Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Para pessoas negras, o desafio não é só ocupar, mas permanecer em cargos de liderança

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Deloise de Fátima Bacelar de Jesus

Gestora de políticas públicas pela Universidade São Paulo e mestre em ciências humanas e sociais pela Universidade Federal do ABC. Trabalhou em temas relacionados à gestão na Prefeitura de São Paulo e Educação Integral no Instituto Natura. Atualmente lidera a área de impacto em Equidade Racial na Fundação Lemann

Celebrar os avanços que esta geração vive por mais representatividade nos espaços de tomada de decisão é tão importante quanto ter consciência do longo caminho que temos a percorrer. O Brasil vive um momento de oportunidade sem precedentes para a inclusão em posições de liderança. Vozes pretas, pardas e indígenas vêm se fazendo escutar por meio da ampliação do acesso e da representação nos espaços de decisão.

Ainda assim, se as pessoas negras somam 56% da população brasileira, segundo o IBGE, são ainda minoria nas mesas em que as decisões são tomadas. Dados recentes do Observatório de Pessoal mostram que a participação de homens pretos e pardos é de 20% em todos os níveis de liderança na esfera federal.

Quando se trata de mulheres negras, os índices são mais alarmantes: elas ocupam 12% dos postos de baixo escalão, como gerentes e coordenadoras, e apenas 9% quando se olha para cargos de primeiro escalão. Já no setor privado, segundo o Instituto Ethos, elas ocupam somente 4% dos cargos de liderança – o número é três vezes menor do que o de mulheres e homens brancos.

Deloise de Fátima Bacelar de Jesus é gestora de políticas públicas pela Universidade São Paulo e mestre em ciências humanas e sociais pela Universidade Federal do ABC. Trabalhou em temas relacionados à Gestão na Prefeitura de São Paulo e Educação Integral no Instituto Natura. Atualmente lidera a área de impacto em Equidade Racial na Fundação Lemann
Deloise de Fátima Bacelar de Jesus é gestora de políticas públicas pela Universidade São Paulo e mestre em ciências humanas e sociais pela Universidade Federal do ABC. Trabalhou em temas relacionados à Gestão na Prefeitura de São Paulo e Educação Integral no Instituto Natura. Atualmente lidera a área de impacto em Equidade Racial na Fundação Lemann - Divulgação

Seja no setor público, seja no setor privado, a presença de profissionais negros nas organizações em si é uma estratégia para combater o racismo estrutural. Um exemplo disso é a recente publicação do decreto que prevê a reserva para pessoas negras de um percentual mínimo de 30% nos cargos de confiança do governo federal.

Trata-se de um processo que não só requer, como também gera muito aprendizado. O quanto antes pastas, secretarias de governo ou empresas iniciam esse processo, mais podem gerar conhecimento e avançar em suas transformações internas.

Reverter essa realidade, exige enfrentar a inércia que opera desde o recrutamento até ações profissionais para garantir a permanência de pessoas negras –com respeito, dignidade, saúde mental e física– dentro desses ambientes.

A primeira dificuldade é tomar consciência sobre os aspectos que afastam pretos e pardos da organização. Pessoas negras qualificadas e com as competências necessárias existem. O desafio é encontrá-las fora da bolha e criar processos que permitam que elas acessem as vagas, além de transformar a cultura da empresa, que, em geral, é incapaz de reconhecer que expele as pessoas negras e trava seu sucesso profissional.

Os espaços não foram pensados para nós, não estão preparados para nos incluir e colocam na responsabilidade individual a consequência de obstáculos que são estruturais e coletivos. Ser muitas vezes a única, ou uma das únicas pessoas negras na sala, gera em si uma sensação de não pertencimento.

Apesar de nada ser dito abertamente, há sempre signos para acionar esse gatilho, da portaria que dificulta sua entrada e duvida se você está mesmo no cargo que ocupa à revista constante nos aeroportos em viagens de trabalho.

O movimento do racismo estrutural opera interna e externamente contra as pessoas negras. De um lado, estão as pessoas brancas, seus preconceitos e privilégios, incluindo o de não ver a necessidade pessoal de mudar para que equidade seja uma realidade. De outro, todas as décadas de internalização do racismo na realidade dos profissionais negros. Sem colocar esses elementos na conta, não há esforço individual que permita equidade e inclusão.

Se as empresas devem investir para que essa inclusão seja profissional, com, por exemplo, ações de letramento previstas no plano de desenvolvimento dos funcionários, entre nós, pessoas negras, uma estratégia para permanecer em posições de liderança é o aquilombamento, a partir da busca de outros que enfrentam desafios parecidos com os nossos: escutar quem veio antes e fortalecer as outras gerações, investir em seu próprio desenvolvimento e saúde mental, criar uma rede de apoio e entender quem são os aliados que podem enfrentar as batalhas com você. Dentro dos espaços de poder estamos distantes, mas já somos muitas e muitos, sustentando o sonho que nossos ancestrais permitiram acontecer.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Deloise foi "Bluesman", de Baco Exu do Blues.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.