agência.

Peter Rodriguez, 27, criador de vídeos em Tampa, Flórida, produz vídeos para o TikTok com o seu irmão gêmeo, também chamado Peter Rodriguez. (Seu pai e um terceiro irmão também portam o mesmo nome.)

Os irmãos Rodriguez começaram a trabalhar com a Carter Agency no início de 2022. Rodriguez disse que o pagamento que receberam estava longe dos US$ 18 mil a US$ 25 mil por post que Ben Popkin mencionou em um de seus emails. (O The New York Times teve acesso a essa mensagem de email.)

Apesar disso, Rodriguez estava entusiasmado por receber qualquer coisa, ele disse, porque normalmente fazia vídeos de graça. Para ele, o sonho era ganhar dinheiro suficiente para deixar seu emprego cotidiano e se concentrar no TikTok.

Em setembro de 2022, os irmãos receberam uma declaração de trabalho da agência sobre um contrato com uma marca de desodorante. O valor, de acordo com um documento fornecido ao The New York Times, era de US$ 350 por três vídeos para o TikTok.

Os irmãos mais tarde assinaram um novo contrato diretamente com a marca: US$ 16 mil por dois vídeos, de acordo com um contrato visto pelo jornal.

E embora histórias sobre agências que se apressam a assinar com jovens talentos, muitas vezes inexperientes, sejam conhecidas —a indústria da música, por exemplo, está repleta de processos judiciais relacionados a esse tipo de contrato—, a novidade do TikTok e a opacidade da economia dos influenciadores tornam pessoas como Rodriguez especialmente vulneráveis.

Alexis Farkas, 28, disse ter trabalhado para a agência durante dois meses em 2022, como olheiro em busca de novos influenciadores. Josh Popkin enfatizava a necessidade de encontrar criadores que não tivessem empresários, disse Farkas, que vive em Newtown, Pennsylvania.

Um aviso do TikTok

Em novembro de 2022, Ojekunle, uma criadora muito popular conhecida online como Specs & Blazers, publicou um vídeo no qual acusava a Carter Agency de numerosas irregularidades.

Ela não foi a primeira. Em janeiro de 2021, Stephen Odea, conhecido online como Stephen Alexander, criou uma conta no TikTok chamada @TheCarterAgency e postou dois vídeos; em um deles, escreveu que a agência se aproveitava de seus clientes.

O vídeo de Ojekunle e outros vídeos subsequentes foram vistos centenas de milhares de vezes. Em um deles, ela descreveu sua surpresa quando um criador a contatou no final de 2021 perguntando se estava satisfeita com sua representação pela Carter Agency. Ojekunle tinha trabalhado com a agência em contratos individuais, mas disse que nunca tinha assinado um contrato apontando a Carter Agency como sua representante. Ela acredita que a empresa estivesse usando o seu nome para ajudar a recrutar outras pessoas.

Niké Ojekunle em sua casa em Los Angeles - Daniel Dorsa - 23.jan.2023/NYT

No final de 2022, Ojekunle recebeu um email de Jesse Greenspun, do Malibu Marketing Group, outra empresa criada por Josh Popkin. No email, fornecido ao The New York Times, Greenspun disse que estava trabalhando com a Naturium, uma marca de produtos para a pele, e que tinha uma potencial oportunidade de negócios para a influenciadora.

Ojekunle disse que conversou mais tarde com Susan Yara, a fundadora da Naturium. Yara disse que Greenspun tinha se apresentado à Naturium como empresário de Ojekunle.

"Trabalhei para a Carter Agency e o Malibu Marketing Group como prestador de serviços, pago por hora, mas saí em novembro", escreveu Greenspun em um email ao The New York Times. Ele negou que tivesse se apresentado como empresário de Ojekunle.

Depois de o vídeo de Ojekunle ganhar popularidade, Ben Popkin enviou um email aos clientes da Carter Agency. Nele, definiu as afirmações da influenciadora como "improcedentes" e escreveu que Ojekunle tinha um contrato com a agência mas que a empresa tinha decidido rompê-lo por ela ser "pouco profissional" e não ter produzido os materiais prometidos. Ojekunle negou estas afirmações.

Yasmine Sahid e Arielle Fodor, que fazem parte do grupo de criadores que trabalharam com a Carter Agency - Daniel Dorsa - 23.jan.2023/NYT

Um caminho incerto

"É bom que exista pelo menos um grupo que compreende totalmente o que se passa", disse Yasmine Sahid, 26, de Los Angeles, membro do grupo de chat de criadoras criado por Comai. Ela instruiu seu advogado a enviar uma carta à agência em janeiro cobrando US$ 50 mil em pagamentos pendentes e solicitando que a companhia exibisse sua licença para operar como agência de talentos.

A agência não respondeu.

Decidir o que fazer a seguir é complicado. Fodor contatou a Comissão Federal de Comércio e disse que o homem que atendeu o telefone reconheceu sua voz, da mídia social, e conversou com ela sobre sua mulher, que também trabalha com educação. "E em seguida ele disse que não era a pessoa certa para que eu entrasse em contato, e pediu desculpas", disse Fodor. Ela acabou por encontrar um advogado, que agora está trabalhando com algumas integrantes do grupo de chat de Comai.

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