A 'grande renúncia' acabou. O poder dos trabalhadores nos EUA pode resistir?

O ritmo acelerado de troca de empregos nos últimos anos trouxe ganhos aos trabalhadores; mas o pêndulo pode estar voltado aos empregadores

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Ben Casselman
The New York Times

Dezenas de milhões de americanos mudaram de emprego nos últimos dois anos, uma onda de demissões voluntárias que refletiu — e ajudou a criar — um raro momento de poder do trabalhador, quando os empregados exigiram salários mais altos e os patrões, com poucos funcionários, muitas vezes concederam.

Mas a "grande renúncia", como ficou conhecida, parece estar acabando. A taxa de demissão voluntária dos trabalhadores nos Estados Unidos caiu acentuadamente nos últimos meses — embora tenha subido em maio — e está apenas modestamente acima de onde estava antes de a pandemia causar disrupção no mercado de trabalho. Em alguns setores onde a rotatividade foi maior, como hospitalidade e empresas de varejo, a autodemissão caiu para níveis pré-pandêmicos.

Manifestantes ligados ao "Ocupe Wall Street" durante protesto, com a imagem da bandeira dos Estados Unidos ao fundo, em Nova York.
Manifestantes ligados ao "Ocupe Wall Street" durante protesto em Nova York, nos Estados Unidos. - Reuters

Agora a questão é se os ganhos que os trabalhadores obtiveram durante a grande renúncia sobreviverão ao momento, ou se os empregadores recuperarão a alavancagem, principalmente se, como muitos analistas preveem, a economia entrar em recessão em algum momento no próximo ano.

O pêndulo pode já estar voltando para o lado dos empregadores. O crescimento salarial desacelerou, especialmente nos serviços de baixa remuneração, que aumentaram quando a rotatividade atingiu o pico no final de 2021 e início de 2022.

Os empregadores, embora ainda se queixem da escassez de mão de obra, relatam que ficou mais fácil contratar e reter trabalhadores. E aqueles que mudam de emprego não estão mais recebendo os grandes aumentos que se tornaram a norma nos últimos anos, conforme dados da empresa de processamento de folha de pagamento ADP.

"Você não vê mais anúncios dizendo ‘bônus de contratação de US$ 1.000’", diz a economista-chefe da ADP, Nela Richardson.

Richardson compara o mercado de trabalho a uma dança das cadeiras: quando a economia começou a se recuperar das paralisações causadas pela pandemia, os trabalhadores puderam se movimentar livremente entre empregos. Mas, com os alertas de recessão no ar, eles estão ficando nervosos por serem pegos sem emprego quando há menos disponíveis.

"Todo mundo sabe que a música está para acabar", afirma Richardson. "Isso vai levar as pessoas a ficarem paradas por mais tempo", completa.

Aubrey Moya, 38, aderiu à grande renúncia cerca de um ano e meio atrás, quando decidiu que estava farta dos baixos salários e do trabalho árduo de servir mesas. Seu marido, um soldador, estava ganhando bem — ele também tinha mudado de emprego em busca de um salário melhor —, e eles decidiram que era hora de ela começar o negócio de fotografia com que sempre sonhou. Moya tornou-se um dos milhões de americanos a abrir um pequeno negócio durante a pandemia.

Hoje, porém, Moya questiona se seu sonho é sustentável. Seu marido está ganhando menos e o custo de vida aumentou. Seus clientes, atingidos pela inflação, não estão esbanjando nas sessões de fotos sensuais em que ela se especializou. Ela está apreensiva sobre os pagamentos de seu estúdio em Fort Worth, no Texas.

"Houve um momento de empoderamento", diz ela. "Houve um momento de 'não vamos voltar e não vamos aguentar mais isso', mas a verdade é que, sim, vamos, porque de que modo vamos pagar as contas?".

Mas Moya ainda não vai voltar a ser garçonete. E alguns economistas acham que os trabalhadores provavelmente manterão parte dos ganhos alcançados nos últimos anos.

"Há boas razões para pensar que pelo menos uma parte das mudanças que vimos no mercado de trabalho de baixos salários serão duradouras", diz Arindrajit Dube, professor da Universidade de Massachusetts que estudou a economia pandêmica.

A grande renúncia foi muitas vezes retratada como um fenômeno de abandono total do trabalho, mas os dados contam uma história diferente. A maioria das pessoas pediu demissão para assumir outros empregos, normalmente mais bem remunerados, ou, como Moya, para abrir negócios.

Embora a rotatividade tenha aumentado em praticamente todos os setores, concentrou-se nos serviços de baixa remuneração, onde os trabalhadores geralmente tiveram pouco poder de influência.

Para esses, a rápida reabertura da economia presencial em 2021 ofereceu uma rara oportunidade: restaurantes, hotéis e lojas precisavam de dezenas de milhares de funcionários quando muitas pessoas ainda evitavam empregos que exigiam interação pessoal com o público. E mesmo quando as preocupações com o coronavírus diminuíram a demanda por trabalhadores continuou superando a oferta, em parte porque muitas pessoas que deixaram o setor de serviços não estavam ansiosas para voltar.

O resultado foi um aumento nos salários dos trabalhadores na base da escala salarial. Os ganhos médios por hora dos trabalhadores comuns em restaurantes e hotéis aumentaram 28% do final de 2020 ao final de 2022, superando em muito a inflação e o crescimento geral dos salários.

Em um artigo recente, Dube e dois coautores descobriram que a diferença salarial entre os trabalhadores no topo da escala de renda e aqueles na base, depois de aumentar por quatro décadas, começou a diminuir: em apenas dois anos, a economia desfez cerca de um quarto do aumento da desigualdade desde 1980. Grande parte desse progresso, eles descobriram, veio da maior capacidade, e desejo, dos trabalhadores de mudar de emprego.

Os salários dos trabalhadores de baixa renda não estão mais subindo rapidamente do que para outros grupos. Mas o mais importante é que, na opinião de Dube, os trabalhadores com baixos salários não perderam terreno nos últimos dois anos, obtendo ganhos salariais que mais ou menos acompanharam a inflação e os salários mais altos.

Isso sugere que a rotatividade pode estar diminuindo não apenas porque os trabalhadores estão se tornando mais cautelosos, mas também porque os empregadores tiveram que aumentar os salários e melhorar as condições o suficiente para que os trabalhadores não fiquem desesperados para sair.

Danny Cron, 28, um garçom de restaurante em Los Angeles, mudou de emprego duas vezes desde que voltou a trabalhar, com o fim das restrições da pandemia. Ele inicialmente foi trabalhar num bar de mergulhadores, onde seu horário era "brutal" e os turnos mais lucrativos eram reservados para os garçons que vendiam mais margaritas. Ele pediu demissão para trabalhar num restaurante de uma grande rede, que oferecia horários melhores, mas pouca flexibilidade —um problema para Cron, um aspirante a ator.

Então, no ano passado, Cron pediu demissão novamente, para trabalhar em um restaurante japonês sofisticado, onde ganha mais e acomoda melhor sua agenda de atuação. Ele disse que o forte mercado de trabalho pós-pandemia lhe deu confiança para continuar mudando de emprego até encontrar o melhor para ele.

O mercado de trabalho segue forte, com desemprego abaixo de 4% e o crescimento do emprego constante, embora mais lento do que em 2021 ou 2022. Mas mesmo otimistas como Dube admitem que trabalhadores como Cron podem perder alavancagem se as empresas começarem a cortar empregos em massa.

"É muito frágil", disse Kathryn Anne Edwards, economista do trabalho e consultora de políticas que estudou o papel da demissão voluntária no crescimento dos salários. Uma recessão, disse ela, poderia acabar com os ganhos obtidos pelos trabalhadores horistas nos últimos anos.

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