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Como a tecnologia pode evitar a morte de crianças esquecidas em carros fechados

Veículos com sensores podem buzinar e enviar alertas ao telefone se detectarem criança no banco de trás depois do carro desligado

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Michael Levenson
The New York Times

Desde que Tyler Cestia deixou seu filho, Thomas, em sua caminhonete numa manhã quente de junho, há dois anos, ele se sente como uma rolha boiando no oceano, segundo disse.

Era 14 de junho de 2021 e Cestia estava se preparando para uma auditoria estressante no trabalho, quando se esqueceu de deixar Thomas na babá a caminho de seu escritório em New Iberia, na Louisiana.

Na hora do almoço, ele dirigiu até um restaurante com o auditor e depois voltou para o escritório.

À tarde, ocorreu-lhe que não se lembrava de ter visto a babá naquela manhã. Ele correu para sua caminhonete, onde encontrou Thomas em sua cadeirinha atrás do banco do motorista. Thomas, que tinha 2 anos e meio, foi declarado morto no local.

"Foi um choque total", disse Cestia, 37, que mora em New Iberia com sua mulher, Pam, e seus outros dois filhos. "É quase como um pesadelo que não é real. Estou vivendo num mundo provisório, que não é real. E quando você sai disso, é um sofrimento diário."

Mulher ajusta cadeirinha com criança dentro de um carro.
Professora ajeita o filho em sua cadeirinha instalada no Renault Sandero - Zanone Fraissat - 30.out.16/Folhapress

Cestia disse que lidou com a dor extrema com a ajuda de sua fé religiosa e de terapia. Ele também teve o apoio de sua mulher.

"As pessoas pensam: 'Oh, como alguém faz isso?'", disse Pam Cestia. "Você não esquece seu celular. Você não esquece isso. Mas ele estava hiperconcentrado em outra coisa. Ele não é um pai ruim."

As consequências em outros casos foram mais terríveis. Casamentos desmoronaram. Cuidadores foram processados e enfrentaram pena de prisão. Em um caso no ano passado em Chesterfield, na Virgínia, um pai que percebeu o que havia feito imediatamente foi para casa e se matou.

E ainda assim as mortes ocorrem. Ainda nesta semana, em Houston, um bebê de 3 meses morreu depois de ser deixado sozinho num carro, disse a polícia.

Cerca de 40 crianças morrem por ano de insolação em carros, seja porque são deixadas no veículo ou porque ficam presas, de acordo com a Administração Nacional de Segurança no Trânsito.

Isso equivale a uma criança morta em um carro quente a cada dez dias nos Estados Unidos. As mortes são mais frequentes no verão, mas acontecem em todos os meses do ano.

Defensores da segurança infantil disseram que novas tecnologias podem ajudar a evitar essas tragédias recorrentes.

Veículos com sensores de movimento internos, por exemplo, podem buzinar e enviar alertas para o telefone do motorista se detectarem uma criança no banco de trás depois que o carro for desligado.

Mas as montadoras e os reguladores não tornaram esta tecnologia um equipamento padrão em veículos novos, frustrando os especialistas em segurança. De acordo com o Kids and Car Safety (Crianças e Segurança em Carros), um grupo sem fins lucrativos, 1.050 crianças morreram em carros quentes em todo o país desde 1990, e pelo menos outras 7.300 sobreviveram com ferimentos variados.

"Deve ser realmente embaraçoso para as montadoras e para o governo que isso ainda não tenha sido resolvido", disse Janette Fennell, fundadora e presidente da Kids and Car Safety. "Se temos a tecnologia para evitar essas mortes, e nem é cara, o que estamos esperando?"

Os reguladores federais disseram que estavam desenvolvendo regras que exigiriam que os veículos novos tenham luzes e sons para lembrar os motoristas de verificar o banco de trás depois de desligar o motor, conforme exigido pela lei de infraestrutura de US$ 1 trilhão que o presidente Joe Biden assinou em 2021. Mas essa exigência só entrará em vigor em 2025.

As principais montadoras também prometeram que, até 2025, todos os novos veículos incluirão sistemas básicos de lembrete do banco traseiro. Em outubro passado, mais de 150 modelos ofereciam os lembretes, de acordo com a Alliance for Automotive Innovation, que disse em um comunicado que a indústria estava fazendo "grande progresso" em direção à sua meta de lembretes universais do banco traseiro.

Mas sistemas de alta tecnologia que usam sensores de radar ou ultrassônicos para detectar uma criança no banco de trás permanecem relativamente raros.

"É uma questão de custo e demanda", disse Emily A. Thomas, gerente de segurança automotiva da Consumer Reports, que defende a posição de que os sistemas de detecção de crianças devem ser padrão em veículos novos. "As pessoas não sabem que é disso que precisam, então não há uma grande demanda e, infelizmente, a indústria automobilística responde ao que é necessário. Portanto, se não for necessário, elas não o colocarão como equipamento padrão."

'Distração fatal'

Cerca de metade de todas as mortes em carros quentes produzem acusações criminais, que vão desde colocar crianças em perigo até assassinato, segundo a Kids and Car Safety. Muitos pais e cuidadores fazem acordos para evitar a prisão e porque não estão dispostos a enfrentar uma batalha judicial após a morte de um filho, disse o grupo.

As bases psicológicas do problema têm sido discutidas há anos, pelo menos desde 2009, quando Gene Weingarten, do The Washington Post, escreveu um artigo vencedor do Prêmio Pulitzer analisando se acusações criminais são realmente apropriadas para pais que acidentalmente matam seus filhos, deixando-os em carros.

David Diamond, neurocientista da Universidade do Sul da Flórida que foi citado nessa reportagem, tem explicado pacientemente a questão desde então, inclusive para um documentário, "Fatal Distraction", lançado em 2021.

Diamond disse que muitas das mortes acontecem quando os pais dirigem para o trabalho e entram no "modo piloto automático e perdem a consciência da criança no banco de trás."

Durante a viagem, a parte do cérebro que lida com comportamentos habituais como o deslocamento "supera e suprime" o sistema de memória consciente, que é responsável por lembrar os pais de parar e deixar a criança na creche, disse Diamond. Pais estressados e privados de sono são particularmente suscetíveis a esse problema, disse ele.

"É por isso que precisamos de tecnologia –porque, francamente, somos muito esquecidos", disse Diamond em uma entrevista. "Eu tento enfatizar para as pessoas que não é negligência, não é má educação, é apenas parte de ser humano."

As luzes e os sinos de aviso instalados em muitos veículos mais novos aconselham os motoristas a verificar o banco de trás quando o carro é desligado. Esses sistemas geralmente são acionados quando uma porta traseira é aberta antes ou durante o percurso, mas não podem realmente detectar se há uma criança no carro.

Sensores ultrassônicos, encontrados em alguns veículos Kia e Hyundai, podem detectar uma criança (ou um animal de estimação) se movendo no banco de trás depois que um veículo foi trancado e, em seguida, tocar a buzina e enviar mensagens de texto ao motorista. Mas os sensores ultrassônicos podem não detectar uma criança dormindo em uma cadeirinha voltada para trás, disse Thomas.

Sistemas baseados em radar podem supostamente detectar até mesmo movimentos leves, como a subida e descida do peito de uma criança dormindo num assento de carro. Pelo menos um veículo, o Genesis GV70, da Hyundai, possui essa tecnologia.

Em março, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) aprovou uma frequência específica para o radar de curto alcance, que as montadoras dizem que tornará muito mais fácil implantar o radar de detecção de crianças dentro dos carros. Antes disso, as empresas precisavam buscar isenções da FCC.

Embora a tecnologia de radar não esteja amplamente disponível, os defensores da segurança dizem que os motoristas podem se lembrar de verificar o banco de trás colocando algo importante ao lado da criança, como uma bolsa, telefone, carteira ou até mesmo um de seus sapatos.

Os Cestia têm seu próprio sistema. Todas as manhãs, às 8h05, eles trocam mensagens de texto para garantir que o filho de 1 ano e meio foi deixado na babá.

Eles também se manifestaram fortemente a favor da tecnologia obrigatória de detecção de crianças em carros.

"Esta é a minha oportunidade de ser a mãe de Thomas e defendê-lo", disse Pam Cestia. "Sua história pode ajudar a salvar a vida de outras pessoas."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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