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Argentina recorre ao FMI em última tentativa de evitar desvalorização da moeda

O ministro da Economia vai buscar mais dólares do fundo antes das eleições

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Michael Stott Ciara Nugent
Londres | Financial Times

O governo da Argentina, cada vez mais desesperado, tenta evitar uma crise cambial buscando ajuda da China e do FMI, e o credor com sede em Washington se vê num dilema sobre como apoiar seu maior devedor.

A inflação no país deve chegar a 145% este ano, uma recessão se aproxima e as reservas líquidas de moeda forte do banco central são insignificantes. O peso argentino caiu quase 40% em relação ao dólar americano no mercado paralelo este ano.

O governo peronista está se esforçando para evitar uma grande desvalorização ou a queda na hiperinflação durante a temporada politicamente turbulenta que antecede as eleições presidenciais e do Congresso em outubro –e o ministro da Economia e pré-candidato à presidência, Sergio Massa, surge como figura central.

O ministro da economia da Argentina, Sergio Massa, em entrevista a jornalistas para anunciar balanço de medidas balanço das medidas para o setor agroexportador na sede do Ministério da Economia, em Buenos Aires - Luis Robayo - 30.set.2022/AFP

Massa anunciou uma série de medidas de emergência para manter a economia à tona, incluindo taxas de câmbio especiais para incentivar os exportadores de soja a embarcar suas colheitas e trocas de dívida interna por vencimentos mais longos.

Ele viajará a Washington no final deste mês para buscar fundos extras do FMI, mas sua tarefa foi complicada por uma grave seca, que atingiu a produção e as exportações agrícolas.

Uma viagem de Massa à China no início de junho resultou num acordo para que a Argentina tenha acesso a US$ 5 bilhões (R$ 24,4 bilhões) adicionais de um acordo de swap cambial existente em iuans. Massa também está tentando convencer o Novo Banco de Desenvolvimento, a instituição de crédito dos Brics com sede em Xangai, a permitir a entrada da Argentina.

O país está isolado dos mercados internacionais desde seu calote em 2020 e precisa financiar um déficit orçamentário estimado pelo JPMorgan em 3% de seu PIB este ano. Com as reservas internacionais líquidas estimadas em cerca de US$ 1,5 bilhões (R$ 7,3 bilhões) negativos, segundo analistas da Ecolatina, de Buenos Aires, as esperanças de Massa conseguir dólares estão no FMI.

"O [plano] de Massa é fazer o impossível para que a situação econômica não saia do controle antes das eleições, mas ficou muito difícil alcançá-lo por causa do impacto da seca nas exportações de soja", disse Salvador Vitelli, da consultoria empresarial Romano Group. "A instabilidade macroeconômica que enfrentamos não é causada pela seca, porém, e sim por uma série de falhas e má gestão."

Federico Sturzenegger, chefe do banco central no governo conservador anterior, de Mauricio Macri, foi direto: "A estratégia de Massa é contrair mais dívidas para sustentar um déficit fiscal muito grande que o governo não corrigiu. Não é muito mais complicado que isso".

O esforço de Massa também serve a outro propósito: o ministro não esconde seu desejo de ser o candidato presidencial do movimento peronista, e a decisão é iminente. As indicações para as primárias nacionais terminam em 24 de junho, e tanto o presidente Alberto Fernández quanto Cristina Fernández de Kirchner, sua poderosa vice e ex-presidente, disseram que não concorrerão.

A pressão por uma maior injeção de dinheiro do FMI ocorre apesar do fracasso da Argentina em cumprir muitas das metas definidas num programa de crédito de US$ 44 bilhões (R$ 214,8 bilhões) acordado com o fundo no ano passado. Ele inclui a redução do déficit fiscal, o aumento da receita e o acúmulo de reservas, segundo um relatório apresentado em maio por economistas da Universidade de Buenos Aires.

No entanto, os observadores do FMI esperam que o fundo aprove mais dinheiro em sua próxima revisão, marcada para o início de julho, para evitar uma crise maior e permitir que a Argentina devolva o dinheiro ao credor sediado em Washington.

"O fundo não quer ser responsável pelo escoamento da Argentina pelo ralo", disse Alejandro Werner, ex-chefe do departamento do hemisfério ocidental do FMI. "Também não quer a Argentina em atraso por um longo período [...] Portanto, há muitos incentivos para o fundo concluir a revisão."

O FMI afirmou que a equipe do fundo está se envolvendo "muito estreitamente" com a Argentina na última revisão do programa. "O foco tem sido em políticas que fortaleçam o programa para salvaguardar a estabilidade, aumentando as reservas e a sustentabilidade fiscal, reconhecendo o impacto da seca", disse o fundo.

Uma fonte do Ministério da Economia em Buenos Aires disse que a Argentina quer fundos para compensar a perda de receita de exportações provocada pela seca, com o montante ainda em discussão. De maneira controversa, ele também quer usar parte do dinheiro do FMI para intervir nos mercados para sustentar o peso. "O que está sendo discutido é quanto estará disponível para intervir", disse a fonte. "No momento, essa discussão parece boa."

Hector Torres, membro sênior do Centro de Inovação em Governança Internacional e ex-diretor executivo do FMI, estava cético. "O banco central da Argentina ficou sem dólares, e a taxa de câmbio oficial é claramente insustentável", disse ele. "O fundo não quer levar o país à inadimplência [...] mas não consigo ver a diretoria do fundo permitindo o uso de recursos do FMI para comprar pesos no mercado de câmbio."

Uma fonte familiarizada com as negociações disse que há uma frustração considerável sobre a Argentina. "Há muito pouco apoio a mais confusão", disse a fonte. "Massa deveria ter feito um grande ajuste quando assumiu o cargo."

Para Sturzenegger, o fundo poderia emprestar à Argentina o suficiente para os próximos pagamentos ao FMI, mas não somas maiores. "Acho que o que o fundo fará, em vez de desembolsar [todo] o restante dos fundos do programa, apenas dará dinheiro conforme o que a Argentina tem para devolver a eles [...] Então, acho que o FMI vai adiar a questão do pacote [mais amplo] da Argentina para conversar sobre ele com o próximo governo."

Os riscos são tanto políticos quanto econômicos. O candidato de extrema direita, Javier Milei, está forte nas pesquisas e pode liderar as eleições primárias em agosto, que são realizadas simultaneamente para todos os partidos políticos. Milei defendeu a dolarização da economia, por isso um resultado forte para ele poderia desestabilizar ainda mais a situação ao aumentar as expectativas de uma grande desvalorização.

"Se ele quer dolarizar a economia e tem um terço dos votos nas pesquisas, por que teríamos dívida interna?", perguntou uma pessoa familiarizada com as negociações do FMI.

Há muito tempo considerado o vilão por muitos argentinos por seu papel anterior em programas de austeridade, o FMI tem poucas boas opções.

"O fundo provavelmente será criticado por fazer algo terrível, além de um programa terrível", disse Werner, que supervisionou um resgate anterior do FMI em 2018. "No entanto, no final das contas, eles não teriam sido reembolsados de qualquer maneira. Ou você empresta para a Argentina para que eles paguem ou eles não pagarão. Ambos os lados vão protelar e fingir."

Tradução do Luiz Roberto Gonçalves

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