'Pertencimento' ou 'inclusão'? Empresas testam nova abordagem para diversidade

A mudança de terminologia reflete mudança de pensamento entre alguns consultores

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Jennifer Miller
The New York Times

A Woodward é uma empresa do setor aeroespacial criada 153 anos atrás, que até a década de 1990 costumava exigir que seus empregados homens usassem gravatas-borboleta.

Por isso, Paul Benson, o vice-presidente de recursos humanos da companhia, sabia que a criação de um programa de diversidade, equidade e inclusão em toda a empresa exigiria uma mudança sísmica. "Se você observar nosso organograma online, verá que temos uma equipe de liderança formada integralmente por homens brancos mais velhos", ele disse. Mas os empregados estavam ansiosos por uma cultura mais inclusiva.

"As pessoas querem sentir que pertencem à empresa", disse Benson. "Elas querem vir para o trabalho sem a sensação de que precisam deixar na porta aquilo que realmente são".

Karith Foster, diretora executiva da Inversity Solutions, uma consultoria, lidera uma reunião sobre diversidade no local de trabalho na CompSource Mutual Insurance em Oklahoma City em 18 de janeiro de 2023. Foster diz que sua abordagem enfatiza a responsabilidade e o desenvolvimento pessoal sobre grupos de identidade - Nick Oxford/The New York Times

No terceiro trimestre de 2022, Benson começou a procurar um consultor de diversidade que estivesse à altura da tarefa. A esperança dele era encontrar um ex-executivo com quem os trabalhadores se identificassem "e que tivesse visto a luz".

Em lugar disso, uma busca no Google o conduziu a uma ex-humorista e figura de mídia chamada Karith Foster; ela é negra e presidente-executiva da Inversity Solutions, uma consultoria que repensa a programação tradicional de diversidade.

Foster disse que as empresas precisam abordar o racismo, o sexismo, a homofobia e o antissemitismo no local de trabalho. No entanto, ela acredita que a ênfase excessiva em grupos de identidade e a tendência de reduzir as pessoas a "vítimas ou vilões" podem reduzir o poder de ação e alienar a todos, inclusive os empregados negros. Ela diz que sua abordagem permite que todos "cometam erros, digam a coisa errada às vezes e sejam capazes de corrigi-la".

Os argumentos dela convenceram Benson. Ele contratou Foster para fazer a principal palestra na conferência de cúpula dos líderes da Woodward, em outubro passado.

Pouco depois de subir ao palco, ela pediu aos participantes que fechassem os olhos e levantassem as mãos em resposta a uma série de perguntas provocativas: Eles já haviam travado a porta do carro ao ver um homem negro chegando perto? Já tinham pensado coisas como "pois é, os judeus são realmente bons com dinheiro"? Já haviam questionado a inteligência de alguém que tem um sotaque sulista forte?

Os membros do público respondem levantando as mãos durante uma reunião sobre diversidade no local de trabalho liderada pelo consultor Karith Foster na CompSource Mutual Insurance em Oklahoma City em 18 de janeiro de 2023. Durante suas apresentações, Foster pede aos participantes que compartilhem seus preconceitos e não se envergonhem deles - Nick Oxford/The New York Times

As pessoas levantavam as mãos timidamente, demonstrando até algum medo. Quando Foster concluiu sua lista, quase todas as mãos —inclusive a dela— estavam erguidas.

"Parabéns, vocês todos são seres humanos certificados", ela disse. "A questão não é estar certo ou errado, mas entender quando o preconceito entra em jogo".

Benson ficou aliviado. "Eu estava em uma mesa com alguém que começou a coisa toda de braços cruzados", ele recordou. "A linguagem corporal da pessoa indicava que aquele cara não estava acreditando na palestra. Mas, no meio do caminho, ele já estava rindo e batendo palmas".

Foster, segundo ele, ajudou as pessoas a "se sentirem bem consigo mesmas, mesmo que elas não tivessem sido ativistas ou não tivessem participado dessa jornada no passado, e lhes dava aquela esperança de ‘vamos ver como podemos seguir em frente’".

Em outras palavras, ela as ajudou a sentir que pertenciam à conversa.

A questão do pertencimento se tornou o foco mais recente no mundo da diversidade corporativa, da equidade e da programação de inclusão, que está em constante em evolução.

O interesse por criar locais de trabalho mais inclusivos explodiu após o assassinato de George Floyd em 2020. Muitas empresas voltaram sua atenção a combater o racismo sistêmico e os desequilíbrios de poder - aspectos que mantinham os postos de conselho ocupados por brancos e levavam os funcionários não brancos a se sentirem excluídos da vida no escritório.

Agora, quase três anos daquele momento, algumas empresas estão alterando sua abordagem quanto à diversidade, equidade e inclusão (DEI), e chegam a mudar o nome dos departamentos responsáveis para incluir "pertencimento" [belonging]. É a era do DEI-B.

Alguns críticos temem que o objetivo seja fazer com que as pessoas brancas se sintam confortáveis, em vez de abordar a desigualdade sistêmica, ou que isso simplesmente permita que as empresas priorizem o bem-estar em vez de promoverem a mudança necessária.

"Pertencer é uma forma de ajudar pessoas que não são marginalizadas a se sentirem parte da conversa", disse Stephanie Creary, professora assistente de gestão na Wharton School, que estuda estratégias corporativas de diversidade e inclusão.

Ela acredita que um foco abstrato no pertencimento permite que as empresas evitem as conversas difíceis sobre poder - e a resistência que essas conversas geralmente geram. "A preocupação é que estejamos apenas criando novos termos, por exemplo pertencimento, como uma forma de administrar essa resistência", disse Creary.

Foster afirma que, na prática, não haverá equidade se as pessoas no poder - "o homem branco heterossexual" - se sentirem excluídas da conversa. As pessoas que os profissionais tradicionais de DEI "mais querem atrair são as pessoas que eles estão isolando e honestamente condenando ao ostracismo", ela disse.

A Business for America (BFA), uma organização apartidária e sem fins lucrativos, entrevistou recentemente mais de duas dúzias de executivos em 18 empresas e constatou que esse é um tema comum. "A forma como eles implementaram o DEI exacerbou as divisões, mesmo que tenha abordado questões valiosas", disse Sarah Bonk, fundadora e presidente da BFA. "Isso criou certa hostilidade e ressentimento".

É por isso que empresas como a Woodward agora estão contratando consultores especializados em "pertencimento" e "construção de pontes". Esses profissionais ajudam os executivos que temem que as divisões que existem no país estejam penetrando no local de trabalho, ameaçando criar uma barreira entre colegas e fazendo com que todos se sintam ansiosos e na defensiva.

Creary concorda que esses são problemas reais. "Percebo que as empresas querem ter uma conversa estruturada sobre a ideia de que permitir que todos nós prosperemos nos ajudará coletivamente", ela disse. Mas ela teme que o "pertencimento" dê cobertura às pessoas que preferem manter o status quo. "Ainda há uma grande porcentagem de pessoas que têm uma mentalidade de que, para que alguém ganhe, alguém mais precisa perder", ela disse. "Se eu apoiar você, vou sair perdendo".

De onde vêm os valores

A obsessão por pertencer é o resultado de um padrão corporativo que agora é amplamente difundido: Traga sua pessoa inteira para o trabalho. Se você tiver a flexibilidade de trabalhar onde quiser e a liberdade de discutir as questões sociais e políticas que são importantes para você, então, idealmente, sentirá que pertence à sua empresa.

Karith Foster, centro, diretora executiva da consultoria Inversity Solutions, se reúne com membros do Comitê de Diversidade e Pertencimento na CompSource Mutual Insurance em Oklahoma City em 18 de janeiro de 2023. Foster diz que sua abordagem enfatiza responsabilidade pessoal e desenvolvimento sobre grupos de identidade - Nick Oxford/The New York

A ideia de trazer todo o seu ser para o trabalho surgiu antes da pandemia, mas se tornou uma espécie de mandato quando ela chegou ao auge, pois as empresas tentavam controlar uma onda de demissões. Elas também estavam respondendo às preocupações de que muitas pessoas se sentiam excluídas no local de trabalho. De acordo com um relatório publicado em 2022 pelo instituto de pesquisa Coqual, cerca de metade dos profissionais negros e asiáticos com diplomas universitários básicos ou mais avançados não tinham um senso de pertencimento no trabalho.

No ano passado, a Society for Human Resource Management realizou sua primeira pesquisa sobre pertencimento corporativo. Setenta e seis por cento dos entrevistados disseram que suas organizações priorizavam o pertencimento como parte de sua estratégia de DEI, e 64% disseram que planejavam investir mais em iniciativas de pertencimento este ano. Os entrevistados disseram que as comunidades baseadas em identidade, como os grupos de recursos para funcionários, ajudavam a promover o pertencimento, enquanto o treinamento obrigatório sobre diversidade não ajudava.

Jonathan Haidt, psicólogo social e professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York, gostaria que não estivéssemos tendo essa conversa sobre identidade e pertencimento. "Em um momento de crescente polarização política, o eu completo de muitas pessoas não se encaixa com o eu completo de seus colegas", disse Haidt, que se autodenomina centrista. "Já ouvi muitos gestores falarem sobre isso. Eles não aguentam mais - o conflito constante sobre as identidades das pessoas

Em 2017, ele e uma colega, Caroline Mehl, fundaram o Constructive Dialogue Institute, cujo principal produto é uma plataforma educacional chamada Perspectives. A ferramenta usa módulos online e workshops para ajudar os usuários a explorar a origem de seus valores e por que pessoas de diferentes origens podem ter valores opostos.

Em 2019, o instituto começou a licenciar o uso do Perspectives para empresas. As taxas anuais são de US$ 50 a US$ 150 por licença individual. As empresas também podem reservar um menu de opções de treinamento ao vivo por US$ 3,5 mil a US$ 15 mil por um dia inteiro.

A Allegis Global Solutions, uma empresa de soluções para a força de trabalho que tem 3,5 mil funcionários, foi uma das primeiras a adotar a plataforma.

A plataforma já ajudou a empresa a lidar com algumas situações políticas complexas. Em junho passado, Shakara Worrell, 26, coordenadora de recursos humanos, estava em uma reunião quando soube que a Suprema Corte havia revertido a decisão do caso Roe v. Wade [que garantia o direito ao aborto]. "A reunião inteira parou", disse Worrell. "Foi quando percebi que não era a única que estava com o coração apertado."

Worrell, que é mestiça, disse que veio para a Allegis em parte porque a empresa priorizava o pertencimento. Ela se lembra de ter lido notícias sobre brutalidade policial em seu emprego anterior e de ter sentido que precisava reprimir seus sentimentos.

"Lembro-me de estar sentada em meu cubículo e de não poder expressar minhas opiniões", disse Worrell. E se recorda de ter pensado que "realmente não pertenço a esta empresa".

Não é assim na Allegis. Lá, Worrell é líder do Elevate, o grupo de recursos dos funcionários da empresa para o empoderamento das mulheres. Após a decisão da Suprema Corte, ela e outros membros decidiram realizar uma série de eventos para ajudar os funcionários a digerir a decisão. Quando informaram as equipes de recursos humanos e DEI, foram encaminhados ao Perspectives.

"Não importa que fossem a favor ou contra, queríamos que nossos colegas se sentissem bem e estivessem bem", disse Worrell.

E isso aconteceu? A Allegis disse que cerca de 200 pessoas participaram da primeira reunião, que foi realizada virtualmente. Depois disso, Worrell conversou com o único participante que havia se manifestado a favor da decisão do tribunal.

"Embora eu fosse a única pessoa que estava indo contra a corrente", Worrell se lembra de o colega ter dito, "eu ainda assim senti que deveria compartilhar".

Sendo "falsamente amável"

Irshad Manji, fundadora da consultoria Moral Courage College, diz que um "foco quase ofensivo em rótulos grupais" é um grande problema nos esforços convencionais de diversidade, equidade e inclusão. "Isso praticamente obriga as pessoas a estereotiparem umas às outras", ela disse. "Por acaso sou muçulmana, e uma muçulmana fiel. Mas isso não significa que eu interprete o Islã como qualquer outro muçulmano por aí."

Manji acredita que as pessoas agora usam "pertencer" como um "reconhecimento tácito de que a DEI tradicional não funcionou bem".

Irshad Manji, fundadora da consultoria Moral Courage College, lidera um webinar no Brooklyn em 15 de março de 2023. Manji diz que um "foco quase ofensivo em rótulos de grupo" é um grande problema com os programas DEI no local de trabalho - Dave Sanders/The New York Times

Então, que abordagem funciona de fato? Em 2018, a Autodesk, uma empresa de software com 13,7 mil empregados, começou a planejar uma reestruturação cultural.

Alguns funcionários tinham medo de ofender uns aos outros e, por isso, preferiam ser "falsamente amáveis" e "passivamente agressivos", disse o presidente-executivo da Autodesk, Andrew Anagnost. Outros não se sentiam apoiados e não se manifestavam nas reuniões.

A Autodesk mudou o nome de sua equipe de "Diversidade e Inclusão" para equipe de "Diversidade e Pertencimento". Os gestores aprenderam estratégias para reconhecer - e contrabalançar - seu próprio pensamento defensivo.

Eles receberam fichas de pôquer para "jogar" a cada vez que falassem, como forma de evitar que os chefes dominem as discussões.

A empresa pagou bonificações aos líderes dos grupos de recursos para funcionários, como forma de demonstrar seu valor. E Anagnost se posicionou como o patrono executivo da Autodesk Black Network.

Mas a empresa também lidou com a equidade. Mudou a localização de um novo edifício de escritórios de Denver para Atlanta, sabendo que teria mais chances de atrair graduados negros em engenharia, lá.

A Autodesk realiza pesquisas regularmente com seus funcionários sobre suas experiências no trabalho. Depois que a mudança de cultura se consolidou, Anagnost disse que os resultados de pertencimento melhoraram para as mulheres e empregados negros e diminuíram para os homens brancos.

"Depois, isso se normalizou", ele disse. "Sim, claro, tudo bem, haverá um certo aperto nas oportunidades em algumas áreas enquanto você tenta aumentar a representação em outras. Mas o nível de ameaça diminui quando você cria um senso de que todos nós podemos crescer juntos".

Tradução de Paulo Migliacci

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