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Japonês doa empresa de sucesso por falta de sucessores

Empresário do norte do Japão ilustra um dos impactos econômicos de uma sociedade em envelhecimento

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Ben Dooley Hisako Ueno
Monbetsu (Japão) | The New York Times

Hidekazu Yokoyama passou três décadas construindo uma próspera empresa de logística na congelante ilha de Hokkaido, no norte do Japão, região que fornece grande parte do leite do país.

No ano passado, ele decidiu doar tudo.

Foi uma solução radical para um problema que se torna cada vez mais comum no Japão, país com a população mais velha no mundo. À medida que a taxa de natalidade do país despencou e sua sociedade envelheceu, a idade média dos empresários aumentou para cerca de 62 anos. Quase 60% das empresas japonesas relatam que não têm planos para o futuro.

 Hidekazu Yokoyama, que passou três décadas em Hokkaido construindo uma próspera logística de laticínios, em Monbetsu, Japão, em 3 de novembro de 2022.
Hidekazu Yokoyama decidiu doar um negócio de sucesso porque seus filhos e funcionários não estavam interessados em administrá-lo - Noriko Hayashi/The New York Times

Embora Yokoyama, 73, estivesse se sentindo velho demais para continuar na ativa por mais tempo, desistir não era uma opção, já que muitos agricultores passaram a depender de sua empresa.

"Eu definitivamente não podia abandonar o negócio", disse ele. Seus filhos, contudo, não estavam interessados em administrá-lo. Nem seus funcionários. E poucos potenciais proprietários queriam se mudar para a ilha distante e gelada.

Então, ele publicou um aviso numa plataforma que ajuda proprietários de pequenas empresas em locais distantes a encontrar alguém para assumi-las. O preço de venda? Zero iene.

O problema de Yokoyama representa um dos impactos econômicos mais devastadores do envelhecimento da sociedade japonesa. É natural que muitas pequenas e médias empresas saiam do mercado conforme a população diminui, mas políticos ainda temem que o país possa ser atingido por uma onda de fechamentos com a aposentadoria em massa de proprietários idosos.

Em 2019, uma apresentação pessimista do Ministério do Comércio do Japão projetou que, até 2025, cerca de 630 mil empresas lucrativas poderiam fechar as portas, custando à economia US$ 165 bilhões e até 6,5 milhões de empregos.

Com o crescimento econômico do Japão já enfraquecido, autoridades entraram em ação na esperança de evitar uma catástrofe. Os órgãos oficiais iniciaram campanhas para educar os proprietários idosos, mostrando-lhes opções para manter seus negócios vivos após suas aposentadorias e criando serviços para ajudá-los a encontrar compradores.

 Trabalhadores empregados por Hidekazu Yokoyama em Monbetsu, Japão, em 3 de novembro de 2022.
Trabalhadores empregados por Hidekazu Yokoyama em Monbetsu, Japão - The New York Times

Para chamar a atração, autoridades ofereceram grandes subsídios e incentivos fiscais para os novos proprietários.

Embora apareçam compradores para as empresas mais interessantes, parece quase impossível para muitos negócios pequenos, mas economicamente vitais, encontrar alguém para assumir.

Em 2021, os centros de ajuda do governo e os cinco principais serviços de fusões e aquisições encontraram compradores para apenas 2.413 empresas, segundo o Ministério do Comércio do Japão. Outras 44 mil foram abandonadas. Mais de 55% delas ainda eram lucrativas quando fecharam.

Muitos desses negócios ficavam em cidades pequenas, onde o problema de sucessão pode ser uma ameaça existencial. O colapso de uma empresa, seja um grande empregador local ou a única mercearia de um vilarejo, pode tornar ainda mais difícil para esses lugares sobreviverem ao desgaste constante do envelhecimento da população e da fuga para as cidades que esvazia o campo.

Depois que um programa administrado pelo governo não conseguiu encontrar alguém para assumir o negócio de Yokoyama, um banco sugeriu que ele procurasse a Relay, empresa com sede em Kyushu, a principal ilha do Japão, mais ao sul.

A Relay se diferenciou por apelar para o senso de comunidade e propósito dos potenciais compradores. Suas listagens, apresentando proprietários radiantes em frente a restaurantes de sushi e campos bucólicos, são projetadas para atrair moradores de grandes cidades atormentados que sonham com um estilo de vida diferente.

 Fardos de feno estocados por Hidekazu Yokoyama em Monbetsu, Japão, em 3 de novembro de 2022.
Fardos de feno estocados por Hidekazu Yokoyama - The New York Times

A tarefa da empresa não foi fácil no caso de Yokoyama. Para a maioria dos japoneses, a cidade onde fica sua empresa, Monbetsu, que tem cerca de 20 mil habitantes e está encolhendo, poderia muito bem ser o polo Norte. As únicas indústrias são a pesca e a agricultura, e a maior parte delas hibernam à medida que os dias ficam mais curtos e a neve se acumula nos telhados. No auge do inverno, alguns turistas vêm comer ovas de salmão e vieiras e ver os blocos de gelo que se colam ao modesto porto da cidade.

À medida que os agricultores locais envelheceram e seus lucros diminuíram, muitos deles passaram a depender de Yokoyama para tarefas como colher feno e limpar a neve. Os dias dele começam às 4h e terminam às 19h. Ele dorme num pequeno quarto atrás de seu escritório.

Seria "extremamente difícil" se seu negócio falisse, disse Isao Ikeno, gerente de uma cooperativa de laticínios próxima que aderiu fortemente à automação na medida em que ficava mais difícil encontrar trabalhadores.

Na fazenda da cooperativa, 17 funcionários cuidam de 3.000 cabeças de gado, e a empresa de Yokoyama preenche as lacunas. Nenhuma outra empresa da área pode fornecer os serviços, disse Ikeno.

Yokoyama começou a pensar em se aposentar há cerca de seis anos. Mas não estava claro o que aconteceria com a empresa.

Embora ele tenha contraído uma dívida de pouco mais de US$ 500 mil, anos de políticas generosas de estímulo econômico mantiveram as taxas de juros muito baixas, aliviando o fardo, e a margem de lucro anual da empresa era de cerca de 30%.

O anúncio que ele colocou no Relay reconhecia que o trabalho era difícil, mas dizia que não havia necessidade de experiência anterior. O melhor candidato seria "jovem e disposto a trabalhar".

Trinta consultas foram feitas. Entre os interessados, havia um casal e o representante de uma empresa que planejava se expandir. Yokoyama escolheu um azarão, Kai Fujisawa, 26.

 Kai Fujisawa, 26, que pode receber uma empresa de logística de laticínios de seu proprietário aposentado, em Monbetsu, Japão, em 3 de novembro de 2022.
Kai Fujisawa, 26, que pode receber uma empresa de logística de laticínios de seu proprietário aposentado, em Monbetsu, Japão - NYT

Um amigo de Fujisawa mostrou-lhe o anúncio no Relay. Ele imediatamente pegou um carro e apareceu na porta de Yokoyama, impressionando-o com sua juventude e seu entusiasmo.

Ainda assim, a transição não foi suave. Yokoyama não está totalmente convencido de que Fujisawa seja a pessoa certa para o trabalho. O processo de aprendizado é mais difícil do que qualquer um deles imaginou, e os funcionários grisalhos e fumantes inveterados de Yokoyama estão céticos de que Fujisawa conseguirá honrar a reputação do chefe.

A maioria dos 17 funcionários da empresa está na faixa dos 50 e 60 anos, e não está claro onde Fujisawa encontrará pessoas para substituí-los quando se aposentarem.

"Há muita pressão", disse Fujisawa. "Quando cheguei aqui, estava preparado para fazer isso pelo resto da vida".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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