Alckmin sanciona lei que retoma voto de desempate do Carf, mas veta 14 itens

Retomada de voto de qualidade do conselho é vitória do ministro Fernando Haddad

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Brasília

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) sancionou nesta quinta-feira (21) o projeto de lei que muda as regras de funcionamento do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fazendários), retomando o chamado voto de qualidade.

O instrumento devolve ao Ministério da Fazenda o poder de desempate em julgamentos administrativos de conflitos tributários. Sua extinção em 2020 provocou perdas bilionárias à União.

Alckmin vetou 14 dispositivos que foram incluídos durante a tramitação da proposta na Câmara dos Deputados. Alguns deles foram considerados "jabutis" — dispositivos que não têm relação com o objetivo principal do projeto de lei e poderiam limitar o ganho de arrecadação esperado pelo governo.

Por outro lado, foram sancionados trechos considerados prejudiciais por técnicos do governo em avaliações internas, mas que não foram alvo de pedidos formais de veto pela Fazenda.

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Ministro Fernando Haddad, durante encontro com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco - Gabriela Biló - 23 mai. 2023/Folhapress

O vice-presidente assinou a sanção no exercício da presidência da República por causa da viagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Cuba e aos Estados Unidos, para participar da Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas).

O projeto é estratégico para o ministro Fernando Haddad (Fazenda), que conta com as medidas para arrecadar mais R$ 54,7 bilhões em 2024, além de outros R$ 43,1 bilhões com novas negociações de débitos conduzidas pela Receita Federal e pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) com base na nova lei.

Os valores já foram contabilizados na proposta de Orçamento de 2024 para ajudar no alcance da meta de déficit zero no ano que vem.

Para isso, o governo concordou com uma versão mais branda do voto de qualidade: se houver empate e o julgamento for decidido em favor da Fazenda, as empresas poderão quitar o débito pelo valor de origem, sem multas e juros, e parcelado em até 12 meses.

Os 14 vetos foram concebidos para evitar a distorção de regras de fiscalização e para evitar a desidratação da arrecadação federal esperada.

Um dos pontos vetados pelo governo, e que já havia sido apontado como jabuti por técnicos, vedava a cobrança de multas superiores a 100% do débito em caso de sonegação, fraude ou conluio (hoje, a aplicação é de 150%). O Congresso previa, em um dos trechos limados da lei, que a PGFN deveria providenciar o imediato cancelamento dos montantes excedentes, independentemente de pedido do contribuinte.

Alckmin também vetou um artigo que determinava a submissão de cobranças aplicadas pela Receita sobre operações ou atividades autorizadas por órgãos reguladores a uma Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal. Trata-se de uma inovação em relação às regras atuais.

O governo argumenta, na justificativa do veto, que a cobrança desses créditos não representa um conflito entre órgãos ou entidades de direito público que justifique uma resolução extrajudicial. Também pontua que o trecho desconsidera as competências de cada órgão.

"Dessa forma, não há que se falar em mediação ou conciliação no âmbito do Processo Administrativo Fiscal por uma possível divergência de classificação de mercadorias entre a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e um órgão regulador, tendo em vista que a administração tributária tem competência exclusiva para dispor sobre a matéria", diz o Executivo na justificativa do veto.

O governo, por outro lado, manteve pontos vistos como problemáticos pelos técnicos. Um dos itens mantidos, por exemplo, prevê a permissão para que derrotados pelo voto de qualidade no Carf no período entre janeiro e 1º de junho deste ano possam pedir a anulação do julgamento.

Nesse período, esteve em vigor uma medida provisória -- ato que entra em vigor no ato da publicação, antes mesmo da votação pelo Parlamento -- que restabelecia o voto de qualidade sob condições mais rigorosas do que acabou sendo aprovado pelo Congresso Nacional.

O governo também sancionou o trecho da lei que deixa uma brecha para as empresas quitarem suas dívidas com a União sem precisar desembolsar um centavo sequer. O texto autoriza o uso ilimitado de créditos de prejuízo fiscal para quitar débitos cuja cobrança foi mantida pelo voto de desempate da Fazenda no Carf.

Na prática, esse dispositivo pode frustrar as estimativas de arrecadação do governo com a nova lei.

Ainda assim, a aprovação e sanção do projeto configurou uma vitória de Haddad, que venceu resistências do Congresso e do setor empresarial ao conteúdo da proposta. A retomada do voto de qualidade foi uma das primeiras bandeiras levantadas pelo ministro à frente da Fazenda.

Integrantes da articulação política do Planalto acreditam que os vetos não vão criar mal-estar com os parlamentares. Argumentam que o acordo que permitiu a aprovação não considerava eventuais emendas ou mudanças propostas pelos relatores, que viriam posteriormente. Por isso, o governo teria liberdade para vetá-las.

"Foram feitos vetos de trechos que extrapolavam os entendimentos firmados ao longo da tramitação. Cabe ressaltar que o texto publicado no Diário Oficial da União preserva os acordos firmados com a Ordem dos Advogados do Brasil, setor empresarial e Congresso Nacional", diz a Fazenda em nota.

O Congresso ainda terá a palavra final sobre os vetos, podendo mantê-los ou derrubá-los.

Em nota, a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) criticou as decisões do governo. A entidade, que representa 440 empresas que somam 88% do valor de mercado das companhias listadas na B3, avalia que o Congresso aprimorou o projeto ao flexibilizar a exigência de garantias no pagamento de dívidas tributárias e limitar a aplicação de multas.

"As melhorias vetadas reduziam o custo com garantias para contribuintes, criavam critérios objetivos para a aplicação de multas pela Receita Federal e estabeleciam penalidades em linha com as práticas internacionais", diz a nota.

"Após tantos meses de diálogo na busca de consensos e acordos, os vetos representam uma frustração para as companhias abertas e o mercado de capitais como um todo", afirma a Abrasca.

O Carf é um órgão que atua como um tribunal (embora essa atuação seja no âmbito administrativo e não judicial) julgando disputas bilionárias entre União e empresas sobre o pagamento de impostos.

Os julgamentos do conselho são decididos após votos em igual número tanto da Receita Federal como dos contribuintes. Nos casos em que há empate, o presidente da câmara, que é representante da Receita, era o responsável por decidir o resultado até 2020.

Naquele ano, no entanto, o voto de desempate foi retirado do Carf pelo Congresso por meio de uma emenda inserida de última hora em uma MP (medida provisória), que acabou sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Ou seja, nos casos de empate, o contribuinte era automaticamente declarado vencedor. A lei sancionada pelo governo Lula retoma esse voto de desempate.

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