Descrição de chapéu Financial Times mercado de trabalho

Escritórios meio vazios causam frustração em estagiários

Jovens profissionais lamentam falta de contato com colegas mais experientes, que seguem em trabalho remoto

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Akila Quinio Rafe Uddin
Financial Times

Depois de passar a maior parte de sua vida universitária em casa devido à pandemia de Covid, Martha*, 22, estava ansiosa para começar um estágio de verão numa das maiores empresas de serviços financeiros do Reino Unido no ano passado. Mas a experiência não foi o que ela esperava.

"A maior parte da equipe morava fora de Londres e só vinha um ou dois dias por semana [...] Eu morava num apartamento minúsculo onde fazia muito calor, então às vezes era insuportável trabalhar em casa", disse ela. "[Mas] em alguns dias eu era o único membro da minha equipe no escritório [...] Isso o tornou um lugar muito solitário."

Escritório vazio em empresa da Filadélfia, nos Estados Unidos - Hannah Beier - 14.jun.2021/Reuters

Essa frustração é cada vez mais comum entre jovens ambiciosos que esperam que um estágio num grande banco, escritório de advocacia ou de contabilidade seja um bilhete premiado para uma carreira lucrativa no centro financeiro.

Desde a pandemia de Covid, a mudança para o trabalho remoto revolucionou a vida no escritório e, com ela, a experiência presencial dos estágios de verão, em que os recrutas competem para impressionar os empregadores e estes avaliam novos talentos.

Diante do novo local de trabalho híbrido, gerentes e estagiários foram forçados a se adaptar para ajudar os últimos a prosperar.

Programas continuam abertos

Apesar dos cortes de empregos e da crise econômica, as empresas não parecem ter cancelado os programas de estágio. Elas aprenderam lições com a pandemia, quando cancelamentos interromperam o fluxo de talentos.

Em 2022, o número de estágios de verão se recuperou além dos níveis pré-pandêmicos, de acordo com o Instituto de Empregadores de Estudantes, que numa pesquisa com 168 grandes empresas descobriu que as contratações aumentaram 7% em comparação com 2019. Para este verão, as empresas disseram que contrataram tantos estagiários ou mais do que no ano passado.

As empresas de serviços profissionais PwC e KPMG e grandes bancos como o HSBC estão entre as que oferecem centenas de vagas de estágio cada uma, variando de algumas semanas a vários meses. Os programas mais cobiçados, em multinacionais de alto perfil como o Goldman Sachs, têm uma taxa de aceitação de pouco mais de 1 em 100 e, uma vez que os estagiários estão no prédio, as apostas são igualmente altas.

"Para progredir, você precisa ir sempre além", disse um ex-estagiário do Bank of America.

Adaptação ao esquema híbrido

Várias empresas de contabilidade, de advocacia e bancos disseram que seus estagiários estavam determinados a trabalhar no escritório o máximo possível, apesar das políticas de trabalho híbrido que permitiam trabalhar em casa.

"Os estagiários estão ansiosos para estar no local, ter a maior proximidade possível com a liderança sênior e realmente pôr mãos à obra onde for necessário", disse Louise Fitzgerald-Lombard, chefe de RH para mercados globais do BNP Paribas.

A PwC disse que os estagiários vão ao escritório em média quatro dias por semana, mais do que os outros funcionários, apesar de poderem trabalhar em casa duas ou três vezes por semana.

Outras empresas incentivam ou exigem especificamente que funcionários mais jovens trabalhem pessoalmente. No escritório de advocacia Linklaters, os estagiários passam apenas um dia em casa por semana, em comparação com dois dias dos outros empregados.

"Grande parte do aprendizado acontece dentro e ao redor do trabalho real, observando advogados experientes", disse Mark Drury, sócio da Linklaters. "Isso é muito mais fácil de fazer quando eles estão juntos numa sala."

Ter funcionários mais jovens também é bom para os empregadores. James Marriott, chefe de mercados de capitais de dívida internacional do banco Wells Fargo, disse que os estágios oferecem aos gerentes uma "grande oportunidade" de avaliar potenciais recrutas. "A melhor forma de entrevista é trabalhar com alguém."

Socializando a força de trabalho

No entanto, numa era de trabalho híbrido e com muitos colegas em casa, construir conexões pessoais tornou-se mais difícil.

"[É] um problema", disse Eliza Filby, historiadora que assessora empresas sobre diferenças geracionais. "Os membros da geração do milênio, que gerenciam diretamente as turmas mais jovens, moram mais longe, têm filhos menores [e são] os menos propensos a querer estar no escritório."

Thomas Harbour, 27, disse que a falta de socialização durante um estágio na pandemia matou seu interesse pela consultoria. "Você não compartilha nada da conversa do escritório, da hora do almoço e de como fazer amigos, e pode começar a se sentir muito solitário", disse ele.

Os empregadores reconhecem que precisam abordar essas preocupações para atrair e reter funcionários.

Linklaters e HSBC têm sistemas de "amigos de treinamento" que combinam estagiários com mentores, enquanto o escritório de advocacia Allen & Overy criou diretrizes para supervisores apoiarem os estagiários no trabalho híbrido.

Filby disse que muitas empresas estão levando jovens recrutas para conhecer os clientes mais cedo do que o normal, para envolvê-los em "situações importantes" e tornar os cargos atraentes.

As empresas também estão adotando estrutura para atividades sociais. A KPMG estendeu a duração de seu programa de boas-vindas de para jovens recrutas para cinco dias e introduziu um novo modo para aproximar as pessoas, que, segundo ela, provou ser um sucesso e ajudou a lidar com "sentimentos de apreensão".

Falta de confiança

A turma de estagiários de 2023 já está em desvantagem. A maior parte deles este ano está entrando no local de trabalho vindo de uma experiência turbulenta em universidade ou escola, quando aulas, atividades e socialização foram suspensas ou transferidas para a internet.

Várias empresas disseram que os estagiários tiveram dificuldades de confiança e comunicação. "Os novos recrutas carecem de habilidades humanas essenciais, seja para falar em público, resolução de conflitos, contato visual, etiqueta ao telefone", disse Filby.

Quando Katerina Maijorova, 23, começou a estagiar na auditoria KPMG no ano passado, ela havia feito a maior parte de seu curso de contabilidade em casa e frequentado um ambiente presencial pela última vez no ensino médio.

"Eu estava muito, muito nervosa", disse Maijorova. Depois de anos de aulas principalmente virtuais, ela achava difícil conversar com os clientes. "No mundo face a face, você não sabe sobre o que falar ou quais são os temas apropriados", disse ela. "É uma nova habilidade."

A PwC é uma das empresas que estão testando programas de mentoria para lidar com as lacunas de habilidades em novos recrutas. Fitzgerald-Lombard, do BNP, no entanto, disse que os temores dos estagiários podem ser infundados: apesar do nervosismo dos jovens, ela costuma ficar "impressionada" com a capacidade deles de dominar uma sala. "É mais uma questão de confiança", disse ela.

Novas experiências

Estagiários e empregadores ainda veem sinais de esperança no local de trabalho híbrido.

Empresas como o HSBC disseram que novos estágios virtuais, experiências curtas oferecidas online para um número maior de estudantes ou graduados, melhoraram a diversidade ao oferecer uma forma acessível de entrar na empresa.

A comunicação online também pode aumentar as interações, permitindo que os jovens recrutas tenham mais tempo de contato pessoal com líderes experientes ou colegas no exterior.

"Mais pessoas podem participar de ligações e Zooms do que antes numa sala física", disse Harbour, hoje advogado da Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, uma empresa americana em Bruxelas. "Eles não teriam levado tantos novatos para atender um cliente."

Também para alguns jovens recrutas, os estágios continuam sendo uma forma de avaliar o que os possíveis locais de trabalho oferecem, incluindo suporte pessoal, relacionamento com colegas e uma chance de ser notado. Quando as empresas ficam aquém, correm o risco de perder funcionários talentosos.

Depois de um verão em escritórios meio vazios em seu estágio em serviços financeiros, Martha, 22, acabou recusando um cargo permanente. Ela achou que a experiência "não foi muito estimulante (...) Não era o que eu esperava".

*Martha pediu que seu sobrenome não fosse citado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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