Aumento de mosquitos em países ricos é oportunidade para empresas de controle de pragas

Temperaturas mais altas levaram à disseminação de portadores de doenças para altitudes maiores

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Leke Oso Alabi Cheng Ting-Fang
Londres | Financial Times

As empresas de controle de pragas estão desenvolvendo maneiras de combater o crescente número de mosquitos portadores de doenças fatais, como malária e dengue, em novas áreas do mundo em consequência da mudança climática.

O aumento das temperaturas levou à disseminação de doenças transmitidas por mosquitos e pernilongos para altitudes mais elevadas e áreas do mundo desenvolvido, onde antes não eram prevalentes.

A transmissão local da dengue foi relatada em vários países europeus, incluindo França, Espanha, Croácia e Itália, bem como em partes dos Estados Unidos e do Japão.

A Rentokil Initial, maior fornecedora mundial de controle de pragas, instalou recentemente uma "sala de sangue" em seu centro de inovação no Reino Unido para estudar o comportamento de mosquitos e outros insetos, o que "aumentará nosso conhecimento e experiência nos próximos anos", disse o executivo-chefe, Andy Ransom.

Funcionários matam mosquitos do lado de fora de um canteiro de obras em Hong Kong - Reuters

A Rentokil prevê que o mercado global de controle de mosquitos se expandirá de US$ 1,6 bilhão em 2021 para US$ 2,1 bilhões até 2026, uma taxa composta de crescimento anual estimada de 5,8%.

A sala de sangue abrigou mosquitos que se "adaptaram bem" à instalação, "onde os alimentamos com sangue humano proveniente de um serviço de doação de sangue", disse Rentokil.

"Na Europa, a tendência atual é ver o ‘Aedes albopictus’ [o mosquito-tigre asiático] se movendo para o norte, principalmente na Itália, sul da França e Espanha", disse Ransom. O mosquito-tigre asiático é um vetor da transmissão de vários patógenos, incluindo dengue, febre amarela, zika e chikungunya.

O grupo de controle de pragas usa larvicidas de mosquitos para remover locais de reprodução de pequenos corpos d'água e a pulverização direcionada de adulticidas –um tipo diferente de inseticida– para exterminar mosquitos maduros da vegetação baixa.

A empresa de controle de vetores da Rentokil, a Vector Disease Control International, alertou que as doenças transmitidas por mosquitos e percevejos "estão na vanguarda das preocupações crescentes com as alterações climáticas".

A Wellcome Trust, fundação beneficente de pesquisa em saúde, disse que prevê que os mosquitos portadores de doenças alcancem até 500 milhões de pessoas a mais do que atualmente até 2050. Estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas estariam sob risco de malária, dengue, zika, chikungunya e muitas outras doenças até 2080. A fundação disse que está desenvolvendo um banco de dados de código aberto para rastrear essas doenças infecciosas sensíveis ao clima.

Felipe Colón, líder em tecnologia de dados para ciência e saúde do Wellcome Trust, disse que a mudança climática também aumentou a disseminação de outras pragas, como cupins.

As regiões do norte dos EUA estão experimentando cupins em lugares que não haviam sido relatados anteriormente, de acordo com a Orkin, subsidiária do grupo americano de controle de pragas Rollins.

"Existe um cupim chamado cupim subterrâneo de Formosa que é encontrado no sudeste dos Estados Unidos. Há também alguns na Califórnia e no Havaí –tende a ser em áreas mais quentes", disse Benjamin Hottel, gerente de serviços técnicos da Orkin. "Houve uma descoberta recente na área de Norfolk, na Virgínia. Esse é o ponto mais ao norte aonde eles já chegaram."

O ano passado foi o sexto ano mais quente já registrado desde 1880, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa) dos Estados Unidos. As temperaturas subiram pelo menos 1,1°C na era industrial.

Os especialistas também alertaram que é difícil prever como os ciclos de reprodução de insetos, como mosquitos, responderiam às mudanças no clima.

"Conforme aumenta a temperatura, aumenta a adequação para o funcionamento desse processo e geralmente há uma faixa ideal, mas quando fica muito quente o processo também pode ser interrompido", disse Kris Murray, professor de mudança ambiental e saúde na unidade em Gâmbia (África) do conselho de pesquisa médica da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

"Um clima mais quente pode acelerar o ciclo de vida de espécies dependentes da temperatura", acrescentou. "Se é um organismo que pode completar mais ciclos de vida em, digamos, um ano, devido a temperaturas mais adequadas provocadas pelas mudanças climáticas, isso pode aumentar a probabilidade de ele se estabelecer em um novo local se for introduzido ou se já houver populações maiores lá."

Murray observou que a mudança climática, segundo previsões, terá em média um impacto maior na redução da diversidade e abundância de espécies. Mas também tornou as condições em alguns países europeus mais hospitaleiras para insetos invasores.

"Existem partes da Europa que antes eram muito frias para sustentar muito bem o mosquito. A mudança climática as está aquecendo e tornando um pouco mais adequadas, [então] os mosquitos podem ser mais capazes de se estabelecer ou sobreviver lá", disse ele.

Existem cerca de 3.600 espécies conhecidas de mosquitos. A distribuição nativa do mosquito-tigre asiático está no sudeste da Ásia, mas ele vem se espalhando desde a década de 1960 e foi descoberto na Albânia em 1979. Agora está presente em grande parte do sul e centro da Europa.

"No ano passado, a França registrou seu maior número de casos de dengue que foram vetorados [pelo mosquito-tigre asiático]", disse Steven White, ecologista teórico do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido.

A presença desse mosquito no Reino Unido foi descoberta em 2017. "Era provável que os mosquitos fossem introduzidos do outro lado do canal pelo transporte, no entanto não se acredita que eles conseguiram se estabelecer", disse White. "Isso pode mudar num futuro próximo devido às mudanças climáticas."

Outro tipo de preocupação é o mosquito doméstico comum, o "Culex pipiens". "Esta espécie é residente no Reino Unido, nosso trabalho de modelagem indica que é provável que aumente em abundância", disse White.

"O Culex pipiens é um vetor do vírus do Nilo Ocidental, que atualmente está ausente no Reino Unido, mas pode ser introduzido por meio de aves migratórias", acrescentou. "Nosso trabalho sugere que o aumento da temperatura pode tornar mais prováveis surtos do vírus do Nilo Ocidental no Reino Unido nas próximas décadas."

Traduzido por Luiz Roberto Gonçalves

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