Brasil decepciona por não investir em IA e carros elétricos, diz Ian Bremmer

Presidente da Eurasia Group ressalta que país tem grande estabilidade política, que chega a ser 'entediante'

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São Paulo

Para Ian Bremmer, o Brasil é mais "estável e entediante" do que pode parecer: aqui as instituições funcionam, os contratos são cumpridos e seus analistas podem criticar o governo sem medo.

No entanto, o país o decepciona por não investir de forma consistente em tecnologias de ponta, como inteligência artificial e carros elétricos.

"Simplesmente não há uma sensibilidade sobre como adotar essas novas tecnologias, que são críticas. Estamos no começo de uma nova globalização por meio da IA [Inteligência Artificial], e o Brasil não está perto de linha de frente nisso", disse ele à Folha. "O Brasil não tem ainda as empresas e não é atrativo para este investimento."

O cientista político Ian Bremmer da Eurasia Group - Rodrigo Capote/Folhapress

Bremmer, 53, é presidente da consultoria Eurasia Group e veio a São Paulo para participar de uma conferência do grupo sobre o futuro da América Latina. Em sua apresentação, ele disse estar excitado e preocupado com o avanço da inteligência artificial.

"A IA expandirá o capital humano e então nos permitirá, como a globalização fez, expandir nosso tempo de vida, melhorar tratamentos de doenças, aumentar a riqueza e reduzir a ineficiência em áreas como energia, resíduos, transporte, investimentos, tudo que envolve dados. A IA tornará os humanos mais capazes."

Por outro lado, a nova tecnologia poderá ser usada por criminosos para criar golpes e armas biológicas e novas técnicas para desviar de sistemas de segurança.

Bremmer também teme que a IA possa ser ter efeitos negativos sobre a formação das crianças: se elas crescerem interagindo com programas que simulam serem pessoas, poderão acabar sendo manipuladas mais facilmente pelos criadores das ferramentas para se tornarem dependentes delas, em uma escala ainda mais forte do ocorrido com as redes sociais.

"Se eu tivesse uma varinha mágica com o poder de criar uma regulação, tornaria ilegal que menores de 16 anos usassem IA sem supervisão de um humano", afirmou. A seguir, mais trechos da conversa:

Como vê as perspectivas para o Brasil na economia e na política? Uma das razões pelas quais sempre estivemos muito interessados em investir no Brasil é por conta de sua estabilidade política. Há aplicação da lei, há separação de poderes, os contratos são respeitados, há liberdade de expressão. Nossos analistas provavelmente não serão presos por dizer algo que o governo não goste.

O Brasil é mais resiliente, estável e mesmo mais entediante do que muitos dos países do mundo agora. Isso é uma coisa boa. Mesmo que um evento como o 8 de Janeiro tenha ocorrido, não houve perigo de uma revolução. Se Bolsonaro decidisse que não ia transferir o poder, não importava. Ele seria forçado a sair.

A última eleição foi livre e justa. Lula representa uma orientação política e ideológica muito diferente. Ele não confia realmente no setor privado, e o setor privado não gosta dele.

E o que vê como principais problemas? O que mais decepciona no Brasil é a falta de tecnologia real. Veja a Índia: teve baixo desempenho [na área] por muitas décadas, mas agora vive uma transformação digital. Há investimentos em semicondutores, carros elétricos e baterias. Há o reconhecimento de que o mundo está mudando e a Índia também. É por isso que as big techs estão indo lá, fazendo parcerias e investindo. O Brasil não está neste ponto ainda.

Me preocupa que simplesmente não há uma sensibilidade sobre como adotar essas novas tecnologias, que são críticas. Estamos no começo de uma nova globalização por meio da IA [Inteligência Artificial], e o Brasil não está perto de linha de frente nisso.

O Brasil pode aproveitar o movimento de near-shoring, de empresas ocidentais buscarem trazer sua produção para países mais próximos? Tivemos um movimento de 50 anos de levar o trabalho para onde era barato. A política não importava. Um mercado global, vamos apenas produzir deste jeito. Isso permitiu o crescimento de uma classe média global, e o Brasil foi parte disso.

No entanto, isso tudo era na verdade sobre a China, que se tornou a fábrica do mundo. Quando se fala de near-shoring, o que estamos dizendo na verdade é que a China não é mais a fábrica do mundo. S em eles, quem vai pegar algumas das fábricas?

Uma das questões é que o mercado chinês está ficando mais caro. O trabalho no México hoje é mais barato do que na China. Teve o problema entre EUA e China, o problema de Xi Jinping. Então, de repente, você tem muitas razões pelas quais as pessoas pensam em mudar as cadeias de produção para lugares que façam mais sentido em 2023, em vez do que fazia nos anos 1990.

Há também a questão de que você já não precisa de tanto trabalho, por causa dos robôs e da automação, de aprendizado de máquina e de big data. Então pode colocar as pessoas onde quiser, e provavelmente mais perto de onde estão os mercados. Você pode produzir na China para o mercado chinês, e no Brasil para o mercado brasileiro ou sul-americano.

O Brasil é um lugar muito mais fácil para produzir do que a Argentina, a Venezuela ou muitos outros países da região. A relação entre Brasil e EUA, seja com Bolsonaro ou Lula ou Trump ou Biden, é razoavelmente aquecida, confiável e estável. O mesmo vale para a União Europeia, especialmente se o acordo com o Mercosul for fechado.

Os EUA têm desafios com a China, e tem tentado dizer a suas empresas e aliados que deveriam reduzir riscos, e isso significa reduzir a futura exposição à China, ao menos não investir mais do que o necessário na China. Colocando tudo isso junto, cria-se uma mudança significativa do capital, de novos capitais fora da China, e o Brasil será um dos maiores beneficiários, assim como os EUA e o México.

Como o Brasil pode se posicionar na disputa entre EUA e China? É como na questão da Ucrânia. Os aliados dos EUA estão fornecendo armas para a Ucrânia. O Brasil não. O Brasil reconhece que a invasão da Ucrânia foi ilegal, votou pela condenação disso na Assembleia-Geral da ONU mas não apoiou sanções e segue fazendo negócios com a Rússia.

Há certas áreas em que os americanos são sensíveis sobre fazer negócios com a China, especialmente envolvendo tecnologias duais (que podem ter fins civis e militares), como semicondutores avançados e biotecnologia. Este não é um negócio para o Brasil. É um negócio para a Holanda, para o Japão.

Os americanos são dominantes na área de segurança nacional, mas não são dominantes para direcionar a política econômica para o resto do mundo. É um ambiente multipolar. Tem os americanos, os chineses, os europeus, os japoneses, os indianos. O status de superpotência dos EUA não equivale ao status de superpotência econômica. A China também não tem esse status. Um país como o Brasil, que quer fazer negócio com os dois lados, realmente não precisa encarar muita pressão. Honestamente, isso é uma questão menor do que você pensa.

O presidente Lula tem buscado mudar a imagem do Brasil no exterior. Que resultados o Brasil e Lula podem obter? Bem, ele não vai vencer o Nobel da Paz. Acho que é a intenção dele, mas acho que precisamos tirar isso do mapa. O mundo é muito mais complicado e desafiador do que quando Lula governou pela primeira vez. Ele tem sua visão, de que 'ok, eu vou fazer a paz entre a Rússia e Ucrânia'. Esse é um problema muito sério, e muitos países investiram muito na questão.

Acho que Lula entendeu que alguns dos comentários que fez sobre Rússia, Ucrânia e Venezuela não o ajudaram. Mas isso não importou muito no cenário global.

Há obviamente um espaço importante para o Brasil no cenário global. Quando falamos sobre o clima, o Brasil é importante. Em temas como desmatamento da Amazônia, transição energética, metas de neutralidade de carbono, o Brasil precisa estar na mesa e [nesses temas] Lula tem muito mais chances de ser respeitado globalmente e fazer o Brasil ser respeitado. Mas em outros temas, isso [a importância] não tem sido grande.


Raio-x

Ian Bremmer, 53

Nascido em Baltimore, nos EUA, tem doutorado em ciência política por Stanford. Em 1998, fundou a consultoria Eurasia, focada em análise de riscos políticos. Escreveu mais de dez livros sobre relações internacionais. Em 2017, criou a GZero Media, plataforma com análises sobre política.

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