Em 2009, por algum motivo intrigante para mim mesmo, enviei um trabalho de minha autoria por email para Stanley Engerman, professor da Universidade de Rochester. O destinatário não apenas me desconhecia (eu era mestrando na USP), como era um dos mais renomados historiadores econômicos vivos. Pensei que não receberia resposta alguma, mas estava enganado.
Ele não apenas leu o texto atentamente, como seus comentários construtivos terminaram com palavras de encorajamento: "vai dar tudo certo em Utrecht" (onde o meu estudo seria apresentado).
Descobri mais tarde que meu relato era apenas mais um. Segundo um livro em sua homenagem, as muitas pessoas que o procuravam saíam de sua sala com "conselhos informados e, acima de tudo, generosos", além de "um novo conjunto de referências bibliográficas que haviam sido esquecidas". Por ocasião de sua morte há alguns dias, muitos depoimentos eram similares ao de Christopher Meissner (UC Davis), para quem Engerman "liderou pelo exemplo, um modelo de gentileza e coleguismo".
Formado em contabilidade, Engerman mudou de carreira e concluiu um doutorado em economia em Johns Hopkins, onde foi influenciado por Simon Kuznets. Com Robert Fogel, Engerman foi um dos autores do clássico "Time on the Cross: the Economics of American Negro Slavery" em 1974.
A obra divulgou para um público mais amplo a "nova história econômica", uma abordagem que utilizava explicitamente teoria econômica e análise estatística em história. O livro chegou a conclusões inovadoras e polêmicas sobre a escravidão nos EUA. Depois disso, Engerman voltou-se ao estudo comparativo da escravidão nas Américas, incluindo principalmente o Caribe, mas também o Brasil.
Na década de 1990, Engerman escreveu com Kenneth Sokoloff outro estudo de influência marcante. "Factor endowments, institutions and differential path among New World economies" atribuiu a divergência econômica entre regiões das Américas a diferenças nas dotações iniciais de recursos em cada região. Em regiões próprias para a exportação agrícola ou de minérios, teria prevalecido um tipo de colonização que gerou instituições favoráveis à concentração de riqueza, poder político e capital humano para uma pequena elite. Já em regiões temperadas, teriam surgido instituições mais igualitárias. Ou seja, as condições iniciais, mediadas por instituições, explicariam a pobreza relativa da América Latina.
Para o público brasileiro, essa tese soa familiar, pois se assemelha à dicotomia entre tipos de colonização (exploração versus povoamento), popularizada no país por Caio Prado Jr. No entanto, Engerman e Sokoloff foram além ao examinarem os mecanismos pelos quais a colonização afetou o desempenho econômico. Para dar suporte à sua tese principal, a dupla produziu diversos estudos comparativos sobre direito de voto, educação, acesso à propriedade, patentes, entre outros aspectos institucionais nas Américas.
Engerman teve um papel crucial em moldar a pesquisa moderna em história econômica, mas muitos lembrarão antes de mais nada de sua generosidade. Aos 87 anos, Engerman faleceu no último dia 11. Mensurar pode ser tarefa complexa em história, mas é ainda mais difícil dimensionar o tamanho desta perda.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.