Descrição de chapéu Financial Times União Europeia

Alemanha ameaça boicotar 'morangos da seca' espanhóis

Disputa interna sobre uso de poços ilegais por produtores de morangos tem repercussões internacionais

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Barney Jopson Laura Pitel Alice Hancock
Madri, Berlim e Bruxelas | Financial Times

Uma disputa sobre o uso de água no setor agrícola espanhol, onde a água é um recurso escasso, corre o risco de prejudicar um dos produtos de exportação espanhóis mais reconhecíveis nos supermercados europeus: os morangos.

Teresa Ribera, a ministra socialista do Meio Ambiente, disse ao Financial Times que alguns produtores de morangos estão enfrentando "riscos reais à sua reputação" devido à campanha de um grupo ativista alemão pelo boicote do que apelidou de "morangos da seca".

A disputa tem suas raízes numa legislação proposta pelo governo conservador da Andaluzia, que, segundo críticos, regularizaria até mil poços ilegais usados por agricultores, correndo o risco de drenar uma das áreas pantanosas mais importantes da Europa, Doñana.

Colheita de morangos em Almonte, na Espanha - Marcelo del Pozo - 25.abr.2023/Reuters

Isso se dá num momento em que a escassez de água está se tornando um problema cada vez mais crítico na Europa, onde as temperaturas estão subindo mais rapidamente que em qualquer outro continente e as tensões crescem entre múltiplos usuários de água e as demandas por proteção ambiental.

O conflito alimenta as tensões entre o partido socialista (PSOE), governista, e o conservador Partido do Povo. Na semana passada, um dia depois de ser gravemente derrotado nas eleições regionais pelo PP, que venceu em várias regiões antes em mãos dos socialistas, o primeiro-ministro Pedro Sánchez convocou uma eleição geral antecipada.

Ribera, que também é vice-primeira-ministra, disse que o plano andaluz está "gerando pânico". Ela acusou o presidente regional Juan Manuel Moreno Bonilla de "ambiguidade calculada" por sugerir que os produtores de morangos poderiam usar toda a água que quisessem sem reconhecer que isso reduziria o nível da água subterrânea de Doñana.

A proposta levou a organização ativista alemã de esquerda Campact a exortar grandes redes de supermercados como Lidl e Aldi a parar de comprar hortifrútis cultivados nos arredores de Doñana, parte de Huelva, província da Andaluzia produtora de morangos e outras bagas.

A entidade alega que a Espanha está se arriscando a provocar um desastre para poder cultivar morangos de baixo preço para os consumidores alemães. Uma petição que ela lançou online já recebeu cerca de 160 mil assinaturas. Depois da Alemanha, que no ano passado importou morangos espanhóis no valor de €196 milhões, os maiores mercados de exportação do setor são o Reino Unido, França e Itália.

Ribera disse que está profundamente preocupada com o chamado por um boicote. "Os produtores de morangos da Espanha que respeitam as leis, que têm direito ao uso da água, não merecem o risco reputacional criado pela iniciativa de Moreno Bonilla", ela disse.

Para agravar a situação, 35% da Espanha, incluindo Huelva, está sob o efeito de uma estiagem prolongada, segundo o governo central.

O comissário do Meio Ambiente da UE, Virginijus Sinkevičius, que está intensificando a atenção do bloco para a questão da escassez de água, visitou Doñana em abril para demonstrar apoio ao governo central em sua oposição à lei andaluz. Sua viagem foi imediatamente tachada de política pelo Partido do Povo Europeu, do qual o PP espanhol faz parte, que o acusou de fazer campanha pelos socialistas. Político Verde lituano, Sinkevičius negou a acusação.

Esta semana uma delegação de nove parlamentares alemães, representando todos os partidos políticos do país, vai visitar a Espanha numa missão para investigar a questão de Doñana. A delegação deve ter discussões com o governo regional de Andaluzia e o governo central em Madri.

A Aldi Nord, divisão da rede de supermercados que inclui a Espanha e o norte da Alemanha, disse que desde meados de 2022 vem exigindo que todos seus fornecedores de hortifrútis da Andaluzia sejam certificados conforme os padrões aceitos em matéria de irrigação e uso sustentável de água subterrânea.

O PP diz que seu plano legislativo visa responder às preocupações econômicas legítimas dos produtores agrícolas, revertendo uma lei de 2014 –aprovada quando o governo de Andaluzia era socialista— que acabou com a classificação de uma faixa de território como terra agrícola e anulou seus direitos à água. Os conservadores, que nas últimas eleições regionais aumentaram sua parcela dos votos na área em torno de Doñana, têm o apoio do partido de extrema-direita Vox para mudar a lei.

Quaisquer poços abertos na região desde 2014 são ilegais hoje. Ribera disse que o governo central fechou 700 desses poços. Mas as autoridades têm dificuldades em identificar todos os poços e seus usuários, porque frequentemente ficam escondidos debaixo de vegetação e são acessados apenas no início da manhã. O PSOE também vem sendo criticado por não fazer mais para proteger Doñana, incluindo no período até 2019, quando governava a Andaluzia.

A Comissão Europeia disse que a proposta andaluz infringe uma decisão da Corte Europeia de Justiça de 2021 que ordenou que a Espanha tomasse medidas.

O PP diz que a lei que propõe "não prejudicará o aquífero de Doñana de nenhuma maneira", mas permitirá a coleta de água da superfície. O governo central rejeitou esse argumento. Na sexta-feira o PP disse que permitirá que um biólogo destacado que tem feito críticas a seu plano deponha diante do Parlamento andaluz, revogando sua exclusão anterior.

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